Caros leitores, este é um texto de um grande amigo, Igor Sorel, reverenciando seu pai, o famigerado Milton Bororó. Este texto, por sua vez deverá ser o primeiro de uma série, já que a vida deste ilustre personagem mucuryano foi curta, mas intensa. E os causos são por demais infinitos, com toda a carga pleonásmica da afirmativa. Aproveitem a leitura, mas cuidado com os palavrões! Avisamos. E se alguém reclamar, não iremos ouvir. Até o próximo capítulo da vida de Milton Bororó. Bruno Dias Bento MILTON RIBEIRO TAVARES, "de saudosa memória" "Nasci no Condeúba, na Bahia, no dia 28 de janeiro de 1929, na zona, ou melhor, na Rua da Raposa, lugar onde o mulherio de vida fácil trabalhava, fácil uma porra! Nasci bolota, ou "Bolota de Sabão" como era chamado por minha tia Naninha, que suicidou por amor. Sou filho de Amadeu e Santinha, ele um galã metido a intelectualizado oriundo de Jacobina, no recôncavo baiano, ela uma senhorinha escravista, dos "Olhos D'água", fazenda do meu avô Exupério (Papai), região rural de Condeúba, condição essa escravista que carreguei por toda minha vida, principalmente quando estava de porre, o que não era difícil, me gabar de quando minha vó Dulcina (Mamãe) nasceu tinha 76 escravos, ou as atrocidades que eram feitas com eles, como aquela onde um escravo, do meu avô Crispim, que não conseguia mais andar foi adaptado para ser burro de carga, andando de quatros carregando dois balaios cheios de pedras para a construção de uma igreja; na verdade a minha condição de escravista era só da boca para fora, sou humanista, intelectual, cachaceiro, sirvo ao próximo sem essa viadagem de igreja, sou amigo de São Francisco, não tenho esta frescura de arrependimento, depressão, e penso rápido, bebo rápido, como rápido, fodo rápido, e, morri rápido." Esta é a biografia do meu pai, rápida. No entanto no decorrer da sua vida temos muitos casos ou causos para contar sobre ele, situações que vivemos, presenciamos ou nos foi contadas, umas folclóricas, outras hilariantes. Uma vez quando fizemos uma viagem ao Condeúba ele nos levou ao cemitério local, nos conduzindo até uma sepultura onde dizia que deveríamos rezar agradecendo, pois aquele homem que ali estava enterrado, o Coronel Diacírzio, seria o responsável por estarmos vivendo uma condição de vida melhor que aquela que vimos Sergino e família lá nos Olhos D'água, fazenda dos seus avós, ou seja, em situação de miséria. Uma desavença familiar entre o Coronel Diacírzio e o Capitão Exupério, fez com que os Ribeiros se migrassem para a "Vigia" no Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais. A Vigia foi passageira, e já no ano de 1934, acompanhando o Velho Helvécio a ribeirada toda mudou-se para Urucu. Foi em Urucu que Milton começou as suas malinagens, na escola da professora "Dona Iolanda", quando usava um só pé de sapato e o seu irmão Almir o outro, foi pego colocando um espelho no pé entre as pernas da mestra para observar a fruta e palavra que ele mais gostava: buceta. Não deu outra, porradas da Santinha e suspensão na escola. No ano de 1941 meu pai deixa a cidade de Carlos Chagas (antiga Urucu), e vai estudar em Teófilo Otoni no Ginásio Mineiro. Entrou para a história sem saber, uma vez que participou da depredação da igrejinha luterana, localizada ao lado do Ginásio, incitado por um médico professor, destruindo assim quase noventa anos de arquivos históricos da colonização alemã em Teófilo Otoni, esse fato ocorreu no ano de 1942. Do Ginásio Mineiro, Milton foi estudar como aluno interno no Colégio São José onde deixou marcas: "certa vez, Luiz Caveira, Nego Gentil, eu e outros, saímos do internato para "pegar" laranjas numa chácara lá no Bairro Concórdia. Ia indo tudo bem até que o dono apareceu e soltou os cachorros, foi aquela correria geral. Quando passamos pela cerca