segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A IMPRENSA SUPREMA

Retirado do blog do Jefh Cardoso em 21/11/2011 do endereço:

http://jefhcardoso.blogspot.com/2011/11/imprensa-suprema.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+Jefhcardoso+%28jefhcardoso%29

Ao chegar em casa, assim que fechou a porta atrás de si, sentiu a melancólica atmosfera opressora lhe esmagar como se um saco de sessenta quilos de tristeza lhe fosse recolocado sobre a cabeça. A situação não era tão difícil enquanto estava na rua. Talvez por distrair-se observando o vai e vem das pessoas. O fato é que, ao ver a casa vazia e os habituais cantos costumeiros de seu pai agora desocupados, a poeira sorrateira se acumular sobre sua poltrona verde escura reclinável, as pilhas de jornais intactos crescerem feito planta nos cantos da sala, um arrependimento liquefeito invadia a chaga aberta na alma após a última discussão que tiveram. A discussão que antecedeu ao sumiço do velho. Parou de pé diante da cozinha e começou a recordar aquela manhã. Era como se pudesse ver perfeitamente toda a cena: Era hora do café, café fresco e pães à mesa. O velho enxugou as mãos no pano de pratos encardido que trazia sobre o ombro esquerdo e sentou-se e tomou o jornal nas mãos. Vestia o velho roupão vinho em tecido acetinado, o mesmo que usava todos os dias a mais de cinco anos, desde o falecimento da esposa por atropelamento. Por baixo do roupão, o que era possível notar pelas descuidadas pernas abertas, usava sempre uma das calcinhas da falecida. O rapaz fingia não saber dessa excêntrica forma de nostalgia do pai. Nunca mencionara o assunto. O velho repousou o jornal sobre a mesa, acendeu um cigarro, reabriu o jornal e comentou a queda de mais um ministro. “Em dez meses de mandato da presidenta, já são seis os ministros que entregaram o cargo. Já viu algo parecido? Vê só o nível da roubalheira que essa gente vive?” Thor Nelson fez questão de demonstrar seu desconforto pela fumaça do cigarro do pai, mas o velho, vendo que o incomodava, fazia por onde direcionar ainda mais a fumaça ao rapaz. Ele queria saber o que o filho achava de mais um ministro cair em tão pouco tempo de mandato da presidenta, apenas dez meses de mandato. O rapaz disse que não se importava, e que aquilo era um jogo de interesses pelo qual não se interessava. O velho deu um murro na mesa que fez com que as xícaras e a faca da manteiga tilintassem. “Aí, ta vendo como você é? Ta vendo? Você não se interessa por nada mesmo. Nunca vai ser ninguém nessa vida. Onde já se viu não querer saber da política do país? Fica aí, metido com esses romancistas idiotas, esse bando de fracassados, bêbados, doidos, drogados. É isso que você quer ser, esse é o seu ideal de vida? Ser um desajustado como são todos esses vagabundos que se dizem escritores, intelectuais?” Thor Nelson ficou surpreso pela reação desproporcional do pai. Desde a morte de sua mãe, eram os únicos da casa e o que restou da família. Apanhou seu pão e sua xícara de café e caminhou até a porta da cozinha como que para tomar um pouco de ar fresco e despoluído, e evitar a discussão. Ali, decidiu expor seu ponto de vista ao iracundo pai. “Essa onda de denúncias da imprensa, em minha opinião, é algo leviano e contraproducente. O que vai mudar se tiver um escândalo a cada semana? Tirando o lucro dos jornais e o movimento da famigerada imprensa, nada muda de fato. Acho que o trabalhador não ganha nada com isso. Apenas se revolta cada vez mais e vai ficando descrente e desmotivado”. “Ah, e você se diz um democrata... Grande democrata você é! Quer saber? Você não existe! Você é um caso pra ser estudado, estudado por uma junta de especialistas. Seus pensamentos são absurdos. Você não existe”.

Thor Nelson sabia que aquilo era em parte pelo Alzheimer. Seu pai ficava cada vez menos previsível e cada vez mais descompensado. Irava-se por nada. Suas reações eram desproporcionais. Não demorava cinco minutos para que se desculpasse. Mas naquele dia Thor Nelson não quis ficar para uma reconciliação. Disse que não agüentava mais o velho e que arranjaria um lugar para si. Bateu a porta e partiu. Ao retornar, só encontrou a casa vazia. Percebeu que uma mala e parte das roupas de seu pai haviam desaparecido, inclusive as calcinhas da falecida mãe, todas. E daquela triste manhã, já havia quatro meses que não via o velho. Dois dias depois, após falar com os conhecidos, que só teriam visto o velho descer a rua bem vestido pela hora do almoço, decidiu prestar queixa de desaparecimento à polícia.

Obs. Esta postagem é comemorativa do terceiro ano deste blog, a completar-se no dia 01.01.12, e também a adesão de mais de 3500 generosas pessoas que me apóiam. Será uma série de singelas postagens onde pretendo revelar peculiaridades dos dias comuns de um homem comum vivendo uma vida comum. Peço o seu voto para este blog no Top Blog 2011. Caso queira, clique no selo logo abaixo do meu perfil e vote.

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Jeferson Cardoso

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