Retirado do site do CEMEC em 23/05/12 do endereço:
Por Gustavo Seraphim
Economista, mestre em cinema, jornalista e empreendedor, João Leiva Filho tem larga experiência nas áreas de cultura, entretenimento e esportes, seja no desenvolvimento e viabilização de projetos, seja no atendimento a empresas e produtores culturais. Com a J. Leiva Marketing Cultural, atende grandes organizações investidoras, tendo acumulado profundo conhecimento do seu funcionamento, das suas lógicas de pensamento e das maneiras de criar.
Na entrevista abaixo, João Leiva opina sobre algumas questões como os editais públicos, a figura do captador, o Procultura, entre outros, e antecipa alguns aspectos que serão abordados em sua aula, na Jornada de Captação de Recursos, que realizará no Cemec em junho próximo.
Gustavo Seraphim: Você tem extensa experiência profissional em grandes empresas, tendo coordenado áreas de marketing institucional, planejamento estratégico, novos negócios e projetos especiais, acumulando um conhecimento profundo do funcionamento interno das corporações. Nesse sentido, quais as estratégias para criar um relacionamento frutífero e de longo prazo com as empresas visando o apoio a projetos culturais?
João Leiva Filho: Existe uma grande ansiedade dos produtores nesse sentido, mas trata-se de um processo lento. Estamos avançando, mas a uma velocidade menor do que a que gostaríamos. Assim como a preocupação com temas ambientais, a conscientização da importância dos investimentos em cultura virá com o tempo, não em anos, mas talvez em décadas.
E isso não vale apenas para as empresas, mas para o poder público e para toda a sociedade. A prova disso são os orçamentos minguados do Ministério da Cultura e da esmagadora maioria das secretarias estaduais e municipais. Acredito ainda que a própria população não vê como prioritários os investimentos em cultura. Ou seja, não são apenas as empresas que não reconhecem a importância da cultura, mas o governo, a sociedade.
É importante levarmos em conta ainda que o patrocínio cultural, do ponto de vista das empresas, vai sempre concorrer com os investimentos em saúde, educação, meio ambiente, esporte, acessibilidade, etc. Ou seja, ainda que haja conscientização, a cultura não será o único tema na pauta das empresas. E certamente não haverá recursos para tanta demanda...
Diante dessa realidade, para termos um "relacionamento frutífero e de longo prazo", é fundamental ampliarmos os mecanismos de incentivo (ao contrário do que o governo e parte dos produtores pretende fazer) e mantermos um diálogo aberto e sistemático com as empresas, o que nunca ocorreu. Podemos contar nos dedos as reuniões dos governos federal, estadual e municipal com as empresas.
GS: Há uma tendência de se integrar investimentos culturais às estratégias de desenvolvimento sustentável, comunicação e marketing das empresas hoje em dia. Você entende que esse é um movimento benéfico para o mercado cultural como um todo?
JL: Eu acreditava que não, que isso poderia acabar desvirtuando o sentido da arte e da cultura, mas hoje penso de forma diferente. Da arte ao entretenimento, é fundamental que a cultura amplie sua presença na sociedade, no espaço urbano, em nossas vidas, em nosso tempo livre, que ela faça parte de nosso dia-a-dia.
Para que isso ocorra, temos de construir um processo que abra espaço para a diversidade, de investimentos que olhem para os vários níveis e camadas da sociedade. Da educação de base aos equipamentos culturais de ponta, das iniciativas experimentais às produções mais comerciais, a falta de recursos é generalizada.
Nesse sentido, há espaço para diferentes formas de atuação das empresas, para diferentes olhares. O que precisamos fazer ao longo do tempo é procurar qualificar os investimentos, o que também vale para o poder público.
GS: Você acredita que os profissionais de cultura, principalmente os produtores e gestores de negócios criativos, estão trabalhando de forma mais profissional e planejada atualmente? Como isso reflete na relação com as empresas investidoras em cultura?
