Retirado do Cultura e Mercado em 26/07/12 do endereço:
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Por André Leão
O Projeto de Lei nº 6722/10, que institui o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura – Procultura, estabelece diversos avanços em relação à atual legislação brasileira de fomento à cultura, tanto para o acesso aos recursos do Fundo Nacional de Cultura – FNC, quanto para o acesso ao incentivo fiscal. Com a finalidade de mobilizar e aplicar recursos para apoiar projetos culturais em todo o país e no exterior, referida lei, até hoje não votada pelo Congresso, visa ampliar os recursos da área, assim como diversificar os mecanismos de financiamento e os investidores.
Elaborado para substituir a Lei Rouanet, o Procultura tenta tornar o arcabouço legal da cultura mais abrangente e dinâmico ao prever novas fontes de recursos para a Cultura, como os provenientes da Loteria Federal, por exemplo.
O projeto renova e aperfeiçoa o Fundo Nacional de Cultura, que a partir de sua aprovação será dividido em nove Fundos Setoriais: das Artes Visuais; das Artes Cênicas; da Música; do Acesso e Diversidade; do Patrimônio e Memória; do Livro, Leitura, Literatura e Humanidades; de Ações Transversais e Equalização; do Audiovisual; e de Incentivo à Inovação do Audiovisual.
O texto do projeto de lei também tenta estabelecer critérios um pouco mais objetivos e transparentes para avaliar a dimensão simbólica, econômica e social para o uso do recurso público por projetos que buscam incentivos. Tenta também criar critérios na relação entre Estado e sociedade civil para uma melhor destinação dos recursos. Estabelece que no mínimo trinta por cento dos recursos do FNC serão repassados a fundos públicos estaduais e municipais. Um grande avanço na diversificação e regionalização da produção cultural.
Caso aprovado, o Procultura fará do Fundo Nacional de Cultura o principal mecanismo de financiamento do setor, garantindo que os recursos públicos cheguem diretamente aos proponentes. Tudo isso ampliando a participação da sociedade, por meio da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC). E derivarão da CNIC outras comissões setoriais que abrangerão os nove fundos existentes e terão elas uma composição paritária do governo e da sociedade civil.
Outro avanço do Projeto de Lei é que tanto pessoas físicas como jurídicas, com ou sem fins lucrativos, terão o direito de apresentar projetos. Ou seja, não se exigirá mais que a instituição tenha de ter na descrição de suas atividades a natureza cultural. O que será necessário será apenas a natureza cultural da iniciativa proposta.
Para muitos produtores culturais, o estabelecimento do prazo de 30 dias (prorrogáveis por igual período) para que o Ministério da Cultura conclua a avaliação de cada projeto cultural é o maior dos avanços, pois atualmente a espera por meses e meses não é incomum.
As ressalvas em relação aos avanços do Procultura começam a aparecer em relação à tentativa de diminuir a burocracia para aprovação dos projetos e para a prestação de contas. É bem certo que ambos os processos parecem que serão menos burocratizados, mas é preocupante que além dos atuais convênios sejam concedidas bolsas e prêmios. E que a prestação de contas tenha foco nos resultados do projeto e não em seus aspectos contábeis. São boas iniciativas, mas são preocupantes em relação à idoneidade, probidade, lisura, transparência, etc.
Uma nebulosa também paira em relação aos FICARTs, fundos financeiros de aplicação na bolsa de valores. O Procultura, pelo atual texto do projeto de lei, estabelece que os FICARTs possam eleger diretamente quais projetos querem apoiar. Tudo sem necessidade de editais, nem comissões, nem eleições, nem seleções etc. E não param por ai os privilégios dos FICARTs. Eles oferecem 100% de incentivo fiscal para quem aplicar em fundos na bolsa de valores. Portanto, distorções como o patrocínio com incentivo público a eventos como o Rock in Rio e outras grandes produções continuarão existindo. E em todos esses casos não precisarão retornar nenhum centavo ao FNC ou aos setores mais fragilizados. Não é demais recordar que esses tipos de projetos costumam ter alto retorno comercial e que são por si só autofinanciáveis. Sem contar que com a possibilidade de “seleção direta” os projetos “dos amigos” sejam financiados sem o menor constrangimento. A contradição fica ainda mais perceptível quando recordamos que não há, por exemplo, 100% de incentivo para se produzir um livro ou uma peça de teatro.
