Retirado do Cultura e Mercado em 22/05/12 do endereço:
Por Kluk Neto
O projeto de Lei que cria o Procultura em substituição a Lei Rouanet foi forjado no trabalho de muita discussão e propõe alterações que traduzem esforços importantes para atender demandas que a atual Lei Federal de Incentivo à Cultura não contempla.
Para combater a concentração regional de recursos propõe a aplicação de uma proporção mínima de 10% de aplicação de recursos do Fundo Nacional de Cultura em cada região brasileira e direciona também a aplicação dos recursos segundo a proporção populacional dos estados.
Para direcionar recursos para regiões pouco atendidas atualmente, cria os “Territórios Certificados” áreas prioritárias, com incentivo adicional para implantação e manutenção de equipamentos culturais e suas programações, cujos projetos terão benefício de 100% de abatimento do IR, com possiblidade adicional desses recursos serem lançados como despesa operacional no balanço das empresas caso o equipamento cultural seja novo ou tenha menos de 10 anos de existência. Isso equivale a criar para esses projetos, nos territórios certificados, uma categoria de incentivo dentro da Lei Federal extremamente atraente, só comparável ao incentivo máximo que é dado generosamente hoje às produções de Cinema.
O projeto propõe inovações que certamente poderão ampliar o mercado de patrocínio. Ao aumentar o limite de renúncia fiscal de 4% para 8% para empresas com faturamento inferior à R$ 300 milhões, potencializa a capacidade de financiamento a projetos via IR das empresas médias o que pode também, gerar reflexos positivos no financiamento de projetos de pequeno porte, que estarão ao alcance dos recursos incrementais dessas empresas.
O projeto de lei abre a possibilidade de ampliar-se também o montante possível de ser aplicado por pessoa física em projetos incentivados, já que o limite de abatimento do imposto que antes era de 6% para esse tipo de apoiador passa agora a ser de 8%.
Para aumentar os recursos do Fundo Nacional de Cultura, traz algumas inovações engenhosas, permitindo que o limite de abatimento do imposto devido das empresas passe de 4% do valor do IR devido à 6%, sendo que o primeiro 1% adicional deve ser aplicado no Fundo Nacional da Cultura e o segundo 1% adicional pode ser alcançado e mantido caso a empresa utilize 5% e continue aplicando desse último 1% extra, 20% no FNC no 1º ano, 30% no 2º ano, 40% no 3º ano e 50% no 4º ano após a publicação da Lei. Na prática, isso significa que o governo quer estimular as empresas que já usam o incentivo no seu limite a buscar aplicar mais recursos em projetos culturais desde que também direcionem recursos para o FNC em proporções crescentes após a publicação da nova lei. Após o 4º ano de publicação da lei, esse mecanismo irá permitir que as empresas que hoje usam 4% do imposto no incentivo fiscal consigam chegar à usar 4,5% para o patrocínio de projetos desde que direcionem 1,5% para o FNC.
Esse mecanismo é no mínimo curioso já que cria uma via para fazer com que o que antes era o fluxo de recursos do mecanismo do Mecenato da Lei Rouanet, passe a abastecer o Fundo Nacional da Cultura para ampliar o seu orçamento. Parece-nos uma maneira bastante criativa de superar uma barreira interna que o Ministério da cultura certamente encontra para ampliar os recursos do orçamento via negociação com a Fazenda Federal.
Há no texto da proposta, todavia, algumas aparentes contradições no que tange à definição de competências e atribuições. Uma delas delega à CNIC o poder de avaliar e determinar que um projeto com suposta “capacidade comercial” seja negado para enquadramento no mecanismo de Incentivo Fiscal (antigo Mecenato da Lei Roaunet que foi renomeado) e seja direcionado para o mecanismo dos Ficart que é próprio para projetos com finalidade lucrativa. Assim, a CNIC se imbuiria da função de “consultora de negócios culturais” avaliando aqueles que prescindem do apoio do mecanismo de incentivo por serem robustos o suficiente para encarar o mercado sem o colchão que o patrocínio possibilita para reduzir os riscos da produção. Será que esse é o papel da CNIC? A mesma teria competência técnica para fazer tal tipo de avaliação?
