Por Bernardo Vianna
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Em mais de um de seus livros, Ítalo Calvino toma como foco a cidade. Interessa ao escritor italiano o espaço urbano enquanto produto cultural. Em Cidades invisíveis ou em Marcovaldo – Ou as estações na cidade, Calvino descreve, antes da estrutura das torres e das vias públicas, os significados que as permeiam. As cidades tomam forma segundo a percepção e os desejos das personagens. O tema também inspirou Guy Debord a construir o conceito de “psicogeografia”. A partir de tal ideia, o pensador francês inspirou artistas e intelectuais a percorrer as cidades, no bojo dos movimentos de vanguarda europeus das décadas de 1950 e 1960, observando como o desenho de ruas e prédios se relaciona com as emoções e com o comportamento das pessoas.
O âmbito da cultura passou a fazer parte das políticas públicas sobre o uso e o desenvolvimento do espaço urbano, em São Paulo, desde a definição do Plano Diretor Estratégico de 2002. A lei que define, entre outras, diretrizes de ocupação do solo, infraestrutura e mobilidade, trouxe, como inovação, item dedicado à cultura. O documento prevê a elaboração de normas para a preservação de bens culturais e referências urbanas, a preservação da identidade dos bairros e a sensibilização da opinião pública sobre a importância e a necessidade de preservação do patrimônio histórico e cultural.
No último sábado, teve início, com algum atraso, o debate público para a revisão do Plano Diretor Estratégico, o que, a princípio, estava previsto para ocorrer em 2012. De acordo com Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, vereador de São Paulo e relator da Lei do Plano Diretor Estratégico, a cultura, desde 2002, passou a fazer parte, com bastante ênfase, da discussão sobre o uso do espaço urbano. “Por conta disso, eu diria que a expectativa, agora, é que esse assunto ganhe ainda mais importância. Há uma mobilização grande do segmento cultural na discussão do plano diretor e existe também um interesse da própria Secretaria de Cultura nesse sentido”, afirmou o urbanista.
A prefeitura de São Paulo divulgou, em 15 de abril, agenda de encontros para a revisão participativa do Plano Diretor Estratégico, eventos abertos ao público, que pode apresentar propostas e contribuições. Em uma segunda etapa, serão realizadas oficinas públicas nas 31 subprefeituras para ouvir propostas dos moradores locais e será aberto, também, um canal digital para a participação. Audiências públicas, em uma terceira fase do processo, debaterão as propostas apresentadas e será discutida a minuta do projeto de lei. O projeto será, então, encaminhado à Câmara dos Vereadores, que iniciará processo de consulta pública.
Cultura nos espaços públicos
A utilização do espaço público para a cultura é uma discussão que permeará todo o processo. A questão, para Bonduki, é de grande importância e deve ser uma das diretrizes do Plano Diretor. “As atividades culturais têm, certamente, um papel importante no repovoamento do espaço público. Se predominar a perspectiva dos grandes condomínios, das áreas que perdem sua capacidade de serem espaços vivos, teremos a desertificação do espaço, o que é muito ruim e tem impactos importantes, por exemplo, sobre a questão da segurança. Ruas desertas são inseguras, acabam sendo espaços violentos – não só da violência criminal como também da violência dos automóveis em alta velocidade, da falta de comunicação entre as pessoas. A valorização do espaço público é muito importante e a cultura pode ter um papel fundamental nisso”, expôs o especialista.
A valorização dos espaços culturais com saída para a rua, em oposição aos espaços localizados em áreas privadas, como shopping centers fechados, cujo acesso se dá por automóveis particulares, é, na opinião do urbanista, algo urgente. “Hoje, praticamente todos os cinemas de rua fecharam. Os teatros, principalmente na região do Centro expandido, têm dificuldade para manterem-se. Vimos, por exemplo, vários teatros serem fechados na Praça Roosevelt. Na Rua Augusta, muitas casas noturnas e lugares de atividades culturais também estão sendo fechados e sofrendo o processo da especulação imobiliária. Esse é um assunto importante: criar um mecanismo de proteção dos espaços culturais de rua para que eles possam dinamizar o próprio espaço público, a calçada. Se você tem apenas estacionamentos no térreo dos edifícios, apenas paredões e muros, você mata a rua e assim mata, também, a cidade”, disse Bonduki.
Assim como a cultura oxigena os espaços públicos urbanos, de tais espaços dependem a memória e a identidade da cidade. Um instrumento de que já se dispõe são as Zonas Especiais de Proteção Cultural – ZEPEC, áreas destinadas à preservação, recuperação e manutenção do patrimônio histórico e artístico. Outra modalidade que, na opinião de Bonduki, deveria ser incluída, é a proteção de espaços que, se não são particularmente interessantes do ponto de vista arquitetônico, o são a partir da perspectiva da manutenção de determinados usos e práticas culturais. “São locais com os quais a população se identifica. Pode ser um cinema, um teatro ou mesmo um restaurante ou um bar que, se não é interessante arquitetonicamente, transformou-se em ambiente de interesse do ponto de vista da memória da cidade. Claro que não é fácil encontrar instrumentos para garantir essa preservação, mas nós não podemos desconsiderar essa dimensão”, explicou.
Retirado do Blog Acesso em 02/05/13 do endereço:
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