Retirado do Cultura e Mercado em 29/03/12 do endereço:
Por Mônica Herculano
A primeira lei federal de incentivo fiscal para atividades artísticas no Brasil foi instituída em 1986: a Lei Sarney (Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986), criada um ano após a separação dos ministérios da Cultura e da Educação.
Com ela, as empresas podiam financiar, por meio de renúncia fiscal, ações realizadas por produtores artísticos, que deviam ter registro no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas de Natureza Cultural (CNPC), gerido pelo MinC e a Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda. Após recebido o aporte de recursos, a título de doação ou patrocínio, a entidade cultural deveria prestar contas à Receita Federal e ao Ministério da Cultura sobre a sua aplicação.
Para Paulo Pélico, sócio-diretor da Casa Jabuticaba de Cinema e Teatro, um dos maiores defeitos da Lei Sarney é que ela tinha a prestação de contas como uma peça de pós-produção, não de pré-produção, como é hoje. “Hoje você apresenta o projeto e ele é julgado à luz do orçamento. Isso evita dezenas, centenas, talvez milhares de projetos ilegítimos”, afirma.
Outra característica negativa, segundo ele, é que a lei não obrigava que o produto cultural tivesse circulação pública. “A pessoa podia montar uma exposição sobre Picasso na sua casa e chamar os amigos, dentro da lei. Eu não sei como isso pode passar pelos legisladores, mas passou. Nem todo mundo usou desse jeito, mas em alguma medida foi usado. Nesse sentido, a lei demorou para ser cancelada.”
Segundo Pélico, o advento das leis de incentivo foi muito bom, na medida em que inagurou esse tipo de ferramenta para a cultura. “Até então incentivo fiscal valia para agrobusiness, indústria têxtil, eletroeletrônicos, área de serviços, mas para a cultura não. A lei inaugurou uma nova fase. Basta vermos a indústria cultural brasileira hoje e a de 20 anos atrás. A diferença é flagrante”, afirma.
Lei Roaunet - Em 1990, o governo Collor suspendeu os benefícios da Lei Sarney, assim como outros incentivos fiscais em vigor. O mecanismo de apoio às atividades culturais foi restabelecido com a Lei Rouanet (Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991), que instituiu o Programa Nacional de Apoio a Cultura (Pronac).
Com a Lei Rouanet surgiram três formas possíveis de incentivo à cultura no país: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), os Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e o Incentivo a Projetos Culturais por meio de renúncia fiscal (Mecenato). Saiu o produtor como elemento central e em seu lugar entrou o projeto cultural, que passou a ser analisado pelo Ministério da Cultura como passível de captação de recursos aptos à renúncia fiscal.
Em documento de análise publicado em 2009, Paulo Pélico explica: “Este tripé visava dar sustentação a uma política inédita no país, capaz de, no curto prazo, financiar a produção artística, cobrindo o rico espectro da cultura brasileira e, a médio e longo prazos, estruturar e consolidar as bases de uma indústria cultural, tornando-a minimamente competitiva frente à avassaladora indústria estrangeira. Assim, Ficart e Mecenato foram destinados a necessidades que estão mais próximas da indústria cultural. O FNC foi pensado como o elemento de contraponto, com uma clara função equalizadora do sistema.”
“A Lei Rouanet veio sem nenhum dos problemas da Lei Sarney, além de imensas sutilizas que favoreceram o seu lado democrático. A má notícia é que, com o decorrer do tempo, ela foi recebendo inúmeras medidas provisórias que, em nome da melhoria, acabaram piorando a lei no seu aspecto democrático. Não houve aperfeiçoamento, porque os legisladores acabaram sendo movidos por pressões de determinados grupos organizados, e não da coletividade”, afirma Pélico.
O FNC, de acordo com o documento assinado por ele, teve seus recursos destinados majoritariamente a finalidades que nada fizeram pela cultura regional, nem atenderam o fazer artístico de caráter não-comercial. “Para seguir o planejamento original da lei, editais do FNC deveriam ser rotineiros, irrigando com recursos as manifestações culturais sem apelo de marketing e suprindo as necessidades das regiões mais remotas do país. Em todos estes anos, os editais se revelaram esporádicos e de alcance restrito”, completa.
