sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Por que realizar festivais?

Do Cultura e Mercado

Por Patrícia Lima

Foto: Popload Festival“Por que realizar festivais no século XXI?” é o nome de um dos capítulos de “Tempos Fraturados”, último livro do historiador inglês Eric Hobsbawn, que faleceu em 2012. Trata-se de uma coletânea de ensaios que discutem as relações entre sociedade e cultura, com relevante espaço dedicado aos festivais.

O autor de “A Era dos Extremos” afirma que o número de festivais de música disparou desde os anos 1970 e nada sugere que esse crescimento esteja chegando ao fim. “Só na América do Norte parece que há 2.500. Os festivais de jazz chegam, ao menos, a 250 em 33 países. O número aumenta a cada ano. Na Grã-Bretanha, país sobre o qual estou mais bem informado, há 221 festivais de música este ano (2006), sendo que três anos atrás foram apenas 120. E isso é verdade no que diz respeito não apenas a festivais voltados para a música, mas também a outros eventos de arte e cultura, incluindo gêneros já existentes desde os anos 1930, como festivais de cinema e de literatura, ou festas literárias”, afirma o historiador.

Para Hobsbawn, os festivais tornaram-se sólidos componentes da indústria do entretenimento, cada dia mais importantes do ponto de vista econômico, e também no turismo cultural, que se expande com rapidez. “Em suma, há muito dinheiro a ser ganho hoje em dia no negócio da cultura”, escreve o autor.

Nesse contexto, o Brasil se destaca, por ser uma das primeiras nações a voltar a lucrar com os negócios musicais, que desde 1999 sofriam queda. Em 2012, o mercado brasileiro cresceu 5,13% e, em 2011, enquanto o mercado mundial ainda estava no negativo, aqui já havia crescido 8,4%, de acordo com as pesquisas da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) e da Associação Brasileira dos Produtores de Disco (ABPD).

Presidente da FBA – Festivais Brasileiros Associados, Paulo André é também fundador do festival recifense Abril pro Rock, que completa 21 anos em 2014 e se tornou referência nacional por revelar novos nomes – bandas como Los Hermanos, Mundo Livre S/A e Eddie – e apoiar as bandas locais. Ele também foi produtor musical de bandas como Chico Science e Nação Zumbi, Siba e a Floresta, DJ Dolores e Felipe Cordeiro. André admite que a longevidade de um dos festivais mais antigos do país se deve à sorte de ter sido fundado quando ele ainda morava com os pais e não tinha contas para pagar: “No começo, muitas vezes, eu só empatava ou até perdia dinheiro”.

Há tantos anos envolvido nesse mercado, ele é otimista em relação aos avanços do panorama nacional. “Pela primeira vez nós temos um circuito nacional de festivais independentes completo e uma agenda que percorre o ano inteiro. Além disso, temos hoje muitos editais, que permitem a chegada de festivais em lugares inusitados”.

Ana Garcia, co-criadora do também recifense Coquetel Molotov, que completou 10 anos em 2013 e se tornou referência nacional na cena indie, acredita que os maiores avanços foram a criação de mais editais de incentivo, tanto dos órgãos públicos como de empresas privadas, e a noção adquirida desses gestores públicos em investir no setor musical independente. “Em alguns estados os editais avançaram mais que outros e possuem políticas de incentivo mais sólidas, como em Minas Gerais e aqui em Pernambuco”, diz.

Gargalos – Apesar de ver o avanço dos editais, Ana aponta desvantagens: “Ainda assim, muita coisa escapa devido a burocracias e seleções de editais que não contemplam todos que mereceriam. O próprio processo seletivo exclui muita coisa devido a um gargalo natural que se tem entre o que é produzido e o que é aprovado. No setor privado, em compensação, as empresas de telefonia que já foram as maiores patrocinadoras de eventos musicais no país estão agora sem rumo certo no mercado cultural, sem apoiar projetos consistentes”, opina.