JL: Sim, estamos avançando, ainda que lentamente. O crescimento do país e a estabilidade de algumas fontes de financiamento (leis de incentivo, editais, etc) contribuíram para o processo, permitindo a formalização de parte das atividades e um mínimo de planejamento por parte dos produtores.
A profissionalização hoje não é importante apenas para o relacionamento com as empresas, mas também com o poder público. O melhor exemplo disso são os Pontos de Cultura. Um dos grandes entraves do programa é a falta de capacidade de muitos proponentes de prestarem contas dos recursos que receberam.
Para as empresas, planejamento e controle dos resultados são fundamentais. Sem planejamento, a empresa não consegue se envolver com o projeto. Sem um bom relatório final, fica mais difícil a renovação do patrocínio. Isso vale também para projetos patrocinados pelo poder público.
GS: Nesse sentido, há diversas empresas como Petrobras, Oi, Votorantim e Comgás, que optam por lançar mão de editais públicos para receber e apoiar projetos culturais. Você acredita que essa é uma maneira mais democrática de seleção e incentivo a projetos? Porquê?
JL: Essa discussão é excelente e tem sido muito simplificada ultimamente. A resposta é não necessariamente. Os editais são mais uma alternativa de financiamento à cultura. Têm extrema importância, mas não são nem melhores nem piores que outros mecanismos. Assim como as leis de incentivo e investimentos diretos em equipamentos, programas ou projetos, são mais eficientes para atender alguns objetivos e menos para outros. Sua eficácia, assim como seu suposto caráter "mais democrático", como acontece com todos os demais mecanismos, vão depender de sua gestão. Não são uma característica que podemos estabelecer a priori.
Pessoalmente, acho que os editais são mais eficazes quando conseguem ser direcionados para um objetivo mais claro, direto, que reúna projetos e produtores de perfil mais próximo e que não necessitem de um investimento continuado. Um bom exemplo são os editais de baixo orçamento e para estreantes do Minc, a Lei de Fomento ao Teatro (Prefeitura de São Paulo) e o lamentavelmente extinto Prêmio Estímulo (Estado de São Paulo). Também podem ser bem eficientes os editais para produções de espetáculos teatrais e produções cinematográficas.
Por outro lado, são pouco ou nada eficazes para a manutenção de equipamentos mais caros, para o desenvolvimento de projetos estruturantes ou para atividades continuadas (o edital pressupõe um rodízio nos vencedores, pois se é para os mesmos ganharem sempre, não haveria necessidade do edital). Não à toa, quase todas as empresas que trabalham com editais também fazem aportes em projetos que não participam da seleção. O melhor exemplo é a Petrobrás. Fora de seu edital estão alguns dos principais grupos de artes cênicas e festivais audiovisuais do país. Ou seja, as duas linhas de ação são igualmente importantes.
GS: Apesar disso, ainda é comum a busca de produtores e artistas pela figura do captador de recursos para se conseguir o apoio ou patrocínio a um projeto. Você entende que contratar um captador é um bom negócio ou é ainda mais interessante que o próprio criador do projeto se qualifique, crie sua própria estratégia e faça ele mesmo a venda do seu projeto?
JL: Não há uma resposta única para a pergunta. Existem muitas variáveis que precisam ser levadas em conta. A primeira coisa é identificar com clareza quais as fontes mais adequadas de financiamento em função do perfil do projeto (editais públicos ou privados, leis de incentivo, parcerias, apoios, etc). A partir daí pode se optar por ter um captador exclusivo, vários, nenhum ou ainda trabalhar de forma combinada, com uma equipe própria, mas com suporte externo.
O grande gargalo para se trabalhar de forma independente ainda é o custo. O trabalho de captação não é simples. Exige estratégia, capacidade de avaliar o mercado, identificar as possíveis fontes de recurso, preparar material de venda e tempo. Se não houver dedicação, a probabilidade de sucesso cai bastante. Muitos produtores desistem depois de umas poucas tentativas, dando por encerrado um trabalho que naquele ponto deveria estar apenas começando.
O produtor deve recorrer à ajuda externa sempre que sentir que sua estrutura não dá conta de atender todas as possibilidades de captação existentes.
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