O diretor superintendente do Instituto Itaú Cultural, Eduardo Saron, também coloca o fortalecimento do FNC como um ponto que deveria ser melhor tratado. “O problema é que ao longo desses anos, o FNC foi sendo esmagado pelas áreas econômica e de planejamento do governo, e o seu papel de equalizador do sistema continuou se fragilizando, enquanto o Mecenato foi crescendo. Creditar ao Mecenato a fragilidade do orçamento direto do MinC e do FNC é um equívoco”, afirma.
Ele acredita que o maior avanço que a Lei Rouanet trouxe foi a profissionalização do setor, por ter induzido à constituição de um mercado profissional para atuar por meio do incentivo fiscal. “Outro avanço importante foi a previsibilidade, em virtude de você ter um marco legal regulatório muito claro a respeito da utilização da lei. Você pode fazer projetos de médio e longo prazo e não ficar refém de ter ou não orçamento da União”, diz
Procultura - Para Paulo Pélico, a cultura não está nas mãos do mercado, como alguns produtores costumam dizer. “Lei de incentivo pressupõe a participação da iniciativa privada, sim, usando dinheiro público. As pessoas têm resistência a isso porque o incentivo deve ser um instrumento, mas não o único. E nenhum incentivo fiscal funciona sem um Fundo de Cultura, nacional, estadual ou municipal, para atuar como elemento equalizador, que ajude a equilibrar o sistema.”
A questão é justamente ajustar os termos para que as necessidades de todos – ou da maioria – sejam atendidas. E foi com esse objetivo que surgiu o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura – Procultura (Projeto de Lei nº 6722/2010), que altera a Lei Rouanet.
“Eu acho que a Lei Rouanet foi criada num outro contexto artístico, cultural, politico, economico. Por exemplo, não existia internet. A inflação estava absolutamente presente no nosso mundo. Ela é de um outro Brasil. Nesse sentido, é preciso que ela seja revista”, afirma Saron, que se diz a favor de um marco legal regulatório com mudanças onde empresas de pequeno e médio porte, além da produção independente, sejam incluídos.
Para ele, as grandes empresas, em virtude da concentração econômica, estão presentes mais na região Sudeste e têm a tendência por optar também por grandes projetos. “Ter tratamentos diferentes para proponentes diferentes é muito harmônico para que a gente continue melhorando o sistema de incentivo fiscal no país. Os 100% não podem acabar, mas nem todos os projetos precisam de 100%. Significa que, na medida que o empresário se proponha a ser parceiro de um projeto, ele tenha que colocar parte dos recursos diretos da sua empresa também. Por exemplo, um projeto para formação de gestores ou de plateia, para mim é mais que louvável que tenha 100% de abatimento fiscal. Um projeto que está mais próximo do business, de uma atividade que mais facilmente conquista patrocínio, é natural que esteja distante dos 100%, e que o empresário aplique dinheiro não só incentivado nesse processo”, afirma Saron.
Para Paulo Pélico, o Procultura vem se inserindo em uma velha tradição de fazer “puxadinhos” e melhorar o parágrafo, mas piorar a lei como um todo. “O Procultura já teve versões muito boas, mas tem sido mexido frequentemente, sem critério democrático, e no conjunto desequilibrou. Hoje, o texto do deputado Pedro Eugênio, se for aprovado, será um retrocesso de quase 15 anos.”
Seminário - Para discutir esses e outros aspectos da reforma de Lei Roaunet, o Cemec e o Cultura e Mercado promovem, no dia 19 de maio, em São Paulo, o maior seminário sobre o tema já realizado no país.
O evento reunirá os principais agentes interessados no avanço do financiamento à cultura do Brasil em um dia inteiro de palestras, depoimentos e análises do texto do Procultura.
As inscrições já estão abertas. Clique aqui e garanta sua vaga.
Mônica Herculano http://www.uiadiario.com.br
Mônica Herculano é jornalista e produtora cultural. Diretora de redação de Cultura e Mercado e editora do www.uiadiario.com.br. Twitter: @nicklanis Para mais artigos deste autor clique aqui
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