Originalmente publicado por Miguel do Rosário no Gonzum e retirado em 17/03/2011 do endereço:
http://www.gonzum.com/2011/03/se-globo-fhc-e-jabor-podem-bethania.html
Hoje a polêmica rolou em torno de notícia publicada na Folha de São Paulo, na coluna da Monica Bergamo.
Assim que eu li a notícia, adivinhei que vinha tsunami por aí. Entrei no Twitter e, de fato, o estrago era grande. Rouanet, Minc, Ana de Hollanda, Bethania, todo mundo no pódium das TT, sendo malhado impiedosamente à esquerda e à direita.
À direita eu via o Twitter do @teapartybr, muito ativo, aproveitando a deixa para deslanchar pesados ataques contra o governo.
A bombordo, a carnificina também era intensa, pois Ana de Hollanda é o alvo preferido da esquerda petista na rede.
A crítica da direita é moralista: não me interessa e não me surpreende.
O que me espanta é a manipulação da crítica à esquerda. Tudo bem protestar. O que me aborrece é pintar o caso como prova da malignidade da ministra Ana de Hollanda. Ora, ela pode ter outros defeitos, mas essa bomba não foi ela que montou.
O Minc anterior (gestão Gil/Juca Ferreira) aprovou R$ 10 milhões para o Instituto FHC digitalizar uns arquivos, o que nunca foi feito.
Aprovou R$ 3 milhões para a Globo fazer um site sobre a ditadura (!).
Agora me digam, o que é pior? Aprovar que uma produtora capte 1,3 milhão de reais para realizar 365 filmes com uma das maiores cantoras do Brasil, filmada por Andrucha Washington, diretor de Eu, Tu e Eles, ou dar 3 milhões pra Globo reescrever a história do movimento estudantil?
Quanto ao valor, pode ser que seja muito, pode ser que seja pouco. Vai depender da qualidade do negócio. Se são 365 filmes, o valor corresponde a 3,5 mil por filme. É um custo muito baixo, se você pensar no pagamento a operador de câmera, editor de vídeo, figurinista, etc.
Se cada vídeo tiver 2 minutos, teremos mais de 700 minutos de filme. É muito filme!
Outra coisa que me impressionou foi o preconceito contra a plataforma blog, inclusive dos próprios blogueiros. Ora, se os vídeos fossem para ser exibidos no Canal Brasil, uma TV paga, aí estaria tudo bem? Se fosse um longa-metragem para cinema, ninguém falaria nada. Todos os anos, dezenas de filmes recebem dinheiro via lei do audivisual, incluido porcarias inomináveis, mas aí está tudo em ordem.
Ora, o lance não é investir na internet? Se o ministro fosse o Juca, poderíamos falar que o governo investe em cultura digital, aberta e gratuita. Mas como a ministra é Ana - que talvez por ser tímida, insegura e sem molejo político se tornou a Geni de um segmento da militância digital -, a aprovação da Rouanet para Bethania foi convertida em mais uma injustiça da rainha má.
E forçou-se a interpretação de que o dinheiro era do Minc, que tem orçamento apertado, e não da Lei Rouanet, que pode movimentar mais de R$ 1 bilhão ao ano e cujo orçamento dificilmente estoura, por falta de interesse das empresas de patrocinar todos os projetos aprovados. Ou seja, o dinheiro da Bethânia não deve tirar o pirulito da boca de ninguém.
Claro, o problema está na própria lei Rouanet, que privatiza a política cultural do país. A lei, como ela é, não pode discriminar um projeto apenas porque seu proponente é uma pessoa famosa. Até porque existem famosos com dinheiro e famosos pobres. De tarde, o Minc divulgou nota explicando que "rejeitar proponente pelo fato de ser famoso, ou não, configuraria óbvia e insustentável discriminação".
Entretanto, a lei, que em seus primórdios era usada apenas por uma elite privilegiada conhecedora dos misteriosos meandros governamentais, hoje popularizou-se, simplificou-se. Pelo site do Ministério, tornou-se relativamente fácil inscrever um projeto.
A coisa toda é muito esquisita, naturalmente. Um país com graves problemas de saneamento básico e saúde pública, deveria distribuir milhões para arte? Mas esse é um dilema que vem desde os primórdios da humanidade. Quando o homem das cavernas começou a fazer seus desenhinhos na pedra, houve quem o criticasse por perder tempo com aquilo, em vez de sair para caçar mais comida para seus filhos...
Nessa polêmica toda, eu, que não gosto da Bethânia recitando poesia (gosto dela só até os anos 70, cantando), defendi o projeto dela e defendi também o Ministério da Cultura, porque este não poderia dizer "não" à Maria Bethânia, até porque é uma comissão da sociedade civil que aprova os projetos (embora o ministro tenha a palavra final), e, via de regra, se o documento for bem escrito e razoável, tem quase 100% de chance de ser aprovado.
Se a comissão da Lei Rouanet aprovou a captação de R$ 9 milhões para o Cirque de Soleil que nem brasileiro é e cobra ingresso de R$ 100 a R$ 400, como poderia negar aprovação para um projeto de uma das cantoras mais respeitadas da música popular nacional, dirigido por um diretor competente como Andrucha Washington (Eu, Tu, Eles) e com exibição gratuita e acessível a todos que possuírem internet? Deu R$ 12,5 milhões para o Arnaldo Jabor filmar menos de 120 minutos, porque não pode dar R$ 1,3 milhão para Andrucha filmar mais de 700 minutos de Bethânia recitando poesia?
Lendo o projeto, vejo que eles pretendem, de fato, usar uma plataforma de blog.
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