Por Bruno Bento[2]
A contemporaneidade contribui para a construção, consolidação e funcionamento de redes, fenômenos tão antigos quanto a própria humanidade. A internet é a principal plataforma/ferramenta para boa parte destas redes, principalmente nas tecidas a partir do setor cultural, funcionando para a criação, circulação e fruição (MOREIRA; JARDIM; ZIVIANI, 2011).
Segundo os estudiosos destes processos, as redes contribuem para a descentralização e maior horizontalidade dos processos de criação, gestão, circulação e fruição. Podem ser centralizadas, descentralizadas e distribuídas.
O trabalho colaborativo é outra característica destas redes, quanto mais colaboração, melhor a horizontalidade. Entretanto há limites, para o pesquisador José Oliveira Júnior (informação verbal), há de se diferenciar os processos colaborativos das redes, uma vez que elas são instáveis, avulsas e não exigem compromisso, ao contrário das ações e processos colaborativos. Ainda segundo o pesquisador, nos processos colaborativos usamos todos os princípios de rede, mas nos é exigido compromisso.
Há alguns exemplos, no setor cultural, de projetos, ações ou programas em rede, como o Programa Cultura Viva que criou a partir de 2005 uma grande rede com milhares de Pontos de Cultura em todas as regiões do Brasil, inclusive no Mucuri e no Jequitinhonha, entretanto ainda não tornou-se política pública. O próprio Plano Nacional de Cultura, criado pela Lei no 12.343, de 2 de dezembro de 2010 estabelece:
Art. 3º Compete ao poder público, nos termos desta Lei: [...] VII - articular as políticas públicas de cultura e promover a organização de redes e consórcios para a sua implantação, de forma integrada com as políticas públicas de educação, comunicação, ciência e tecnologia, direitos humanos, meio ambiente, turismo, planejamento urbano e cidades, desenvolvimento econômico e social, indústria e comércio, relações exteriores, dentre outras.
Como uma estratégia para sua implementação, PNC pretende:
Fortalecer a gestão das políticas públicas para a cultura, por meio da ampliação das capacidades de planejamento e execução de metas, a articulação das esferas dos poderes públicos, o estabelecimento de redes institucionais das três esferas de governo e a articulação com instituições e empresas do setor privado e organizações da sociedade civil.
As redes e consórcios, de acordo com Luana Vilutis, fazem parte da estratégia de planejamento e execução das políticas públicas de cultura “[...] não apenas contribuem para diversificar os mecanismos de financiamento à cultura, como são fundamentais para garantir o monitoramento e a avaliação de suas ações públicas” (VILUTIS, 2013, p.8).
O trabalho em rede e os processos colaborativos nos remetem à participação, na sua falta não há nem uma coisa nem outra, remetendo-nos agora à política e à democracia, já que nestes processos a adesão é livre. Para avançarmos é importante tratar ainda que rapidamente de participação, da democracia e de políticas públicas.
Novamente com contribuição do José Oliveria Júnior “a participação pode ocorrer de diversas formas, todavia só se realiza plenamente pelo compromisso e pela deliberação” (informação verbal).
Não devemos nos cansar de repetir que nossa democracia é recente e o faremos ainda por décadas. Mesmo com todas as suas limitações, que não são o mote desta rápida reflexão, a democracia brasileira nos trouxe, como povo, à cena política de forma institucional e soberana e limitada.
Constitucionalmente temos instrumentos para além do voto nas eleições, podemos exercer a democracia diretamente em alguns casos. A participação cidadã direta, por meio de instrumentos como o plebiscito, referendo e iniciativa popular de lei:
O plebiscito é uma consulta popular a todos os eleitores sobre alguns assuntos que antecede o processo de elaboração de uma lei.
O referendo também se trata de consulta popular a respeito de uma lei, porém, sobre uma lei já aprovada pelo Legislativo, a fim de rejeitá-la ou mantê-la.
A iniciativa popular de lei representa a possibilidade de o povo apresentar proposta de lei ao Legislativo. Necessita da assinatura de pelo menos 1% dos eleitores de, no mínimo, cinco Estados da Federação (ARAGÂO, 2013p. 7).
Há outros instrumentos de participação e controle social, tais como conselhos, fóruns, câmaras, colegiados e as conferências, que são as instâncias máximas desta dinâmica.
No caso específico da cultura, 2013 foi o ano das conferências. Aconteceram nas três instâncias entre junho e dezembro. E apesar de todas as críticas, muitas bastante acertadas, este modelo parece consolidar-se, temos de avançar na ampliação da participação popular e setorial, no controle e no monitoramento das diretrizes definidas nas conferências, para que não fiquemos “faz de conta”. Aí entram os conselhos, fóruns, etc, é neste momento que a sociedade civil tem de estar articulada, mobilizada.