Outra contradição observada é o fato de se permitir que o FNC aplique recursos em projetos com fins de lucro participando de cotas com possiblidade de auferir ganhos assemelhados aos ganhos de capital empregado em tais projetos. Isso parece estar na contramão da ideia de que o FNC teria a função de atender prioritariamente aos projetos que, por não terem o devido apelo comercial requerido pelo mercado de patrocínio das empresas, não conseguem recursos via mecanismo da renúncia fiscal e, portanto, precisam do Fundo. O mecanismo para financiamento de empreendimentos culturais com fins de lucro é o Ficart e não o FNC. Aqui parece que o texto da lei permite uma inversão de papeis.
O projeto tem o mérito de preservar o limite máximo de 100% de dedução fiscal para projetos de produtores independentes e esmera-se em bem definir o que é considerado produção independente.
Para os demais, cria uma série de requisitos que devem ser atendidos para que sejam definidos níveis de dedução nos patamares de 30%, 50% e 100% de dedução fiscal aos seus patrocinadores.
Para que um projeto consiga manter sua classificação no patamar de 100% de dedução fiscal para o seu patrocinador, deve atender pelo menos 12 (doze) dos 19 (dezenove) critérios elencados na Lei. Treze desses critérios estão definidos na lei (ver abaixo) e outros 5 (cinco) serão diretrizes a serem definidas pelo Conselho Nacional de Política Cultural.
Abaixo os critérios que estão dispostos no projeto de lei:
1. gratuidade do produto ou serviço cultural resultante do projeto;
2. ações proativas de acessibilidade;
3. ações proativas de inclusão sociocultural e produtiva;
4. ações educativas e de formação de público;
5. formação de gestores culturais ou capacitação profissional e empreendedora na área artística e cultural;
6. desenvolvimento de pesquisa e reflexão no campo da cultura e das artes e da economia criativa no Brasil;
7. projetos artísticos com itinerância em mais de uma região do país;
8. difusão da cultura brasileira no exterior, incluída a exportação de bens e serviços, bem como geração de possibilidades de intercâmbio cultural no Brasil e no exterior;
9. impacto do projeto em processos educacionais, com desenvolvimento de atividades, conteúdos e práticas culturais dentro e fora da escola, para professores e estudantes das redes públicas e privadas;
10. licenciamento não exclusivo e pelo tempo de proteção da obra, que disponibilize gratuitamente o conteúdo do produto ou serviço cultural resultante do projeto, para uso não comercial, com fins educacionais e culturais;
11. pesquisa e desenvolvimento de novas linguagens artísticas no Brasil;
12. incentivo à formação e à manutenção de redes, coletivos, companhias artísticas e grupos socioculturais;
13. ações artístico-culturais gratuitas na internet.
Caso o projeto só atenda até 8 (oito) dos 19 (dezenove) critérios, o limite de abatimento fiscal ao seu patrocinador será de 30% do valor aplicado no projeto. Caso o projeto atenda entre 9 (nove) e 11 (onze) dos critérios, o limite de abatimento será de 50%.
Posto que os critérios estabelecidos não são de trivial cumprimento para toda a classe de projetos e produtores, é extremamente importante defender a manutenção incondicional das cláusulas do projeto de lei que protegem os produtores independentes, mantendo o enquadramento dos seus projetos no limite de 100% de abatimento.
Para calcular o efeito que esse mecanismo potencialmente teria na diminuição do volume de recursos para a produção cultural, seria necessário avaliar qual o percentual dos atuais proponentes e o volume que eles propõem e captam atualmente e que não seriam mais enquadrados como projetos de produtores independentes.
Caso as cláusulas de proteção ao limite de 100% de abatimento para os independentes seja retirada do texto, o prognóstico quanto à redução significativa de recursos para mecanismo de incentivo fiscal poderá ser considerado extremamente desanimador, sendo certa uma grande redução no fluxo de recursos para esta modalidade.
Depois de muitos embates ideológicos que permearam a discussão do projeto de lei que nasceu para reformar e melhorar o maior e mais bem sucedido mecanismo de financiamento à cultura criado pelo governo federal nas últimas décadas, pode-se dizer que o Procultura, teve ao longo do processo de sua conformação diversas arestas aparadas. Embora ainda com algum espaço para melhoria, chega hoje ao Congresso, em um formato que expressa um real aprimoramento da legislação federal de incentivo à cultura com importantes avanços para o setor cultural e o financiamento à sua produção.
Kluk Neto - Economista, é gestor do Programa Fábricas de Cultura pela Poiesis – Organização Social de Cultura e membro do Conselho do Instituto Pensarte. Para mais artigos deste autor clique aqui
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