de arame farpado Luiz Caveira gritou falando que tinha perdido o olho, Nego Gentil que vinha logo atrás o recolheu. Lá na frente quando paramos para ver a condição em que estava o olho de Luiz Caveira, constatamos que tudo estava normal, tinha apenas um arranhão e na mão do Nego Gentil uma laranja podre." De Teófilo Otoni Milton seguiu viagem para a vida, mudando-se para Juiz de Fora para estudar no Colégio Grâmbery, de onde foi expulso devido a sua boa conduta e disciplina. Continuou o seu caminho indo parar em Belo Horizonte estudar no Colégio Afonso Arinos, o "Fonfon". Onde deixou como sempre sua marca de aluno disciplinado e exemplar. Terminado o terceiro ano científico não queria mais estudar, no entanto "alguém", ou forças ocultas (Pedro e Almir) o fizeram fazer o vestibular, quando mesmo sem convicção entrou para Universidade de Minas Gerais no curso de Farmácia, acabando com as suas férias em Carlos Chagas. É interessante observar que desde quando migrou do Ginásio Mineiro para o Colégio São José, Milton só estudou em escolas particulares, uma contradição daquilo que pregava quando dizia que só era "doutor" aquele que tivesse estudado e formado pela UFMG, como aconteceu com ele que ali concluiu o seu curso como Farmacêutico. Em Belo Horizonte Milton casou com "Góia", vocábulo que entrou na sua vida como um dos mais pronunciados, só comparável a buceta ou outras palavras proibidas para menores de oitenta anos, acompanhados pelo responsável. Retorna a Carlos Chagas em 1954, com Góia já grávida, indo morar na Toca do Lobo, nas barrancas do Rio Mucuri. Para sobreviver abre a Farmácia São Sebastião, ao lado da Casa Condeúba, de Amadeu e Santinha, e passa a lecionar no Ginásio Santa Marta. A farmácia ia indo muito bem, obrigado; quanto ao faturamento não se pode dizer o mesmo, ia de mal a pior; os pobres não pagavam porque não tinham dinheiro, os ricos porque eram "amigos" ou velhacos. Para vingar dos velhacos amigos Milton anotava as suas contas na página 24, uma alusão ao "veado", uma vingança íntima. No final do ano de 1959, deixa de dar aulas, vende a farmácia para "Magarefe", cujo nome era Álvaro, e muda para a roça de Amadeu com Góia e os meninos: Nanayoski, Igor, Carlota, Maria Ignês e Pedro Exupério. É o início de uma nova vida, aventureira e irresponsável, uma vez que a casa que foi morar estava em ruínas, não possuía banheiro ou outro conforto, mesmo para a época. Milton se transforma, de cidadão urbano passa a camponês, um roçaliano, comparável como ele mesmo gostava de dizer ao Levin, personagem do romance de Leon Tolstoi, no livro Anna Karennina. Conhece Sebastião Pela Ovo, um caipira malandro de uma preguiça só comparada ao Jeca Tatu; Sebastião mata Balô, é acobertado por Milton que sabia onde ele estava escondido na mata, lhe mandava comida até que as ciosas se acalmassem. De Sebastião Pela Ovo pegou o gosto pela poesia espontânea, tirada não sei de onde: "Pela Ovo tinha um jeito especial de envolver, enrolar a todos; um grande contador de casos, poeta de primeira hora: 'onde o pato mete o bico o cavalo churumela enfia tudo quanto é desgraça no cu dessa misera... Água cristalina vinda do centro da terra quem me dera estar no meio de suas pernas; Bocage cê fala baixo que minha mãe já ouviu, se quiser dizer seus versos vai a puta que pariu, a puta que me pariu era uma moça donzela eu quero fazer nocê o que meu pai fez nela...xícara sem pires é louça, caco de vidro é espelho, escova de buceta é pica, barba de saco é pentelho...' Esse é um pedaçinho de Sebastião Pela Ovo, um poeta mau caráter! Mais adiante, seguindo minha trajetória na roça arrumei outros parceiros de toda vida: Peri meu cachorro, e Liberty o cavalo. Juntos vivemos muitos anos de companheiragem na Fazenda São João, com Berilo, filho de Dona Jacinta, irmão de Alcides e Paulinão, fomos zuando nas festas da roça. Liberty pedia uma pinga batendo as patas e quando Bila dizia que não tinha, Peri entrava em cena e a pinga aparecia na hora, para satisfazer o nosso ego. A vida na roça foi dura, de uma casa em ruínas na minha chegada construí um ambiente civilizado, casa nova – 1963 –, a estrada BR- Cacete, um grande pomar, curral, comprei um Jeep (o Possante) e, o mais importante que foi dar condições de alfabetizar os meus filhos. Havia construído a minha Iasnáia Poliana, terra onde nasceu o Leon Tolstoi. Tenho muitos casos que vivi, uns verdadeiros, outros folclóricos, no entanto, gosto de me lembrar da história do Petisco. Era filho de Otaviano, dono da venda lá na estrada da Vila Pereira, tinha uma noiva no Espírito Santo e toda vez que o encontrava perguntava: Petisco você Já comeu sua noiva? A resposta sempre era a mesma, 'Seu Milton eu sou um rapaz sério, respeitador'. Foram meses repetindo a mesma pergunta, até que um dia quando o indaguei, respondeu-me todo sem graça: 'Seu Milton nós acabou'. Inconveniente perguntei: Petisco, comeram sua noiva? Afirmativo. Traçaram a noiva do Petisco, e não foi falta de aviso não, sempre dizia, Petisco come sua noiva, pois se não o fizer alguém fará por você, não deu outra." Milton Bororó, Besourinho, ou outros apelidos que teve ao longo da vida, foi compatível com a sua obsessão de denominar os demais com outros nomes, na maioria das vezes pejorativos. Os filhos eram: Bocage (Nanayoski), Quinca Berro D'água (Igor), Velha Matila (Carlota), Zuina Cabelão (Maria Ignêz) e Galo Velho (Pedro Exupério), Góia era Barriguinha. Todos para ele tinham outro nome, como "Jacinto Peba" "Mata Onça", "João Marimbondo", "Osvaldo Pau Descascado" e "Maria Descasca Pau", o compadre "Couro de Pica" – que não ficava em nenhum lugar; "Nego Sulino", "Zé Preguiça" – que nunca foi preguiçoso, "Pé de Cana" – que não era alcoólatra," Navalha", "Come Gostoso" – aglomerado rural de pequenos proprietários próximos à Iasnaia Poliana, Gilda Preta, Manoel Preto (onde demonstra a sua herança racista), "Zé Vermei"," Neta Porca", "Marcha Lenta", "Espinho de Buceta" – aquele que conseguia estragar até o prazer da melhor fruta, "Cuiabano", "Rolinha"," Porca Russa" e certamente "Manel", seu primeiro neto que não conheceu. Quando os filhos começam a estudar, Milton tenta compatibilizar a vida rural com a urbana, volta a lecionar, retorna com Góia e filhos para a Toca do Lobo, agora são duas casas, uma na roça e outra na cidade. Esse período foi curto, precisava de escola para os filhos mais velhos, mudou-se para Teófilo Otoni, uma exigência de Góia, onde compra uma farmácia em sociedade com Lucio Buceta e volta a dar aulas. Esse tempo em Teófilo Otoni também foi curto (aliás, como tudo em sua vida), os filhos foram estudar fora e Milton voltou para a Iasnaia Poliana. Ali viveu os melhores momentos da sua vida, já amadurecido pode curtir os primeiros netos, dando-os todos os dengos de um bom avô. Morreu precocemente, mas valeu ter Milton Ribeiro Tavares como pai. Teófilo Otoni junho de 2009.
quarta-feira, 3 de março de 2010
MILTON RIBEIRO TAVARES, “de saudosa memória”
Igor Sorel Tavares é Arquiteto pela UFMG, 1980, com especialização em transportes pelo IBAM, 1983, funcionário da Secretaria Municipal de Indústria Comércio e Turismo da Prefeitura Municipal de Teófilo Otoni.
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Igor, não existem palavras para explicar o quanto me fez bem ler sua homenagem ao nosso amigo, "tio", companheiro ou melhor "Compadre Bizourinho". Foram lembranças maravilhosas. Vc lembra quando vc, Nana e Serjão foram ensinar a Marluce andar de bicicleta, debaixo daquela jaqueira centenária???. Eu estava lá. Abs a tds.
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