Publicado originalmente por Mr. Fork no Colherada Cultural e retirado em 14/03/2011 do endereço:
http://www.colheradacultural.com.br/content/20110311085532.000.9-N.php
Ilustração: André Hellmeister
Outro dia, conversava com amigos e surgiu na mesa uma nostalgia coletiva que até então pensava ser assunto quase particular. Estávamos os três tentando resgatar uma memória olfativa de infância, o cheiro tão característico do revelador e do fixador. Sim, porque antes as fotografias precisavam ser reveladas e fixadas e esse processo todo tingia o ar de um cheiro maravilhoso. Hoje, o revelador nada mais é que a telinha da câmera digital e o fixador, o backup do arquivo no computador.
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Na mesma semana, Francis Fukuyama, aquele autor e pensador que declarou o fim da história, sinaliza em um artigo no "Wall Street Journal", que um tradicional laboratório americano, Dwayne's Photo, tinha revelado o último rolo de Kodachrome no dia 30 de dezembro de 2010. Talvez tentasse repetir o sucesso da sua controversa tese sobre o "fim da história da humanidade" descortinando desta vez o "fim da fotografia analógica". O filme, lançado na década de 30, mas com a aura colorida e saturada dos anos sessenta e setenta, pode ser considerado um dos grandes clássicos da Kodak e da história da fotografia com F maiúsculo.
Assim, quase que junto com útlimo pouso da Discovery, o último Kodachrome (que já não é fabricado há anos), revelaria seus contornos finais. Não é de se espantar, em uma época tão novidadeira – quando um iPad de menos de um ano de vida torna-se instantaneamente obsoleto com a chegada de sua versão 2.0 – que tantas coisas sejam veladas e enterradas. A fila anda, mas as saudades ficam entre os nostálgicos e até mesmo entre os não tão nostálgicos assim.
No mesmo artigo, Fukuyama parte para a defesa da fotografia tradicional, a do grão de prata e da pureza do vinil em comparação com os seus pares digitais comprimidos. Diz que nos anos 50, na época que Ansell Adams produzia suas imagens icônicas do Parque Estadual de Yosemite, na Califórnia, sua máquina fotográfica era uma engenhoca de madeira e fole de couro, mas que o resultado final continha 100 vezes mais informação (resolução) que uma câmera SLR top de linha dos dias de hoje, como a Canon EOS 5D ou a Nikon D3.
Também diz que muitas das Leicas fabricadas durante a Segunda Guerra Mundial ainda funcionam perfeitamente, enquanto que câmeras digitais de pouco mais de cinco anos já estão obsoletas e incompatíveis com os nossos computadores novos. Quantas câmeras digitais completarão dez, vinte ou cinquenta anos? Suas baterias resistirão à prova do tempo?
Fukuyama se diz em paz com a revolução digital. Menciona uma empresa chamada GigaPan que é capaz de costurar imagens panorâmicas gigantescas, produzindo fotografias em resoluções inimaginadas até então. Mesmo assim, insiste na tese de que nem tudo que é novo é necessariamente melhor. "No mundo da tecnologia, assim como no mundo da política, muitas vezes regressamos em vez de avançar". Diz que tem um medo danado de perder todas as suas imagens se ocorrer uma pane no seu hard disk. E que guarda as fotos de seus filhos na segurança absoluta de caixas e caixas de slides Kodachrome.
Rei morto, rei posto. A fotografia morreu, viva a fotografia. Quando surgiu a foto com pixel no lugar do grão, dizíamos que havia a fotografia e a fotografia digital. A partir de agora, a história muda. Temos a fotografia e aquela outra, a fotografia analógica.
*James Scavone é anglo-brasileiro com sobrenome italiano, sócio e diretor de criação da agência Salve e também mantém uma coluna semanal no jornal "Placar". Anda de bicicleta e adora balas de goma. Como todo redator publicitário que se preze, tem um livro que não sai da gaveta.
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