Paulo André considera que os gargalos no país ainda são exatamente os mesmos dos anos 90: divulgação e distribuição. “Não dá nem para discutir o jabá das rádios privadas, e eu considero 80% das rádios públicas paradas no tempo. Essa situação só se agravou, porque a geração dos anos 1990 ainda sabe cantar as músicas dos poucos que chegavam às rádios, como Pato Fu, Skank, Jota Quest, entre outros. Mas no início dos anos 2000 já dá para contar na mão quem teve esse privilégio: Los Hermanos com Ana Júlia, Pitty, CPM22 e NXZERO. Depois disso, não chegou mais nada”, desabafa o produtor musical.

Outro problema citado por André é a falta de circuitos de clubes no Brasil. “Na Europa, quando as bandas de pequeno e médio porte não estão em festivais com bandas grandes, elas tocam nos clubs que são parte fundamental do processo de formação de público. No Brasil isso até existe, mas o circuito está restrito às regiões Sul e Sudeste. Se cada cidade grande do Brasil tivesse um club organizado no mesmo nível do Bar Opinião de Porto Alegre (RS), a cena independente seria outra”, completa.

Para a criadora do Coquetel Molotov, a principal dificuldade em se produzir um festival de música no Brasil é ainda hoje a captação de recursos. “Apesar de termos um festival bastante elegante, positivo e com muito respaldo, o setor empresarial ainda não consegue apoiar com afinco este e outros projetos culturais. Seja por conta do desconhecimento das leis de incentivo ou por falta de verba para investir em eventos musicais”, diz. No entanto, segundo ela, uma vez que se obtenha uma fonte de financiamento segura, as etapas seguintes vêm mais fácil, desde a contratação de artistas à mão de obra. “O setor técnico de produção de shows vem aumentando e mesmo aqui no Recife é relativamente fácil encontrar bons profissionais na área.”

Tathiana Lopes, co-idealizadora do festival carioca Novas Frequências, um dos principais festivais de música contemporânea do Brasil, acredita que o mercado musical independente vem se consolidando cada vez mais. “Esse mercado é o que possibilita a criação e produção de festivais como o nosso e a possibilidade de trazer artistas inéditos para o Brasil”, afirma. “Mas o patrocínio continua sendo uma questão difícil para a cultura de uma forma geral. Em produções como a nossa, os patrocinadores ainda não conseguem enxergar o potencial, a força do formato e o retorno do público.”

Os idealizadores do paulistano Popload Festival, Lúcio Ribeiro e Paola Wescher, discordam dos demais em relação aos incentivos: “Não houve evolução em patrocínios, nem em incentivos, nem em editais. Zero. A não ser para alguns. O Brasil não evoluiu em quase nada nas políticas culturais. Os marketeiros também não. Ainda que o discurso das empresas seja outro, no final, a conta é sempre a mesma: investimento x quantidade de pessoas, fórmula que vai impactar com mídia e fisicamente. O olhar para construção de marca ainda não existe aqui como algo bem definido, como se vê no exterior”, lamentam os produtores.

“A Fórmula do Sucesso” – Paulo André acredita que o sucesso dos festivais integrantes do FBA se deve ao tamanho relativamente pequeno e ao fato de todos os idealizadores estarem diretamente ligados à cadeia produtiva da música. “Essas pessoas trabalham o ano todo como curadores, produtores, diretores de casas noturnas, então ninguém decidiu fazer o festival só para ganhar dinheiro.”

O sucesso do Festival Novas Frequências, segundo sua produtora, deve-se ao fato do mercado de música contemporânea estar se desenvolvendo no Brasil. “A cada ano surgem mais produções, temos um público bastante significativo que conhece, curte e busca esse tipo música. Não sei se existe uma fórmula especial. A curadoria busca artistas inéditos, que nunca tocaram no Brasil, e o formato que a gente definiu não acontece por aqui. De certa forma isso vem garantindo que o festival se estabeleça e cresça a cada edição”, afirma Tathiana.

Lúcio Ribeiro e Paola Wescher creditam o sucesso do Popload Festival à relação que mantêm com o públicoatravés do blog Popload e dos shows promovidos durante todo o ano com a mesma marca, combinada com a relação construída ao longo de mais de 10 anos com as bandas, empresários e agências internacionais. Para eles a fórmula é “muito trabalho + muito amor + fazer parte do público e estar sempre perto dele”.

Retirado em 06/12/13 daqui.

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