Em Minas Gerais, por exemplo, há centenas de conselhos de patrimônio cultural, neste 2014, fomos o último Estado a aderir ao Sistema Nacional de Cultura, mas falta muito. Falta muito por parte do poder público, porém a sociedade civil precisa mobilizar-se, continuamente e mais.
Participando deste seminário (e) Tecendo a Rede Jequitinhonha Cultural temos de ouvir, trocar experiências, refletirmos e propormos os rumos, as ferramentas e os processos que desejamos para o desenvolvimento desta nossa terra e de nosso povo igualmente sofrido e prenhe de beleza e força. Já regamos com muito suor e sangue esta terra acre, rezamos para chegar a hora da florada.
Os debates do Seminário Tecendo a Rede Jequitinhonha Cultural podem ser conferidos no canal da Rede clicando aqui.
Referências:
ARAGÃO, Ana. Participação, Consulta e Controle Social. Coleção Política e Gestão Culturais. P55 Edições, Salvador, set 2013. Disponível em <http://conferenciadecultura.files.wordpress.com/2013/11/cartilhas_secult_set13_participac3a7c3a3oconsulta_e_controle_ana_aragc3a3o.pdf>. Acesso em 19 fev. 2014;
BRASIL. Lei 12.343, de 2 de dezembro de 2010. Institui o Plano Nacional de Cultura - PNC, cria o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais - SNIIC e dá outras providências. Diário Oficial [da] República do Brasil, Brasília, 03 de dez. 2007. Seção 1, p.1. Acesso em 19 fev. 2014;
BRASIL. Ministério da Cultura. As metas do Plano Nacional de Cultura. Brasília, DF: 2012.
MOREIRA, Fayga;JARDIM, Gustavo; ZIVIANI, Ziviani. Trabalho Colaborativo e em Rede com a Cultura. In: BARROS, José Márcio; JUNIOR José Oliveira (Orgs). Pensar e Agir com a Cultura: desafios da gestão cultural. Observatório da Diversidade Cultural. Belo Horizonte, 2011. Disponível em <http://observatoriodadiversidade.org.br/arquivos/pensar_agir.pdf>. Acesso em 19 fev. 2014;
VILUTIS, Luana. Redes e Consórcios. Coleção Política e Gestão Culturais. P55 Edições, Salvador, set 2013. Disponível em <http://conferenciadecultura.files.wordpress.com/2013/11/cartilhas_secult_set13_redes-e-consc3b3rcios_final.pdf >. Acesso em 19 fev. 2014;
[1] Texto elaborado para a participação no debate “Políticas de Rede e Cultura de Participação” no Seminário Tecendo a Rede Jequitinhonha Cultural realizado em Araçuaí entre 21 e 23 de fevereiro de 2014.
Esta mesa contou com a participação dos seguintes componentes:
Israel do Vale - Jornalista, com passagem nos principais veículos de mídia imprensa do Brasil, já participou de diversas redes de cultura e comunicação no país. Exerce um papel político de acompanhamento e provocação para a efetiva participação popular nos processos políticos. Atualmente, é gestor de comunicação no Programa Música Minas, programa de apoio à divulgação, circulação e exportação da música produzida em Minas Gerais;
José Oliveira Junior - Escritor, Comunicador, especialista em novas tecnologias em comunicação; diretor não remunerado de apoio ao trabalhador associado do SATED Minas; Supervisor de pesquisa do Observatório da Diversidade Cultural; Consultor UNESCO para a implantação do Sistema Nacional de Cultura em Minas Gerais; Coordenador de projetos da Gerência de Ações Culturais do Sesc Minas;
Pereira da Viola - O músico e articulador (desde sempre) teve sua figura vinculada à resistência cultural, evidenciando ritmos e tradições, que vão além do território mineiro. Um dos fundadores da Associação Nacional dos Violeiros do Brasil, do Encontro Nacional dos Violeiros; ativista de movimentos sociais como o MST; membro-fundador da Associação Quilombola Vaz Pereira;
Talles Lopes - Cientista Social, produtor e gestor cultural. Um dos gestores nacionais do Fora do Eixo, rede de cultura, comunicação e comportamento presente em todos os estados brasileiros e compartilha as experiências do movimento em processos colaborativos e impulsionados pela dinâmica de rede;
Titane - Faz parte da geração que renovou a MPB nos anos 80, em Minas Gerais. Além de cantora, também representa a Associação Campo das Vertentes que atua na pesquisa e experimentação no campo musical, além das interfaces com o corpo, as artes cênicas, a ecologia e a integração cultural da região.
[2] Cientista Social e especialista em Gestão Cultural convidado para participar como mediador no debate “Políticas de Rede e Cultura de Participação” em 22 de fevereiro de 2014.