quarta-feira, 13 de junho de 2012

Garota Sequencial: HQ de super-heróis é coisa de menina

Retirado da Revista OGrito em 13/06/12 do endereço:

http://www.revistaogrito.com/page/blog/2012/06/12/garota-sequencial-hq-de-super-herois-e-coisa-de-menina/?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+revistaogrito+%28Revista+O+Grito%21%29

batwoman

Dê uma his­tó­ria em qua­dri­nhos de super-herói de pre­sente para uma menina

Depois das heroí­nas semi-nuas de segundo esca­lão, per­so­na­gens femi­ni­nas ganham des­ta­que e tornam-se peças-chave nas histórias

Por Dandara Palankoff - Colunista da Revista O Grito!

Sim, eu sei. Quadrinhos de super-herói , em prin­cí­pio, são “coisa de menino”. Gibis desse gênero, em sua mai­o­ria – e ainda mais nos mal­fa­da­dos anos 1990, Deus tenha pie­dade – não ape­nas são vol­ta­dos para o público mas­cu­lino, como o fazem reche­a­dos dos este­reó­ti­pos machis­tas, repre­sen­ta­ções hiper­bó­li­cas do ances­tral papel mas­cu­lino de caça­dor, pro­te­tor e repro­du­tor. Nesse con­texto, a moci­nha passa a ser sim­ples­mente mais um objeto de reforço do intuito de per­fei­ção do mesmo. Ainda que ela pegue em armas, tenha pode­res mutan­tes ou seja a prima kryptoniana.

Mas eu disse EM SUA MAIORIA. Afinal, o mundo gira.

Sim, a con­cep­ção do herói é ligada ao mas­cu­lino desde sem­pre, por conta do reforço dos papéis soci­ais sexis­tas e patri­ar­cais. É por isso que meni­nos ganham espa­das e as meni­nas, as pre­su­mi­da­mente doces, mater­nais e frá­geis meni­nas, ganham bone­cas. E enquanto os meni­nos dos anos 1960 liam Batman, as meni­nas liam foto-novelas – por­que a Mulher-Maravilha não era exem­plo pra nin­guém, não é mesmo, senhor Fredric Wertham?

Sob este prisma, his­tó­rias de super-heróis serem o gênero qua­dri­nís­tico no qual isso mais se desen­vol­veu é sim­ples­mente por­que elas são o mains­tream dos qua­dri­nhos. Que é machista em qual­quer expres­são. Mas a essên­cia do gênero desuper-heróis, do super­po­der, não é ligado intrin­se­ca­mente ao mas­cu­lino, mas à supe­ra­ção das limi­ta­ções comuns à huma­nos de ambos os gêne­ros. Heróis com pode­res sobre-humanos, seja qual for a razão, exis­tem desde que resol­ve­mos con­tar histórias.

Então, acho que cabe aqui pen­sar­mos um pouco sobre o por que desse gênero de fan­ta­sia, em espe­cí­fico, ter se desen­vol­vido tanto na indús­tria qua­dri­nís­tica; e acre­dito que essa razão seja jus­ta­mente a mesma pela qual tan­tos artis­tas tem se dei­xado sedu­zir pela nona arte: o papel com­porta a lou­cura que você qui­ser. Hoje, pode até pare­cer banal botar na tela um Lanterna Verde, mas não havia a menor pos­si­bi­li­dade de dar vazão a lou­cu­ras como essa, visu­al­mente falando, que não fosse nas pági­nas de um gibi.

Para que as his­tó­rias de super-heróis con­ti­nuem sua evo­lu­ção rumo ao fim do sexismo, é pre­ciso que mais mulhe­res con­ti­nuem a se apai­xo­nar por esse uni­verso cheio de possibilidades

E por ser a arte, como já dis­se­mos, um reflexo social, eis que as con­quis­tas femi­nis­tas e o iní­cio (sim, ainda esta­mos no iní­cio) da refor­mu­la­ção do exer­cí­cio des­tes papéis soci­ais trouxe algu­mas mudan­ças de cos­tume, como a mulher se colo­cando como um ser social que apre­cia tais carac­te­rís­ti­cas heroi­cas, não ape­nas no outro, mas tam­bém gos­tando de se ver repre­sen­tada com elas, sem que isso neces­sa­ri­a­mente esteja ligado ou a uma sub­mis­são feti­chista ou à alu­sões pre­con­cei­tu­o­sas de lugar social ou mesmo de sexualidade.

