quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Passado, presente e futuro da produção cultural no Brasil

Retirado do Cultura e Mercado em 10/01/13 do endereço:

http://www.culturaemercado.com.br/entrevistas/passado-presente-e-futuro-da-producao-cultural-no-brasil/

Por Mônica Herculano

Retomamos nossa série sobre o Panorama Setorial da Cultura Brasileira – pesquisa patrocinada pela Vale e Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet – com uma entrevista com Marta Colabone, gerente de Estudos e Desenvolvimento no Sesc São Paulo.

Formada em História, com especialização em Comunicação pela Universidade de São Paulo e em Artes pela Universidade Estadual de São Paulo, ela falou sobre suas impressões acerca da situação do produtor cultural no Brasil e sobre o futuro da profissão no Brasil.

Cultura e MercadoO mercado cultural profissionalizado está cada dia mais em pauta. Na sua opinião, os produtores brasileiros tiveram avanço no desenvolvimento do seu trabalho nos últimos anos? A que isso se deve e o que ainda falta?
Marta Colabone
– Não tenho conhecimento do histórico do debate da profissionalização do mercado cultural, mas tateio algumas informações acerca de, a partir de mapeamentos de cursos de formação voltados aos gestores culturais (ou profissionais com nomes assemelhados – animadores culturais, administradores culturais, produtores culturais, dentre outros) no Brasil e, em especial, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro; a partir das ações do Ministério da Cultura, ao organizar cursos de curta e de longa duração, em parceria com instituições públicas e privadas, em diferentes estados do país, bem como junto às Universidades.

Não consigo descolar o “avanço” do desenvolvimento do trabalho do aqui denominado produtor cultural, do desenvolvimento das ações culturais no país – em especial do ramo artístico das ações culturais. São ações integradas: o mercado das artes requereu determinada profissionalização para que pudesse estar integrado à organização econômica vigente; as ações artísticas outras (independentes, experimentais, de pesquisa, de vanguarda etc.) também requereram e requerem profissionalizações para que possam participar do que há disponível para auxiliar seu desenvolvimento.

Quanto à formação em si, carências sempre existirão. Trabalhamos com ações que são (ou deveriam ser) permanentes, algumas de longa duração, que requerem, muitas vezes, formações especializadas; outras, efêmeras, que exigem tanto ou mais do saber fazer. Não sei se o reconhecimento da profissão auxiliaria na melhora de sua formação. Estudei história nos anos 80 e, desde então, aguardo o reconhecimento da profissão de historiador. Já caminhamos para o ano de 2013 e nada ainda de sua existência. Isso não me impediu de ter tido uma boa formação e de ter continuado a me atualizar sobre os novos estudos, de ter consolidado os contatos com professores e pesquisadores e de ter descoberto novas formas de compartilhar meus conhecimentos e meus muitos desconhecimentos para além da sala de aula e para além de uma boa biblioteca ou de um bom arquivo.

CeMNa pesquisa Panorama Setorial da Cultura Brasileira foram identificados cinco tipos de produtores: o idealista (que enxerga a cultura como transformação), o desiludido (que vê as empresas como rivais ao invés de parceiras e é pouco estratégico), o alienígena (que tem a cultura como meio de vida, e não como paixão), o profissional (mais próximo do mercado) e o por acaso (que entrou na profissão porque surgiu a oportunidade). De maneira geral, você enxerga esses diferentes perfis de produtores no Brasil? Com quais deles é mais fácil (ou melhor) e com qual é mais difícil trabalhar?
MC
– A tipologia foi dada a partir de uma pesquisa. Creio que tenho algumas ressalvas quanto às denominações. Por exemplo, chamar de “idealista” aquele que acredita na cultura como meio para a transformação não me soa confortável. Seria o mesmo que chamar um professor de idealista! E chamar de “profissional” aquele que está no mercado me parece contraditório ao campo das artes, porque reduz a atuação desse “profissional” ao mercado estabelecido e regrado pelo modo capitalista, liberal, que flui conforme os ganhos e as construções de fenômenos com formas e vazios de conteúdo.

Agora, com quem é mais fácil, ou melhor, de trabalhar… Bom é trabalhar com quem se permite estar aberto para aprender, para observar, para falar sem amarras e reproduções de jargões; bom é trabalhar com quem se arrisca, com quem tem responsabilidade, com quem não tem medo de errar. Bom é trabalhar com quem tem ética, bons modos, respeita os limites das pessoas e avança os limites dos processos de criação. Bom é trabalhar com quem tem respeito e preocupação com o público. Bom é trabalhar em equipe. Bom é trabalhar com alguém que “sabe ver”, “saber estar com” e “sabe escrever sobre”.

CeMQuais são as principais características que você identifica nos produtores culturais no Brasil e o que os diferenciam (se é que existem diferenças) de outros profissionais?
MC
– Posso falar do meu locus, que é a cidade de São Paulo. Independente das denominações, são pessoas que estão buscando caminhos para viabilizar trabalhos – tanto aqueles que acreditam que determinado trabalho fará a diferença para “o mundo”, como aqueles que acreditam ser mais um trabalho, que viabilizará o pagamento das contas no final do mês. Não há certo ou errado; são formas de crença e de sobrevivência.

São pessoas que estão buscando caminhos para melhor dialogar com os poderes públicos e privados, ainda que, por vezes, a possibilidade do debate, do diálogo, fique prejudicada pela falta de entendimento dos processos de escutar e de falar, de escutar e de refletir, de falar e respeitar a fala do outro…

São pessoas que estão buscando caminhos para melhor se formarem e, conseqüentemente, melhor desenvolverem suas atividades. E são pessoas que estão buscando caminhos para entenderem as lógicas do mercado, tanto para delas participar, quanto para delas ficar o mais longe possível.

CeMQuais são os principais desafios e as principais oportunidades que você vê para o produtor cultural no Brasil hoje?
MC
– As oportunidades são uma via de mão dupla; não se pode esperar que elas sejam dadas; oportunidades são construções coletivas, nas quais os produtores têm papel fundamental. Claro que leis de incentivo, de fomento são importantes; claro que auxílios vindos de outras fontes são importantes. Mas não se pode restringir a possibilidade de ação cultural, de ação artística unicamente por meio de leis e auxílios externos. Há que se pensar em alternativas outras, em ir além do que o “mercado” coloca ou impõe como forma de atuação.

O desafio é aprender a conversar, ao invés de, pura e simplesmente, reclamar. O desafio é encontrar formas alternativas àquelas estabelecidas para viabilizar programas, projetos, atividades. O desafio é formar-se para além do que o momento pede. O desafio é ter consciência do seu papel e do que significa estar ou não no “mercado”. O desafio é ter consciência de que o “mercado” vive de escolhas e que, muitas vezes, você não é o escolhido.

CeMInfraestrutura e recursos para desenvolver a atividade costumam ser precários para os produtores culturais. A remuneração geralmente é variável, muitos produtores precisam exercer outras atividades, o que torna difícil o planejamento de carreira. É possível mudar esse cenário? Quais seriam os caminhos?
MC
– Há que se pensar no que temos, hoje, disponível: há aqueles que optaram em trabalhar em instituições públicas ou privadas, como gestores de/da cultura. E aqueles que optaram (ou não tiveram outra escolha, talvez) em serem profissionais liberais. Para o segundo grupo, ainda reflito sobre possíveis alternativas, possíveis caminhos. Careço de algumas informações que são cruciais para contribuir para o presente debate.

CeMPensando no desenvolvimento do mercado, como você vê o futuro da produção cultural no Brasil?
MC
– Por vício de profissão ou por falta de vocação, fico mais à vontade de olhar o passado e/ou o presente. E, antes mesmo de pensar no futuro, creio que os produtores culturais poderiam fazer um diagnóstico de sua situação para, junto com outros diagnósticos, pesquisas e reflexões, poderem pensar sobre o planejamento da produção cultural coletivamente, sabendo dos limites, dos problemas, e das possíveis alternativas para as inviabilidades do momento. Para tanto, conhecer seu entorno é peça chave para pensar em ações futuras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente