sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Energia e Dinergia para empreender de forma sustentável

Retirado do Cultura e Mercado em 10/08/12 no endereço

http://www.culturaemercado.com.br/pontos-de-vista/energia-e-dinergia-para-empreender-de-forma-sustentavel/

Por Minom Pinho

Em 2009, eu e André Martinez decidimos convergir nossos conhecimentos, experiências e utopias para elaborar e disseminar juntos uma metodologia capaz de dar conta da complexidade dos empreendimentos culturais, criativos e sociais.

Desde então, tivemos a oportunidade enriquecedora de colaborar e mediar reflexões entre empreendedores e gestores de diferentes segmentos culturais e criativos: Pontos de Cultura do Estado de São Paulo, bandas de música independente em Belo Horizonte, projetos culturais em periferias de metrópoles brasileiras, realizadores e produtores culturais do interior do Estado de São Paulo e do pampa gaúcho, jovens empreendedores da “Manhatan” paulistana, ativistas da Rio+20 e tantos outros.

Percorremos dezenas de localidades somando interior, litoral e capitais. Somente no 5º Encontro de Capacitação da Rede de Pontos de Cultura, promovido pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, Ministério da Cultura e Comissão Paulista dos Pontos de Cultura, dialogamos com cerca de 600 empreendedores socioculturais nos nove encontros realizados no primeiro semestre de 2012.

Durante os encontros, conhecemos muita gente “de verdade” e iniciativas absolutamente inspiradoras. Assistimos a espetáculos musicais, cênicos e de cultura popular, resultado do trabalho cuidadoso de educadores e realizadores culturais.

Singularidade, afeto, diversidade, expressão, mitos e símbolos exalavam o Brasil que amamos mais. Há outros Brasis que amamos menos. Mas, estes, não estavam lá … Lá, só tinha congada, jongo, gente de todas as idades tocando juntas, jovens dançando brasilidades e contemporaneidades, figureiras de Taubaté esculpindo e pintando belezas azuis em punhados de terra, tropeiros cozinhando memórias de quintal, presentes encantados da Festa do Divino de Joanópolis, viola caipira, hip hop de Ribeirão, samba de Americana, poesia-repente do Sarau do Charles, costureiras cantoras vestidas de chita e crianças que acordam às 5 da matina felizes e viajam hora e meia para cantar epifanias em Bolhas de Sabão.

Lá vai o trem sem destino…

Lá vai a vida a rodar…

Correndo vai pela terra, vai pela serra, vai pelo mar…

Vai ensinar o quê para este povo? Singularidade? Diversidade? Dimensão simbólica? Inclusão social? Valor cultural? Arranjos criativos locais? Potenciais do território? Pois é. Aprendemos mais do que ensinamos.

É dispensável dizer que somos entusiastas dos Pontos de Cultura e daquelas outras iniciativas comunitárias que também atuam como pontos de difusão cultural, simbólica, mítica e afetiva pelo Brasil. Somos entusiastas da Economia Criativa e de todo e qualquer fluxo de pensamento-ação que aponte para a interdisciplinaridade e para o diálogo entre setores. Somos, antes de tudo devotos das soluções locais e acreditamos serem elas a luz e o caminho que nos conduzirão às almejadas, porém complexas, soluções globais.

Quando falamos sobre economia criativa e seus diálogos com iniciativas socioculturais locais há de se aprofundar o debate: quais os desafios que se apresentam aos empreendedores socioculturais e criativos? Neste momento, em que a Economia Criativa ganha destaque no panorama atual (econômico, cultural, social e ambiental) modificando pautas de desenvolvimento, torna-se necessário entendermos o que motiva o Brasil e outras nações pelo mundo a estabelecer políticas de investimento e de fomento a empreendimentos culturais e criativos nos seus territórios.

O conceito de Economia Criativa, embora recente, mantém intensa convergência com as questões de sustentabilidade local e global e está intimamente relacionado com as novas fronteiras tecnológicas: informação, inteligência, convivência e colaboração. Elas irrompem perspectivas jamais experienciadas: virtualidade, hipertextualidade, interatividade, potenciais de cocriação, intercâmbio de conhecimentos, difusão de conteúdos e novas formas de aprender. Diferente da economia tradicional, fortemente amparada na produção de bens de consumo (tangíveis) e dependente de recursos materiais para sustentar seus fluxos, a economia criativa baseia-se na produção e difusão de bens intangíveis e dependentes de insumos imateriais para a sua sustentação como criatividade, diversidade cultural, inovação, know-how, recursos intelectuais e ativação de potenciais locais.

Os conceitos de Economia Criativa e de Economia Verde nascem da necessidade da transição e mudança de paradigmas de atuação humana: da Era industrial para a Era do Conhecimento; da Sociedade de Consumo para a Sociedade da Informação; da economia de alto impacto ambiental para uma economia de baixo impacto ambiental, do pensamento individual e concentrador de patrimônios, ativos e renda para o pensamento coletivo e gerador de riquezas compartilhadas; da competição para a colaboração, da lógica da escassez para a lógica da abundância, do sucesso econômico do negócio individual para os fluxos e interações da cadeia produtiva e criativa no território, da atuação setorial para a intersetorialidade.

A questão colocada é simples: a produção e distribuição de bens de consumo degradam o meio ambiente, dependem de recursos materiais e finitos e, em geral, perdem valor com o tempo. Por outro lado, a criação, produção e circulação de bens intangíveis, culturais e criativos, dependem da criatividade humana, são recursos imateriais e infinitos e, portanto, não impactam o meio ambiente e, em geral, não perdem valor com o tempo.

A economia criativa traz inúmeros potenciais de transformação local e global, mas fazer isto acontecer de fato não é tarefa tão simples. Vários questionamentos e desafios configuram-se a partir do enunciado presente no Plano da Secretaria de Economia Criativa: a criatividade e a diversidade cultural brasileiras como recursos para um novo desenvolvimento.

Como conciliar na prática desenvolvimento econômico, preservação ambiental, diversidade cultural, inclusão social? Cultura é negócio? Como compor arranjos produtivos e criativos locais compreendendo potenciais do território e a formação de cadeias sustentáveis e justas? Como repensar a atuação empreendedora no território como geradora e potencializadora de ativos culturais e criativos, sem perder de vista as perspectivas social, simbólica, ambiental e política? Como conciliar perspectivas individuais e coletivas? Como garantir que contextos culturais, sociais, humanos, digitais e intangíveis contemplados pela economia criativa possam ajudar a resolver impasses atuais da economia tradicional focada apenas no consumo? As cadeias criativas e produtivas podem ser cadeias afetivas? Os modelos convencionais de empreendedorismo de negócios atendem plenamente às propostas transformadoras da economia criativa? É possível dar saltos criativos e inovadores compreendedo apenas o atendimento ao mercado?

São muitas perguntas e as respostas dependem das práticas que serão consolidadas por todos nós: governos, organizações sociais, empresas, sociedade civil, realizadores culturais, empreendedores criativos, públicos atendidos.

Acreditamos que tudo começa pelo modelo de empreendedorismo que adotaremos no percurso. Para concretizar os potenciais trazidos pelos princípios e conceitos da economia criativa é preciso criar novos modelos de empreendedorismo. O empreendedorismo social é um bom exemplo da necessidade de rever padrões de planejamento e gestão sob óticas mais sustentáveis e colaborativas. Quando falamos de inovação em empreendedorismo aplicado ao universo criativo e sociocultural, precisamos inserir novos elementos de análise e planejamento: linguagens artísticas aplicadas, ética, estética, redes culturais e criativas atuantes, espaço para rupturas e criação de novos conteúdos, diversidade cultural presente nos territórios e tantos outros. O empreendedorismo convencional utiliza lógicas exclusivamente econômicas e focadas em parâmetros de mercado. Esta abordagem é insuficiente para dar conta da complexidade da economia criativa e dos seus empreendimentos. Talvez, por este motivo, tenhamos avançado tão pouco no alcance dos índices de sustentabilidade global e local. Ecologicamente correto, socialmente justo e culturalmente aceito são elementos que ajudam a avaliar a sustentabilidade de um empreendimento humano , entretanto costumam ficar em segundo plano, enquanto o quesito “economicamente viável” ocupa quase todos os espaços na balança das escolhas que movem os empreendedores hoje.

Na prática, os modos tradicionais de análise e planejamento de empreendimentos utilizam abordagens binárias “ou/ou”. É um padrão de pensamento linear que focaliza uma única disciplina, a econômica. Esta prática se torna mais danosa, quando os empreendedores socioculturais e criativos estabelecem uma hierarquia entre a lógica do mercado e as demais lógicas aplicáveis: motivação sociocultural ou criativa, benefícios sociais gerados, promoção de diversidade cultural local, contribuição para processos de aprendizado coletivo, preservação ambiental dentre outras que podem e devem embasar a atuação empreendedora nos territórios. Sem dúvida, os empreendedores socioculturais e criativos estão diretamente envolvidos com processos que impactam a economia local. Entendemos que a gestão de projetos, programas e empreendimentos culturais e criativos envolve processos econômicos, mas incorporar perspectivas econômicas à atuação cultural e criativa não pode significar abandonar as finalidades artísticas, as transversalidades e os efeitos bio-psico-sociais produzidos. Tratar elementos intangíveis exclusivamente como objetos mercadológicos é uma espécie de esterilização que rouba a fertilidade criativa e desvirtua o sentido que move os empreendedores.

Para que a economia criativa alcance seus potenciais no Brasil e no mundo, precisamos repensar e ampliar os conceitos, métodos e práticas empreendedoras inspirando mudanças de paradigmas que nos permitam migrar do pensamento linear para o complexo. A proposta apresentada é a de incorporar dinergias que equilibrem e harmonizem as energias criadoras e produtivas desenhando caminhos para um novo empreendedorismo, mais sustentável e justo. Para tanto, sugerimos um novo conceito, o planejamento dinergético.

Dinergia é o processo de criação de padrões pela união dos opostos. Historicamente, o termo foi cunhado por György Doczi para exemplificar a distribuição energética presente nas harmonias naturais e estudadas pelos artistas, filósofos e cientistas, do passado e da atualidade. Tendo como signo o Retângulo Áureo, dinergia é um vocábulo que expressa a energia criadora pela ordem harmônica.

O planejamento dinergético, é inclusivo “e/e” e não deixa de lançar mão dos instrumentos tradicionais de análise e planejamento, mas se apropria deles em diálogo com outras disciplinas. São novos padrões de pensamento e ação. Razão e intuição. Ciência e arte. Isto e aquilo. Lado direito e esquerdo do cérebro. Concreto e abstrato. Tangível e intangível. Singularidade e diversidade. Linear e complexo. Os opostos gerando o equilíbrio.

O planejamento dinergético nos permite conjugar vários movimentos que nos conduzem a um novo modelo de empreendedorismo, mais harmônico e conectado à vida. Empreender pensando exclusivamente em lógicas de mercado nos induz a reproduzir ao invés de criar, repetir ao invés de inovar, desenvolver linearmente ao invés de aprender a partir da complexidade. Empreender de forma sustentável implica compreender os impactos das ações nos territórios e reorientar práticas a partir dos aprendizados acumulados no processo, isto é, empreender com sentido coletivo, propósito compartilhado, método vivo e flexível e aprendizado expansivo. Estes quatro elementos (sentido, propósito, método e aprendizado) são fundamentais à construção do planejamento dinergético. Quando compreendemos que empreender é “aprender” e não “desenvolver”, criamos espaço para o surgimento de novos pontos de vista, de novos paradigmas.

Pensamento que gera ação. Ação que gera pensamento. Sustentabilidade passa a ser um ciclo contínuo em que todos os sistemas são fundados do equilíbrio e no respeito integral à vida.

O filósofo francês Edgar Morin afirma em seu livro Rumo ao Abismo (Editora Bertrand Brasil, 2007):

Se é verdade que o nosso organismo traz em si células-tronco indiferenciadas capazes, como as células embrionárias, de criar todos os diversos órgãos de nosso ser, a humanidade também possui em si as virtudes genéricas que permitem criações novas. Não devemos mais continuar na rota do “desenvolvimento”. Precisamos mudar de caminho, precisamos de um novo começo.

Se empreender significar aprender, poderemos experimentar novas formas de atuação que extrapolem a disciplina econômica para abrigar contextos de colaboração entre atores internos e externos das iniciativas, integrando processos de pesquisa, ação e aprendizado e utilizando a interdisciplinaridade e a dinergia para buscar o equilíbrio econômico, ambiental, cultural e social desejado. Este pode ser o novo começo que precisamos.

A economia criativa abre janelas para a valorização dos bens intangíveis, para a criatividade, para o que é infinito, para uma cultura da abundância, para os potenciais locais, para a diversidade cultural como valor. Compreender as perspectivas econômicas das iniciativas socioculturais e criativas é um bom começo. Compreender o afeto, o simbólico, o coletivo, o intangível, o diálogo, a colaboração e o aprendizado expansivo no desenho e planejamento de novos empreendimentos socioculturais, criativos e convencionais é um bom começo. Isto e aquilo. Energia e dinergia. Para além do mercado, há a vida, há o simbólico, o afeto, os mitos, os pulsos criativos, o aprendizado, o novo paradigma.

Todos nós, pensadores e fazedores socioculturais e criativos, temos muito que compreender, aprender e colaborar nestes novos começos em que os princípios norteadores da economia criativa brasileira (diversidade cultural, inovação, sustentabilidade e inclusão social) podem e devem ser aplicados, vivenciados e compartilhados, coinspirando pessoas, órgãos e gestores públicos, organizações sociais e iniciativa privada e construindo novos paradigmas de empreendedorismo no país.

Bons aprendizados e novos começos para todos.

Minom Pinho

Sócia-diretora da Casa Redonda Cultural e consultora. Em coautoria com o pesquisador e conferencista André Martinez, idealizou a plataforma Sociocultural em Rede. Para mais artigos deste autor clique aqui

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