Retirado de O Globo em 16/05/12 do endereço:
RIO - Há algumas décadas, uma esquina cravou a cena musical mineira no mapa - e do Clube da Esquina saíram artistas como Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, Fernando Brant e Ronaldo Bastos. Hoje - passadas as gerações do metal de Sepultura, do pop de Pato Fu, Skank e Jota
Quest e da MPB de Flávio Henrique, Chico Amaral e Vander Lee -, outras esquinas se revelam nas Gerais. De forma discreta, por trás das montanhas, artistas, produtores e empresários de casas de shows vêm construindo uma geração rica e consistente. Um panorama dessa geração se mostrou nos palcos do Conexão Vivo, evento que entre 20 de abril e o último domingo levou a Belo Horizonte o que de mais relevante acontece na nova música brasileira e, sobretudo, local.
Mais que uma reunião de músicos talentosos dentro das mais variadas vertentes, a cena contemporânea mineira chama a atenção pela forma como vem se estruturando. Artistas se organizam em coletivos como OutroRock, Bambata, Sim, Pegada, Comum e Babel, unidos muitas vezes (mas nem sempre) por afinidades de gêneros (rock, hip-hop, música eletrônica). E é em torno dessas organizações, menos ou mais formais, que toda essa geração se fortalece e conquista espaço.
- Os coletivos têm sido fundamentais para o que se vê hoje na música de Minas - diz Kuru Lima, idealizador e gestor do Conexão Vivo. - Por meio deles, os artistas conseguem pressionar em bloco as secretarias de Cultura estadual e municipal para cobrar do Estado o fomento à música. E, dentro do coletivo, há uma complementaridade. A relação entre produtores e bandas que participam de um mesmo coletivo é bem mais rica de possibilidades. Se ele tem um estúdio de ensaio, pode abrir para os artistas ensaiarem lá. Da mesma forma, uma banda chama outra do coletivo para abrir seu show. Um fortalecendo o outro.
A solução tem dado resultados - representados no trabalho de artistas que passam por MPB (Pedro Morais, Vitor Santana, Lucas Avelar), samba (Capim Seco, Dudu Nicácio, Aline Calixto), instrumental (que vai do erudito do Misturada Orquestra à gafieira do Senta a Pua!, passando pelo samba e choro de Warley Henrique e Thiago Delegado), rock (Porcas Borboletas, Hell's Kitchen Project, Graveola e o Lixo Polifônico, Transmissor) e rap (Flávio Renegado, Julgamento), e também na multiplicação de casas de show (cerca de 20) e festivais que atendem a essa geração. Mais que uma unidade estética "mineira" - que remeteria à herança do Clube da Esquina -, eles têm como característica identitária uma abertura ao diálogo.
- Minha banda faz rock com uma sonoridade específica, sem guitarra, mas sou brother do pessoal do hip-hop, do Capim Seco (de samba)... - conta Jon, vocalista do Hell's Kitchen.
A Misturada Orquestra (que reúne jovens instrumentistas, compositores e arranjadores formados na UFMG) e a Orquestra Cabaré (uma espécie de Orquestra Imperial integrada por artistas do rap, do samba, do soul-funk, da cena instrumental e da MPB), além do próprio Conexão Vivo, com seu perfil plural, são apenas alguns dos muitos exemplos desse diálogo. Assim como a jam que o violonista Thiago Delegado comanda semanalmente, que reúne músicos de todos os segmentos.
- Antes tinha roda de choro, de jazz, de bossa nova... - lembra Thiago. - Por esse caráter meio promíscuo, nossa roda se tornou uma referência, reunindo os novos e os antigos, que acabam nos avalizando.
O fato de um grupo de samba, o Capim Seco, ter sido o vencedor do festival Grito Rock 2010 (organizado pelo coletivo Fora do Eixo) em Belo Horizonte é significativo. Michelle Andreazzi, vocalista do grupo (que faz uma leitura do gênero que passa pela sofisticação da MPB da década de 1970), diz ter dificuldade em traçar uma identidade do samba mineiro:
- O que sei sobre a nossa música é que não somos sambistas. Não que isso seja bom ou ruim, apenas é assim. Tocamos com Noca da Portela, ele é sambista, isso está em seu corpo. Eu ouço Chet Baker, Elomar, Elis - diz a cantora, que sonha em ter em seu disco a participação do mineiro João Bosco.
A vocação para o diálogo se reflete também na articulação política dos artistas. Há uma consciência generalizada de que é necessário intervir junto ao poder público e conhecer suas regras - leis de incentivo, editais.
- Aqui, os artistas e produtores têm que buscar essa relação direta com o Estado para viabilizar seu projetos - explica Janaína Macruz, produtora ligada ao OutroRock. - Não é como em São Paulo, por exemplo, que a relação com o poder público se dá indiretamente, via instituições como o Sesc.
Mesmo a ocupação do espaço público de Belo Horizonte é uma questão que interessa a essa geração, como mostra o movimento Praia da Estação. Em reação contra o uso que a prefeitura faz de uma praça da cidade - restringindo eventos culturais ali ao mesmo tempo em que "aluga" o espaço para produções que possam pagar por isso -, jovens se reuniram na praça vestidos como banhistas, com cadeiras de praia e carros-pipa.
- Foi uma resposta da sociedade civil para uma gestão que não valoriza o espaço público - afirma José Luis, ou Zelu, da Graveola e O Lixo Polifônico, banda que participou diretamente do movimento e que, com seu experimentalismo que bebe do pagode kitsch ao samba, é um dos expoentes do novo rock mineiro, ao lado do Porcas Borboletas.
Pedro Morais, um dos artistas de sua geração que têm conseguido uma projeção maior fora dos limites de Minas, é preciso na sua avaliação da relação que essa geração tem com a herança do Clube da Esquina.
- Há um sotaque mineiro, um interesse grande na harmonia, em acordes mais rebuscados. Mas não estamos sob a sombra dessa influência. Essa é uma geração que não depende do aval de Milton Nascimento, que amo, com quem já trabalhei e que é meu amigo.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/a-cena-musical-contemporanea-de-minas-chama-atencao-pelo-talento-pela-forma-como-se-estrutura-2763503#ixzz1v2O3jvHV
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