Lamentavelmente o Procultura não avança na direção de mitigar um dos maiores celeumas da atividade cultural no país: a excessiva concentração de recursos públicos incentivando projetos do eixo Rio – São Paulo. Quase sempre para o mesmo pequeno grupo de produtoras e produtores. Tomando como exemplo o setor audiovisual nos anos de 2010 e 2011, mais de 90% dos recursos captados por leis de incentivo foram para produtoras do Rio de Janeiro e de São Paulo.
O Procultura também não avança a não enfrentar a maior disfunção da atual lei, que permite que as empresas decidam a seu bel prazer quais manifestações culturais merecem ser patrocinadas. Fazendo uso de um dinheiro público, essas empresas fazem, com toda a liberdade que lhes dá a lei, sua escolha (quase sempre comercial), por eventos que certamente trarão maior visibilidade para suas próprias marcas. Ou seja, no meu entender: o governo continuará a abrir mão de sua prerrogativa e de seu dever de decidir para onde irá o financiamento público cultural, para que as empresas privadas decidam por ele, baseadas em suas metas publicitárias.
Para dar um exemplo concreto, recorro ao setor que melhor conheço: o audiovisual. As leis de incentivo, que deveriam, prioritariamente, fomentar a produção independente, acabam beneficiando as empresas que já dominam o mercado. Tanto na Lei Rouanet, quanto na Lei do Audiovisual e na MP 2.228-1 essa distorção acontece. Na Lei Rouanet e em dois artigos da Lei do Audiovisual, as empresas privadas utilizam dinheiro público para promover suas marcas. Ou seja, escolhem os filmes a financiar segundo a possibilidade de retorno publicitário para suas marcas, aspecto regido quase sempre pela possibilidade de sucesso comercial tendo em vista a ligação (indireta e às vezes oculta) com os grandes grupos midiáticos que oferecerão divulgação em seus meios.
Outro tipo de distorção criada pelas próprias leis de fomento ao audiovisual vem de dois outros artigos da Lei do Audiovisual e também da MP no 2.228-1. No primeiro caso a lei permite a dedução de 70% do imposto devido à Receita Federal, oriundo das remessas ao exterior dos lucros obtidos no Brasil por essas empresas estrangeiras, caso se invista em co-produções com produtoras independentes brasileiras. No segundo caso, a MP permite o não pagamento da contribuição Condecine para aquelas empresas que investirem, em co-produção com produtora brasileira, os 3% dos lucros que seriam enviados ao exterior em virtude da bilheteria feita no Brasil com filmes estrangeiros. O problema é que, em ambos os casos, como essas empresas distribuidoras têm a preferência na utilização desses recursos públicos, são elas, as empresas estrangeiras, que fazem a gestão dessas políticas públicas de fomento ao audiovisual. E como são elas as donas do cofre do dinheiro público, estabelecem contratos inviáveis para os produtores independentes.
Essas duas leis e a MP também criam distorções que favorecem enormemente as tevês abertas, detentoras de concessões públicas, o que já é um enorme privilégio, fortalecendo ainda mais uma concentração de mercado.
*Com a colaboração de Jaime Lerner, presidente da Associação Brasileira de Documentaristas e Curtametragistas (ABD-Nacional)
André Leão
Vice-presidente da Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo (ABCV) e Diretor de Pesquisa e Projetos da Associação Brasileira de Documentaristas e Curtametragistas (ABD-Nacional). Para mais artigos deste autor clique aqui
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