Por bruno bento
Há dias ensaio algo sobre os resultados da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais – LEIC 2014. É difícil saber de onde começar. A principal questão é o anúncio feito em junho deste que havia sido atingido o teto da captação da LEIC em tom de júbilo da Secretaria do Estado de Cultura – SEC.
Mas comemorar o quê?
Segundo Anibal Macedo (vice presidente do CONSEC) a comemoração deve-se ao fato de o teto ter sido alcançado de maneira contundente. “Sem entrar no mérito da forma e do conteúdo, este é o momento para pleitearmos a ampliação do teto de renúncia. E há espaço para esse pleito.”
Há muito que se falar, mesmo que somente a partir de uma análise ainda superficial dos documentos disponibilizados pela SEC (confira aqui) no último dia 25 de julho de 2014. Faz bem lembrar que isso é parte das exigências da Carta Aberta enviada à SEC no dia 10 de julho e da chamada Carta de Minas no dia 18 do mesmo mês (confira aqui e aqui). Ah, e a resposta da Secretária Eliane Parreiras à Carta Aberta pode ser acessada aqui.
Os documentos disponibilizados pela SEC são planilhas com relações de empresas patrocinadoras e projetos incentivados com detalhamento dos incentivadores e dos projetos. Alguns resultados:
· 47% dos projetos captados são de Belo Horizonte. Estes projetos correspondem a 49% dos recursos aprovados e 55% dos recursos captados. Ou seja, mesmo que a maioria dos projetos seja do interior, a maior parte dos recursos fica especificamente na capital;
· Foram 12 projetos destinados a eventos ligados ao Carnaval. 8 são de Belo Horizonte, correspondendo a 75% do valor captado, e deste valor captado, 76% foram patrocínio da AMBEV. Não quero dizer que o carnaval de BH seja da AMBEV, mas que há preferências bastante específicas com relação à escolha de que projetos serão patrocinados, o mercado fica completamente à vontade sem nenhum direcionamento governamental, lembrando que recurso proveniente de renúncia fiscal é recurso público;
· Tivemos pelo menos 4 projetos de “Música Sertaneja” e afins tais como Relber e Allan (captado R$ 532.068,38), Isabella Rezende (R$ 278.540,00), Jads e Jadson (R$ 95.000,00), outro do empreendedor Lucs Promoções LTDA (R$ 541.500,00). Não discuto aqui o mérito, mas que este estilo musical faz parte do mainstream, ele precisa ser incentivado? Mesmo com toda a indústria fonográfica e todo o trabalho de marketing junto às empresas de mídia? Será que o sertanejo universitário e afins precisam de recurso público? Não vendem discos ou não têm bilheteria ou apelo comercial para patrocínio direto? Estas são algumas questões que deve-se refletir aqui e na Lei Rouanet;
· Nada contra a Fernanda Takai com 2 projetos, um de 2012 (R$ 267.900,00) e outro de 2013 (R$ 475.000,00), porém disputar com ela é covardia. A ideia do mainstream, vale também, em menor medida, claro. Contudo uma grande artista dessas precisa de recurso público? Ou pelo menos disputar em pé de igualdade com alguém da macrorregião Jequitinhonha/Mucuri? Mais questões;
· E por falar em covardia, um projeto para circulação de Arnaldo Antunes pela bagatela de R$ 655.500,00. Não preciso comentar, vale o que disse sobre a Takai.
Bem, a Associação Mucury Cultural, da qual faço parte, teve um projeto aprovado na LEIC, no valor de R$ 565.000,00, que foi contemplado com R$ 100.000,00 no Edital do Programa Petrobras Cultural, aquele de 10 milhões exclusivo para pessoas jurídicas. Ainda não se sabe exatamente como resolverão, já que não há mais recursos para este ano, todavia, o mais provável é que recomece a bola de neve de adiantarem a grana do ano que vem. O que aconteceu em boa medida este ano segundo a própria SEC.
Para fechar os dados, eis um extrato das 10 mais, das 10 empresas que mais investiram na LEIC 2014:
10 maiores financiadores LEIC 2014 | ||
Nome da Empresa | Valor Incentivado | % |
Gerdau Açominas S/A | 8.435.316,05 | 10,6% |
TIM Celular S/A | 7.946.232,23 | 10,0% |
Telemar Norte Leste S/A | 4.809.995,35 | 6,1% |
Petróleo Brasileiro S/A - PETROBRAS | 4.319.612,50 | 5,5% |
Ambev S/A * | 3.095.236,39 | 3,9% |
Energisa Minas Gerais - Distribuidora de Energia S/A | 3.014.350,00 | 3,8% |
Claro S/A | 2.804.685,95 | 3,5% |
Ambev S/A* | 2.749.040,65 | 3,5% |
Total | 47% | |
Tabela elaborada a partir de dados da SEC. * São CNPJs diferentes, portanto, empresas diferentes, pertencem ao mesmo grupo. |
Há alguma necessidade de comentários sobre os dados? Acredito que sim, e muito. No entanto, há uma mensagem bastante clara, de que a LEIC não serve sozinha sustentar o setor cultural mineiro, nem foi para isso criada e nem deve ser para isso usada. Não repetirei os argumentos das cartas que citei no início do texto, acho bom lê-las com cuidado, inclusive a própria resposta da Secretária Eliane Parreiras, só que está à nossa cara a necessidade de realmente discutirmos o sistema de financiamento cultural de nosso estado.
Teoricamente o FEC e os editais setoriais complementariam. Só um dado a mais, até agora, oficialmente o Fundo Estadual de Cultura – FEC, tem pouco mais de 1 milhão destinados segundo a LOA 2014. Quando de sua criação, contou com 10 milhões de nos outros anos com 6,5 milhões. Novamente segundo Macedo, o FEC este ano terá 6 milhões de reais no edital 2014, e defende ainda que deve ser ampliado em mais 8 milhões. O FEC serviria para patrocinar projetos com pouco apelo comercial – o faz, menos do que deveria –, portanto para a LEIC.
Para finalizar este relato ainda bastante cru, farei umas citações.
Algumas conclusões do artigo da jornalista e professora Valéria Said:
É preciso que o governo mineiro promova mais debates sobre o tema com a sociedade, os artistas, os empreendedores e os gestores culturais, tendo como principal pauta discutir outros dispositivos a serem criados ou reformulados com a finalidade de ampliar os recursos e o acesso democrático à cultura, a partir de uma diretriz de descentralização. Uma sugestão seria utilizar o dispositivo previsto na Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010 e buscar assegurar para o FNC o mínimo de 10,0% dos recursos do Fundo Social do Pré-Sal (meta 50 do Plano Nacional de Cultura), destinando-os integralmente para repasses aos Estados e Municípios Enfim, o desenvolvimento cultural em Minas Gerais está em pauta. Mas é preciso uma mobilização de toda a sociedade para que o governo assuma seu papel de protagonista (e não somente de incentivador) na concretização de políticas públicas para o setor. A começar por uma discussão pública e ampla sobre os impactos das mudanças nas contrapartidas da LEIC, a fim de que o cenário cultural mineiro seja melhor e diferente do que é (TÓTARO, 2014: 16-17).
As questões da Carta Aberta
1. Quais projetos captaram os R$ 79 milhões de renúncia fiscal, que valores cada um recebeu e quais são as empresas patrocinadoras, em cada caso?
2. Qual parcela da renúncia fiscal de 2014 foi consumida pelos projetos de 2013?
3. Qual parcela da renúncia fiscal de 2014 foi direcionada para projetos que tenham originalmente ou eventualmente ligações como carnaval e a Copa do Mundo?
4. Qual parcela da renúncia fiscal de 2014 contemplou equipamentos culturais do próprio Estado de Minas Gerais ou de instituições a ele ligadas direta ou indiretamente? (CARTA ABERTA POR ESCLARECIMENTOS SOBRE A LEIC)
As reivindicações da Carta de Minas:
SENDO ASSIM, ACREDITAMOS E DEFENDEMOS:
1. A IMEDIATA revisão da Lei Estadual de Incentivo à Cultura antes que a mesma entre em colapso. A revisão EXIGE discussões, debates e estudos técnicos, sem decisões acaloradas e partidarizadas;
2. A REVISÃO COM AMPLIAÇÃO de recursos do Fundo Estadual de Cultura. Entendemos que, de maneira escalonada, o valor deve ser equivalente ao valor destinado para a Lei Estadual de Incentivo à Cultura acrescido de 1/4 do montante. Nesse processo faz-se necessário a ampliação do debate sobre as fontes de financiamento do FEC, e que o orçamento do Estado preveja o aporte dos recursos referentes à complementação necessária;
3. A AMPLIAÇÃO das políticas públicas voltadas para a REGIONALIZAÇÃO e DESCENTRALIZAÇÃO. Solicitamos a imediata ampliação e melhoria da estrutura da Diretoria de Interiorização da Secretária de Estado de Cultura com manutenção de escritórios em todas as regionais do Estado para atendimento ao cidadão;
4. REITERAMOS A NECESSIDADE DE DISCUSSÃO DA LEI QUE CRIOU O CONSEC e a imediata convocação das eleições para a CÂMARA REGIONAL CONSULTIVA, que deverá representar os interesses dos municípios mineiros junto ao CONSEC, com o objetivo de assessorá-lo nos assuntos que forem pertinentes à cultura do Estado (A CARTA DE MINAS E O PLANO ESTADUAL DE CULTURA DE MINAS GERAIS).
