segunda-feira, 4 de abril de 2011

O Estado da Arte

Publicado originalmente por Leonardo Brant no Cultura e Mercado e retirado em 04/04/2011 do endereço:

http://www.culturaemercado.com.br/conversacao/comecodeconversa/o-estado-da-arte/

Uma das questões mais difíceis no desenvolvimento das políticas culturais é saber dosar o tamanho do Estado. Ausente, coloca o imaginário nas mãos do poder econômico, com seus enlatados e facsímiles da realidade. Em um outro extremo quer opinar, anseia mudar a sociedade (muitas vezes à despeito dela própria) a partir de uma visão particular de cultura (ou ideologia). Torna-se fascista.

Teixeira Coelho, em seu Dicionário Crítico, define políticas culturais como um conjunto de intervenções. Recentemente, ouvi o próprio autor reconsiderar essa premissa, indicando a cooperação como o caminho mais adequado para aplicar ações programáticas no campo cultural.

Cooperação é algo muito delicado, sobretudo quando praticada com dinheiro público. O investimento necessário e indispensável mistura-se facilmente no balaio do privilégio. A força (simbólica e material) do  Erário compromete sensivelmente a ação cultural “patrocinada”: cumplicidade, simpatia e adesão ideológica são moedas correntes de troca, tão intangíveis quanto a própria ação cultural. Quando a decisão de quem deve ou não receber o dinheiro cabe ao governante, ou a uma comissão definida e coordenada por ele, configura-se um balcão de negócios com o dinheiro público.

Na cultura, a função econômica se confunde cada vez mais com a função social. Já não sabemos distinguir tão claramente onde começa um e termina outro. A indústria cultural se protege por trás da contrapartida social; a arte experimental alcança cada vez mais galerias, telas e palcos comerciais; o popular e o pop são transas cada vez mais frequentes. Sincretismo cultural, político e mercadológico.

O modelo de desenvolvimento escolhido pelo Brasil de Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma é o econômico. Do neoliberal ao neossocialismo democrata, o Estado brasileiro pós-ditadura colocou arte e cultura ora como produto, ora como instrumento de conquista, reafirmação e ascenção social. Em nenhum momento, porém, chegamos perto de garantir, por força e poder do Estado, os direitos e liberdades culturais a todos os cidadãos, como quer a nossa Constituição Federal.

O povo nunca foi no Brasil o beneficiário final da política cultural. O Estado atende (como nos tempos de repressão) a clientes avulsos ou organizados. Fundos, incentivos, editais: um instrumento diferente para cada clientela, cada vez mais sofisticada e segmentada. Todos raivosos e descontentes com o cobertor curto, que não cresce na mesma velocidade dos novos mercados, criados e cultivados por vontade política do Estado. Nem mesmo o gordo orçamento do ano eleitoral é capaz de conter e atender a todas as demandas e necessidades, legítimas ou não, dessa vasta clientela.

Cidadania cultural também se faz com mercado, pois garante maior autonomia ao artista. Acesso cultural se faz sobretudo com desenvolvimento econômico e consumo. No Brasil, direitos culturais são cada vez mais garantidos com autonomia financeira e cada vez menos pela atuação direta do Estado. A este cabe apenas garantir condições de crescimento econômico.

A fusão entre cultura e mercado, forçada pela sociedade do consumo e do espetáculo (filhos perversos desse modelo de desenvolvimento), coloca a função educativa da cultura em xeque. Superar esse abismo filosófico, conceitual, estratégico, significa inverter uma lógica relacionada à formação do Estado republicado, suas elites e estamentos.

Por isso, a política cultural não pode ser pensada a partir dos setores econômicos, dos profissionais e classes organizados. E sim a partir de uma nova concepção de Estado, que atenda aos interesses maiores de formação do povo brasileiro, que precisa ser municiado de referências, valores éticos, olhares críticos e diversificados da realidade, do passado, presente e futuro.

Leonardo Brant http://www.brant.com.br

Pesquisador independente de políticas culturais, autor do livro "O Poder da Cultura". Diretor do documentário "Ctrl-V | VideoControl, criou e edita o site Cultura e Mercado. É sócio-diretor da Brant Associados, consultoria para desenvolvimento de negócios culturais. Para mais artigos deste autor clique aqui

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente