Do Blog Acesso
O apoio privado à cultura vem superando um determinado caráter filantrópico, próximo ao mecenato, e cada vez mais passa a integrar a coleção de ferramentas de que as empresas podem dispor para avançar em suas estratégias de atuação. Muitas instituições, no entanto, ainda prescindem de uma política estruturada para a área da cultura. Na outra ponta, também os proponentes de projetos culturais enfrentam o desafio da profissionalização e da qualificação.
Consultor de patrocínio empresarial, Lárcio Benedetti foi responsável, entre 2006 e 2010, pela atuação do Grupo Votorantim na área de cultura, além de ter participado do planejamento e da implantação de programas de patrocínio cultural de empresas como Petrobras e Natura. Em 2012, Benedetti concluiu, na Universidade de Budapeste, sua tese de doutorado – Decision Making Process in Corporate Sponsorship: Open Call as a Strategy to Attract, Screen, Assess and Select Sponsorship Proposals –, abordando o processo de tomada de decisão em patrocínio corporativo, tema sobre o qual o especialista falou ao Acesso.
Acesso – O perfil do patrocínio corporativo à cultura está cada vez mais distante de uma modalidade com características filantrópicas e mais próximo de uma ferramenta integrada à estratégia de atuação das empresas?
Lárcio Benedetti – Eu diria que, em parte, sim. O patrocínio já conseguiu se libertar da filantropia, porém, na maior parte das empresas, ainda não ganhou um caráter estratégico. Evidência disso é que poucas empresas possuem uma estratégia de patrocínio, que é o ponto de partida para uma atuação sólida, perene e consistente. Para essas empresas, o patrocínio ainda é tratado como uma ferramenta tática, esporádica e operacional, muitas vezes utilizada para o mero aproveitamento dos benefícios fiscais provenientes das leis de incentivo. Patrocínio integrado à estratégia corporativa ou de comunicação pressupõe ter uma política estruturada, com foco claro, portfólio coerente de projetos, investimento em qualificação, gestão e comunicação, além de desdobramentos que vão além do patrocínio a projetos em si.
Acesso – Como resultado desse processo, os proponentes vêm, por sua vez, buscando maior profissionalização e melhor qualificação?
L. B. – Sem dúvida. A demanda por profissionalização do setor cultural pode ser notada pela proliferação de uma série de iniciativas dirigidas a gestores culturais, como cursos, blogs, guias, manuais, etc. Acredito que esta procura por qualificação se deve, em grande parte, à crescente prática de bons editais realizados por instituições e empresas. Para ser competitivo em um edital, o proponente sabe que precisa inscrever uma ótima proposta, já que seu projeto será submetido a critérios técnicos – que nada têm a ver com influência ou relacionamento na empresa – e poderá passar por várias instâncias de decisão.
Acesso – Que benefícios dos editais públicos para os patrocinadores você destaca? É essa, segundo sua experiência, a modalidade de patrocínio cultural melhor sucedida?
L. B. – Os editais têm se tornado uma prática comum, não apenas em empresas públicas como também em privadas. Eu destacaria pelo menos sete benefícios que o edital pode propiciar ao patrocinador: é uma forma eficiente de divulgar a política de patrocínio da empresa; gera oportunidades de comunicação em vários momentos; estabelece diretrizes para a apresentação de propostas; define processo e instâncias de decisão; facilita a comparação das propostas inscritas; ajuda a formação de um portfolio de múltiplos; e como resultado disso tudo, tem potencial de transmitir uma imagem positiva associada a igualdade e transparência.
No entanto, isso não significa que o edital seja, em si, a melhor modalidade de seleção de projetos. Há dois grandes riscos para a sua adoção. Primeiro, o patrocinador não deve esquecer que o edital precisa fazer sentido para a empresa. Ele não é sinônimo (mas sim resultado) de uma política de patrocínio. Eu gosto de ilustrar esta ideia com a “Matryoshka”, aquelas bonecas russas aninhadas uma dentro da outra. Nesta imagem, a melhor forma de seleção de projetos é a última e menor boneca. Até chegar a ela, a empresa precisa começar pela maior boneca, que são seus valores e sua estratégia de comunicação. Em seguida, há a boneca que representa a estratégia e a política de patrocínio que a empresa precisa elaborar que, no final, definirá a alternativa de seleção que melhor se encaixa nas bonecas anteriores.
O segundo risco do edital é que ele deve ser cuidadosamente planejado e implementado, uma vez que ele expõe o patrocinador publicamente. Antes de decidir pelo uso de um edital, a empresa deve ter consciência de sua dimensão e importância.
Acesso – Observa-se, no Brasil, situação de dependência das leis de incentivo? O que você destaca como consequência desse cenário?
L. B. – As leis surgiram, como o próprio nome diz, como uma forma de incentivo para as empresas investirem em cultura. Em outras palavras, por meio de benefício fiscal, o Governo daria um estímulo, uma ajuda para o desenvolvimento da prática do patrocínio cultural no País. Porém, o que ocorre é que a maior parte das leis de incentivo possibilita 100% de dedução do valor investido. Ou seja, a empresa patrocina, mas quem paga toda a conta é o Governo. Como resultado, o investimento em cultura cresce, mas sem sustentação, sem solidez. Basta o Governo reduzir o benefício que muitas empresas, infelizmente, deixarão de patrocinar. Ou seja, o modelo de financiamento que, vale lembrar, nasceu para ser temporário, transformou-se numa situação de total dependência. Por outro lado, felizmente, há inúmeros casos de empresas que enxergam o incentivo fiscal apenas como mais um benefício que a atuação em cultura pode propiciar. Para elas, a possibilidade de dedução fiscal não é fator condicionante para o investimento em cultura – tanto que utilizam as leis, mas também investem recursos próprios. São belos casos em que o patrocínio já está totalmente integrado ao mix de comunicação das marcas.
Retirado do Blog Acesso em 21/05/13 do endereço:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente