Por Mônica Herculano
Se vivemos num momento em que as leis de incentivo à cultura são questionadas e até negadas por muitos artistas e produtores, por ditarem os caminhos da produção nacional desde a década de 1990, também é hora em que as discussões sobre as possibilidades de aprimorá-las estão cada vez mais quentes.
É fato que desde a criação da Lei Rouanet o mercado cultural brasileiro mudou. Agora, com o Projeto de Lei que institui alterações no principal mecanismo de incentivo à área no país tramitando na Câmara dos Deputados, com o apoio da ministra Marta Suplicy – o projeto está entre suas prioridades deste ano -, Cultura e Mercado e Cemec voltam a promover debate sobre o assunto. O II Seminário #Procultura acontece no dia 17 de agosto, em São Paulo, e vai contar com a presença da ministra na conferência de abertura, além do deputado federal Pedro Eugênio (PT-PE), relator do substitutivo ao Projeto de Lei 1.138/07, que institui o Procultura; do secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, Henilton Menezes; e de representantes de empresas e de associações da área cultural.
Como aquecimento para o debate presencial, damos início a mais uma série de matérias sobre o projeto, nas quais pedimos a opinião de especialistas e profissionais da área e também levantamos as questões para você leitor – esperamos sua participação nos comentários aqui e nas nossas redes. Para começar, perguntamos: é possível tornar as leis de incentivo à cultura no Brasil mais acessíveis e democráticas?
“Sim, claro. Mas isso exige uma reflexão um pouco mais profunda”, afirma o músico e historiador Cacá Machado, que foi diretor do Centro de Música da Fundação Nacional de Artes (Funarte) entre 2008 e 2010. “Em primeiro lugar não acho correto pensarmos os mecanismos de incentivo à cultura de modo fragmentado, isto é uma lei aqui ou edital ali, etc. Gosto de pensar de modo mais sistêmico e orgânico, ou seja, o conjunto de ações de incentivo à cultura orientadas por uma política pública construída a partir da negociação entre os diferentes setores das linguagens artísticas (literatura, música, artes plástica, artes cênicas, etc.), universidades, institutos, fundações e as demandas e os interesses do mercado”, defende.
Ele acredita que o PL que institui o Procultura é a primeira tentativa de trazer esse olhar. “Ações culturais de interesse do mercado (com renúncia fiscal para empresas privadas) e dos que estão fora dele (com editais e programas específicos para os diversos setores culturais) aparecem identificadas pelo projeto como lugares específicos que podem e devem viver em simultaneidade e com pontos de intersecção.”
Dennis de Oliveira, do Centro de Estudos Latino Americanos em Cultura e Comunicação da Universidade de São Paulo (CELACC/USP), acha que o maior problema do Brasil é que a política cultural está quase que restrita a leis de incentivo e somente as grandes empresas contribuintes se interessam em patrocinar eventos culturais, quando boa parte de projetos culturais seriam viáveis com apoio local e de menor porte. “As leis de incentivo podem e devem existir, mas como mecanismos complementares e não centrais em uma política cultural. É necessário criar um movimento paulatino para que elas sejam realmente de ‘incentivo’ para que a iniciativa privada banque a cultura (hoje, na verdade, é uma ‘antecipação’ de pagamento de imposto), reduzindo os percentuais de renúncia fiscal. Também é preciso criar mecanismos de participação da pessoa física e incentivar poderes locais para abatimento de certos impostos em produções da região”, afirma o professor.
Para ele, a criação de um fundo com parte dos recursos obtidos com a lei de incentivo, permitindo que parte do dinheiro público obtido pela renúncia fiscal seja gerido por mecanismos públicos, é o ponto do projeto Procultura que demonstra avanço no que diz respeito à democratização. “Porém, é preciso aperfeiçoar os mecanismos de participação nos conselhos de cultura para que a gestão pública realmente aconteça”, alerta.
O deputado Pedro Eugênio afirma que uma distribuição de recursos maior e mais organizada fará com que a gerência dos recursos seja mais capilarizada. “Quando propomos que cada estado receba no mínimo 2% ou a sua participação da população em recursos, isso quer dizer que os estados vão gerir mais os recursos da cultura. Desses, 50% vão para os municípios. E esses municípios têm que ter um fundo de cultura apto a efetuar transferência direta fundo a fundo, um plano de cultura em vigor no prazo de até um ano após a publicação desta Lei e, por fim, um órgão colegiado oficialmente instituído para a gestão democrática e transparente dos recursos, em que a sociedade civil tenha representação no mínimo paritária, assegurada em sua composição a diversidade regional e cultural. Isso garante mais participação da sociedade civil no Procultura”, explica.
Minom Pinho, sócia-diretora da Casa Redonda Cultural e da Casa Redonda Patrocínio Sustentável, acredita que a ampliação dos incentivos fiscais nos âmbitos municipal e estadual – “ou seja, a busca por soluções locais” – é um excelente caminho. “Há hoje muitos polos de desenvolvimento no país. Aproveitar estes potenciais locais e estimular o incentivo à cultura nestes polos é um caminho que pode ser muito efetivo. Quando o incentivo vem de perto, criam-se redes mais próximas e a partir daí é possível articular esforços entre poder público local, empresários e proponentes/produtores na busca por soluções regionais de uso do incentivo.”
O que falta, segundo ela, é instrumentalizar os empreendedores locais para que estejam aptos a lidar com as complexidades do incentivo fiscal e para que os recursos sejam destinados apropriadamente e com vistas ao desenvolvimento cultural, econômico e social esperados. “Isso também é mais fácil resolver localmente do que pensando soluções exclusivamente de Brasília para 27 estados e mais de cinco mil municípios”, afirma Minom.
Para ela, a colaboração em redes e cadeias criativas/produtivas é um forte argumento na democratização e desconcentração do incentivo. “De um lado este movimento pode vir do governo e também de empresas que se mobilizam pela desconcentração, democratização e acesso, mas acredito que cada vez mais as soluções precisam emergir também das redes culturais e criativas locais. Quando compreendermos que colaborando em cadeias criativas/produtivas todos se empoderam, tudo fica mais potente, mais fácil e mais barato. Esta é a lógica da abundância. É um novo paradigma. Acredito que este é o imaginário que fará brotar coisas novas.”
Retirado do Cultura e Mercado em 05/07/13 do endereço:
http://www.culturaemercado.com.br/politica/procultura-caminhos-para-democratizar/
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