Algumas palavras da Secretária Eliane Parreiras em resposta à Carta Aberta:
Também é necessário esclarecer que, ao contrário das reflexões apresentadas na Carta, a possibilidade de captação de um projeto até o último dia útil do ano, com dedução fiscal no ano seguinte, é um direito previsto na Lei 17.615/2008, Art. 4 º. Assim, para se mudar este paradigma e estabelecer um limite nesta forma de captação, deve-se alterar essa lei. Essa questão também tem sido objeto de estudo da SEC e SEF.
Diante do novo cenário que resulta do processo dinâmico da cultura em nosso estado, reitero o empenho da Secretaria de Estado de Cultura na consideração das ponderações apresentadas na Carta Aberta. Não posso me omitir, porém, sobre a tentativa do documento de desqualificar o mérito, a competência e a pertinência dos projetos em andamento. Para a SEC, é absolutamente equivocada a acusação feita na carta de que “boa parte da renúncia fiscal venha sendo utilizada para financiamento de projetos que pouco acrescentam à cultura de Minas”.
Por fim, acrescento que todo o Sistema Estadual de Cultura, no limite de suas possibilidades, atua em favor da convergência de esforços, pelo reconhecimento de que constituímos uma cultura plural, diversa e heterogênea, que precisa ser respeitada por todos os elos de uma cadeia produtiva valorosa, crítica, reflexiva e propositiva. Atuar em outra direção, seria não menos que um retrocesso.
Nesse sentido, também reafirma a postura do Sistema Estadual de Cultura de executar suas atribuições e competências como parceira, aberta ao diálogo e a serviço de um modelo de gestão responsável e colaborativo (PARREIRAS, 2014).
O governo e o setor cultural têm de se desarmar de todas as questões de ordens pessoas e político-partidárias para que possamos todos construir uma boa política pública de cultura para Minas Gerais. Tomara que a eleição do Conselho Estadual de Políticas Culturais – CONSEC, que está andamento, possa contribuir para essa mudança, assim como o Plano Estadual de Cultura que está em construção, pois a situação é sempre delicada.
Referências:
A CARTA DE MINAS E O PLANO ESTADUAL DE CULTURA DE MINAS GERAIS. 2014. Disponível em <http://www.mucurycultural.org/2014/07/a-carta-de-minas-e-o-plano-estadual-de.html>. Acesso em 04 ago. 2014.
CARTA ABERTA POR ESCLARECIMENTOS SOBRE A LEIC. 2014. Disponível em <http://www.mucurycultural.org/2014/07/carta-aberta-por-esclarecimentos-sobre.html >. Acesso em 04 ago. 2014.
PARREIRAS, Eliane. RESPOSTA DA SECRETARIA DE ESTADO DE CULTURA DE MINAS GERAIS À CARTA ABERTA SOBRE A LEI ESTADUAL DE INCENTIVO À CULTURA ENVIADA POR ARTISTAS E INSTITUIÇÕES CULTURAIS. 2014. Disponível em <http://www.mucurycultural.org/2014/07/resposta-da-secretaria-de-estado-de.html>. Acesso em 04 ago. 2014.
TÓTARO, Valéria Said. LEI ESTADUAL DE INCENTIVO À CULTURA: os benefícios e as distorções das novas contrapartidas para uma política pública cultural em Minas Gerais. 2014. Disponível em <http://www.sjpmg.org.br/attachments/article/2065/ArtigoIneditoLEICjul.pdf>. Acesso em 04 ago. 2014.
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