A der­ru­bada dos pre­con­cei­tos den­tro des­tas his­tó­rias vem jus­ta­mente quando os papéis, res­pon­sá­veis pelo dire­ci­o­na­mento do que se deve con­su­mir, vão se mis­tu­rando, se tor­nando nebu­lo­sos e, por final, caindo por terra. É quando os artis­tas das gera­ções que viven­ciam essas mudan­ças criam não ape­nas pro­ta­go­nis­tas mas­cu­li­nos menos exclu­den­tes, quanto tam­bém repre­sen­ta­ções femi­ni­nas que dia­lo­guem com as aspi­ra­ções de suas lei­to­ras contemporâneas.

As pro­ta­go­nis­tas femi­ni­nas são cada vez mais pre­sen­tes – e se tivesse que arris­car, diria que foi mais uma das benes­ses da inva­são bri­tâ­nica na indús­tria ame­ri­cana, nos anos 1980. Mesmo que o cami­nho a per­cor­rer nessa ques­tão ainda seja longo, o espec­tro é muito mais amplo e hete­ro­gê­neo do que há algu­mas pou­cas déca­das, com suas super-heroínas semi-nuas de segundo esca­lão: Feiticeira Escarlate, Mulher-Aranha e Emma Frost há muito são peças-chave do uni­verso Marvel. Na DC, uma das per­so­na­gens mais comen­ta­das nos últi­mos tem­pos foi a Batwoman.

Emma Frost é um dos nomes mais impor­tan­tes dos X-Men hoje (Divulgação)

E para que as his­tó­rias de super-heróis con­ti­nuem sua evo­lu­ção rumo ao fim do sexismo, é pre­ciso que mais mulhe­res con­ti­nuem a se apai­xo­nar por esse uni­verso cheio de pos­si­bi­li­da­des, his­tó­rias mira­bo­lan­tes, rea­li­da­des alter­na­ti­vas e que ainda é uma das prin­ci­pais por­tas de entra­das para o Fantástico Mundo dos Quadrinhos.

Mais lei­to­ras sig­ni­fi­cam his­tó­rias menos machis­tas. E é pre­ciso sair do lugar comum do “coisa de menino”; afi­nal, as repre­sen­ta­ções não são neces­sa­ri­a­mente dou­tri­ná­rias; podem ser ques­ti­o­na­das, como o fiz quando cres­cida. Mas se não tivesse tido a sorte de entrar em con­tato com esse mundo ainda na infân­cia, não teria tido a opor­tu­ni­dade de me apai­xo­nar pelo que ele é e pelo que pode ser.

E uso a pala­vra “sorte” por­que meu gosto por gibis veio de casa, fruto de uma cri­a­ção isenta do reforço des­ses papéis soci­ais res­tri­ti­vos; minha pri­meira “revis­ti­nha” do Homem-Aranha (tinha o Kraven na capa, lem­bro vaga­mente) me foi dada por meu padrasto, hábito que se somou ao de minha mãe, que já me com­prava gibis da Turma da Mônica e da Luluzinha.

Alias teve uma série bas­tante elo­gi­ada pela crí­tica (Divulgação)

A repre­sen­ta­ti­vi­dade aumen­tará junto com o cres­ci­mento da base de lei­to­ras. Que pre­ci­sam ter con­tato com o meio. Não quer dizer que toda menina que pegar um gibi da Liga da Justiça vai se afei­çoar pelo gênero. Mas é pre­ciso que elas não mais sejam pri­va­das das pos­si­bi­li­da­des desse incrí­vel uni­verso de fan­ta­sia sim­ples­mente por­que ele é “coisa de menino”. E então ele, defi­ni­ti­va­mente, dei­xará de ser.

_

* Dandara Palankof é a iden­ti­dade secreta da Garota Sequencial. Diz que sua rela­ção com qua­dri­nhos é des­tino, já que apren­deu a ler com um gibi do Cebolinha. Nerd orgu­lhosa, mar­vete e edi­tora do gibi Estranhos no Paraíso, publi­cado no Brasil pela HQM Editora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente