Um movimento começa como movimento? O que é um movimento?
Como não sabemos a resposta, leiamos nós.
Retirado do obvious em 16/02/12 do endereço:
em literatura por Lucas Reis Gonçalves
"Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, motores, chaminé de fábricas, sangue, velocidade, sonho, na nossa Arte!", abria o segundo dia da tão famosa Semana de Arte Moderna o (logicamente) paulista Menotti del Picchia. Não porque esse último fosse poeta ou por qualquer outra mera fatalidade, o dia 15 de fevereiro foi O dia da poesia do repercutido festival.
Em meio a uma apresentação sem grandes sustos do piano de Guiomar Novaes, a real atração: a conferência de del Picchia e as leituras de Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Plínio Salgado. Sustentados por um coro respeitável de vaias, miados e latidos, os poetas mantiveram-se firmes e não afrouxaram pé sob tamanhos insultos.
Mais tarde, Mário comentou sobre tal episódio:
"Mas como tive coragem pra dizer versos diante duma vaia tão barulhenta que eu não escutava no palco o que Paulo Prado me gritava da primeira fila das poltronas?... Como pude fazer uma conferência sobre artes plásticas, na escadaria do Teatro, cercado de anônimos que me caçoavam e ofendiam a valer?..."
Mário não estava só. Junto com ele nesse rio de afiadas pedras, em proporção semelhante, estava Ronald Carvalho. O poeta ousou ler o clássico - mas nem tão clássico assim na época - poema Os Sapos, de Manuel Bandeira. Por entre ironias do público sobre o refrão poético "Foi! - Não foi", Ronald leu por completo o (agora) aclamado texto:
Os Sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
Repercussão do dia
O resultado na época, contrapondo-se à visão histórica da literatura agora em voga, não foi o dos melhores:
"Foi, como se esperava, um notável fracasso a récita de ontem da pomposa Semana de Arte Moderna, que melhor e mais acertadamente deveria chamar-se Semana de Mal - às artes. O futurismo tão decantado não é positivamente de futuro... No presente, diante da ignorância de tal semana por parte da sonolenta sociedade, ainda é possível que dê alguma coisa; depois, porém, de conhecer a droga, ninguém penetrará a botica em que foi transformado o Municipal [...] A sonolenta sociedade paulista foi sacudida duas vezes do seu torpor de atraso: uma, para vibrar com Guiomar Novaes, e outra, com mais intensidade ainda, quando soube repelir o cabotinismo. De tudo quanto vimos e observamos do tal futurismo, metidos sempre no nosso atraso mental, deduzimos que os modernistas possuem uma coisa: topete, muito topete, e tanto assim que já se anuncia pra amanhã uma exibição teratologista." (Folha da Noite, 16/02/1922)
Assim mesmo, enquanto Guiomar calava o público e esse tentava (e tentava e tentava) calar os poetas modernistas, um sopro insólito já era dirigido para as próximas gerações: a Semana de Arte Moderna de 1922 ainda iria vingar.
Artigo da autoria de Lucas Reis Gonçalves.
Lucas Reis Gonçalves é poeta e articulador cultural. Novamburguense frequentador da capital gaúcha, formou-se em eletrônica e com ela trabalhou por mais de um ano - até descobrir, por inteiro, a literatura. Depois de três anos esboçando versos, publicou seu primeiro livro, Se soubesse o que dizer, diria em prosa (Paco Editorial, 2011), e, através dele, descobriu e criou por acaso, juntamente com o músico Dado Vargas, um novo projeto de declamação poética: Eletropoeteria. Lucas nasceu em 1990 e atualmente escreve para sites de literatura (públicos e independentes)..
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