segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O CHEIRO DO DIABO

Retirado do blog Top3 do Jefh Cardoso em 12/12/2011 do endereço:

http://jefhcardoso.blogspot.com/2011/12/o-cheiro-do-diabo.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+Jefhcardoso+%28jefhcardoso%29

Bateu no portão, e, enquanto aguardava, tomou um pouco da chuva fina que caía naquela manhã de céu impenetravelmente nublado. Vendo que ninguém vinha atendê-lo, levou a mão à maçaneta e pode perceber que, como sempre, estava aberto o portão. Abriu um pouco. Apenas o suficiente para perceber que estava destrancado. Assim, pressupôs que houvesse gente no interior da casa. Fechou o mesmo logo em seguida, mas houve tempo para vislumbrar pela fresta da abertura o cãozinho, aparentemente esquizofrênico, saltitando eufórico atado ao arame por sua corrente corrediça. Bateu novamente e aguardou.

Dessa vez, teve mais sorte. Dona Amélia veio atendê-lo. Pediu para que entrasse e não reparasse por ela não lhe apertar a mão, pois estava com as suas molhadas e ensaboadas. Thor Nelson, que já estava apreensivo por sua entrevista de trabalho, não disfarçou a pressa em ir direto ao ponto. Entrou ultrapassando o som do próprio bom dia que proferiu mais pra dentro de sua boca do que para fora. Dona Amélia foi à frente e pisou sobre a corrente do cachorro para que ele não pulasse nas pernas de Thor e o sujasse com suas patas úmidas e barrentas.

O rapaz atravessou o estreito corredor margeado pela horta de pimentas e taiobas, e estranhou a presença de um grande carro no espaço sempre desocupado da garagem. Era a primeira vez que via ali aquele carro. Achou indelicado perguntar de quem seria o jipe, mas ficou olhando com a intenção de inspirar um esclarecimento espontâneo por parte de sua patroa de ocasião.

Contudo, Dona Amélia não notou ou fingiu não notar. Disse para que Thor entrasse no quarto e descesse Seu Felipe da cama para a cadeira, e o deixasse na porta do banheiro que ela terminaria de esfregar “umas pecinha de ropa” e já iria dar o banho no marido. Com o enfermo posicionado diante do banheiro, e vendo que Dona Amélia não se apressava, Thor voltou para o quarto do homem e começou a observar o quão claustrofóbico era aquele cubículo. Foi quando ouviu uma voz masculina vindo da direção do quarto ao lado. Parecia alguém falando ao telefone. Em alguns momentos, era possível entender parte do sentido da interlocução. Noutros, a tonalidade grave da voz masculina abafava o sentido da conversa. Parecia ser uma transação comercial ou algum embaraço por conta de prestações de contas, comércio. Thor voltou os olhos para a janela do quarto do enfermo, que sempre estava apenas com uma fresta aberta, e tentou abri-la por completo empurrando primeiramente uma das partes. Foi quando encontrou a resistência de um velho muro de tijolos à vista cobertos por limo ancestral. A folha da janela bateu e não abriu mais que poucos centímetros. Foi até a outra folha da mesma e repetiu o gesto. Pode ver que o muro igualmente impedia o progresso da abertura.

Ouviu quando o homem começou a alterar o tom de voz com seu interlocutor. Logo o homem estava aos berros. Dona Amélia surgiu na porta do quarto e, meio desconcertada, explicou que o corredor da casa era muito estreito, como ele podia ver, e que nem a janela era possível abrir por conta do muro do “vizim”, que seria “chato e injuado pra dedél. Da moda duoto, casa de pobre é tudo isprimidim” Ela disse e, em seguida, perguntou ao rapaz se ele não queria sentar-se na sala e ver a televisão enquanto ela dava banho no marido.

Sentado na sala, Thor Nelson pode ouvir, casualmente, e com mais clareza, a conversa do homem que estava dentro do outro quarto com a porta entreaberta e na escuridão. Realmente falava de negócios. Explicava que aquilo não era o cheiro do diabo, pois o diabo, conforme ele dizia, todos sabiam que cheirava a enxofre, e aquilo estava muito mais pra cloro. E que se não quisesse, não precisaria ficar com o lote de desinfetante que encomendara. Dona Amélia, em poucos minutos, gritou do banheiro para que Thor fosse ao seu auxílio para devolver o enfermo ao leito. Ao terminar as operações de ajudante, o rapaz partiu para a entrevista sem perguntar quem seria o dono da voz masculina proveniente do quarto ao lado do quarto do enfermo. Dona Amélia despediu-se com um comentário sobre a chuva: “Vai chuvê o dia ínterim”.

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