Por Marcelo Gruman
O escritor mineiro Fernando Sabino descreveu magistralmente, na crônica Cem cruzeiros a mais, o périplo de um indivíduo que, tendo recebido certa quantia a mais de um Ministério, queria devolvê-la aos cofres públicos.
Primeiro, depois de esperar pacientemente na fila, viu o guichê ser fechado justamente na sua vez porque estava na hora do cafezinho do funcionário. No dia seguinte, ao conseguir, finalmente, ser atendido, ouviu do funcionário que estava no lugar errado, pois ali era a “pagadoria”, devendo o incauto individuo encaminhar-se à “recebedoria”. Na “recebedoria”, o funcionário informou que apenas o chefe poderia resolver o caso, mas o chefe já havia ido embora, portanto, a resolução do caso foi novamente adiada para o dia seguinte. No terceiro dia, após meia hora de espera, nosso personagem ouviu do chefe da seção que seria necessário redigir um ofício “historiando o fato e devolvendo o dinheiro” e dar entrada na solicitação no setor de protocolo. Eis o desfecho do caso, para desgosto do protagonista e prejuízo ao erário público:
Saindo dali, em vez de ir ao protocolo (…) o honesto cidadão dirigiu-se ao guichê onde recebera o dinheiro, fez da nota de cem cruzeiros uma bolinha, atirou-a lá dentro por4cima do vidro e foi-se embora.
A crônica de Sabino fala, de forma caricatural, dos empecilhos que a burocracia impõe ao cidadão comum em seu cotidiano, até mesmo quando este cidadão quer fazer um favor ao Estado e, consequentemente, ao funcionário que lhe atendeu, seu representante, a autoridade formalmente nomeada para tratar daquele assunto específico. O desfecho tragicômico de Cem cruzeiros a mais pode ser explicado pela falência do modelo preconizado pela administração pública burocrática no Brasil, alvo de inúmeras críticas por parte de estudiosos, políticos e, talvez a parte mais interessada, a sociedade civil, obrigada a lidar quase que diariamente com as exigências do aparelho estatal. Dentre as principais críticas estão o impacto da prescrição estrita de tarefas sobre a motivação dos empregados; resistência às mudanças; desvirtuamento dos objetivos provocado pela obediência acrítica às normas e corporativismo entre os funcionários, causando destacamento dos interesses dos destinatários/clientes dos serviços da organização. A impessoalidade levada ao pé da letra pode levar a organização a não dar atenção a peculiaridades das necessidades individuais. Será que o funcionário da “pagadoria” não seria capaz de intervir junto à “recebedoria” de forma a acelerar o processo? Esta é a questão: o foco é no processo, não nos resultados.
Por sua vez, a administração pública gerencial, pensada a partir do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, sob a orientação do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – MARE, em 1995, funda-se na ideia de que o controle deve ser exercido sobre os resultados, não mais nos processos, tornando a administração pública mais eficiente e voltada para a cidadania. Há uma mudança na compreensão da expressão “interesse público”, inicialmente identificado com a afirmação do poder do Estado, relegando ao segundo plano os conteúdos das políticas públicas. Na administração pública gerencial, interesse público relaciona-se ao interesse da coletividade e não com o aparato do Estado. Aqui, o cidadão é contribuinte de impostos e cliente dos seus serviços.
É a partir as premissas da administração pública gerencial, sobretudo a tríade planejamento-resultado-avaliação sistemática, que as ações do Ministério da Cultura devem ser pensadas.
O planejamento da Cultura
Os resultados positivos de determinada política pública só podem ser alcançados a partir de um planejamento estratégico, e este planejamento estratégico só pode ser elaborado a partir de diagnósticos e estudos prospectivos. O programa ou ação governamental devem ser avaliados sistematicamente com vistas à determinação de sua eficiência (menor relação custo/benefício), eficácia (grau em que o programa atinge seus objetivos e metas), efetividade (efeitos positivos no ambiente externo em que interveio), sustentabilidade (capacidade de continuidade dos efeitos benéficos alcançados pelo programa) e relevância de seus objetivos. A avaliação é realizada por meio de indicadores, que quantificam os resultados obtidos na aplicação de critérios previamente selecionados, confirmando ou não o alcance das metas pré-determinadas.
O planejamento implica um plano. Em 2010, foram publicadas as metas do Plano Nacional de Cultura para os dez anos seguintes. Na sua apresentação, a ex-ministra Ana de Hollanda deixou claro qual a visão de longo para a Cultura.
Sustentabilidade e, portanto, planejamento, são algumas palavras-chave da atual gestão do Ministério da Cultura. Significa pensar lá na frente, no futuro, a partir das bases do presente. Foi com esse intuito que colocamos em discussão as metas do Plano Nacional de Cultura (PNC), que hoje apresentamos. São propostas para a próxima década. (…) As metas que nascem agora começaram a ser geradas no Seminário Nacional Cultura para Todos, em 2003, primeiro passo para o envolvimento dos cidadãos na avaliação e direcionamento das políticas culturais. Portanto, se temos 53 metas a nos guiar para a próxima década, é porque um dia abrimos espaço e ouvimos a sociedade na formulação da política pública para a cultura. (grifos meus)
O alcance das metas previstas no Plano Nacional de Cultura depende, paralelamente à infraestrutura tecnológica adequada, de uma cultura organizacional que enfatize a produção, armazenamento e avaliação de informações das ações institucionais. Apenas desta forma é possível elaborar um planejamento estratégico. Valores como eficiência e eficácia devem informar os processos rotineiros de trabalho, e as ações não podem ser interpretadas como um fim em si mesmo, mas um meio a partir do qual a avaliação é feita. Caso contrário, estaremos diante de dados, números sem significado social.
Muito mais cômoda para os gestores seria a organização de suas ações sem olhar para o futuro, apenas para o presente, porque estariam dentro de uma zona de conforto. Contudo, se isto ocorresse, reproduziríamos o estigma do funcionário público que pendura o paletó na cadeira pela manhã e só volta no final do expediente, o estigma da bur(r)ocracia que não arregaça as mangas e não põe a mão na massa, que apenas cumpre as formalidades administrativas necessárias para a elaboração do relatório de atividades a ser entregue no final do ano.
A administração pública federal deve atender às demandas do cidadão, afinal, o cliente sempre tem razão.
Referências bibliográficas
MINISTÉRIO DA CULTURA. Metas do Plano Nacional de Cultura. Brasília: Ministério da Cultura. 2011.
SABINO, Fernando. Cem cruzeiros a mais. In: ANDRADE, Carlos Drummond de & outros. Para gostar de ler: crônicas. São Paulo: Ática. 1979.
Retirado em 04/02/14 daqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente