Retirado do Pop Kitsch & Cult em 04/04/12 do endereço:
http://carlosminuano.blogspot.com.br/2012/04/cidade-oculta.html
Por Carlos Minuano
Na correria quase insana do dia a dia, quantas pessoas são capazes de perceber que a cinzenta capital paulista abriga obras artísticas em muros, prédios, jardins e até em canais de esgoto? Circulando por essa “cidade oculta” dois jornalistas tiveram uma ideia: criar um site que mapeasse a arte espalhada pelas ruas de São Paulo. Assim surgiu o projeto Arte Fora do Museu. Desde meados de 2011, quando entrou no ar, o site oferece uma visita guiada por um circuito de arte praticamente desconhecido, com pinturas, esculturas, construções arquitetônicas e grafites feitos em espaços públicos, que muita gente sequer sabe que existem.
O projeto começou a tomar forma na cabeça de Felipe Lavignatti em 2007, quando foi à Faap ver uma exposição: “Fiquei espantado quando vi, no saguão de entrada da faculdade, réplicas de esculturas do Aleijadinho. É fácil saber quais obras estão em museus como o Masp, o MAM. Mas identificar de quem é uma escultura no centro da praça da Sé é uma tarefa um pouco mais difícil”, argumenta. Os jornalistas Lavignatti e André Deak, que trabalham juntos em outros projetos na Casa da Cultura Digital Brasileira, decidiram se dedicar ao mapeamento de, ao menos, algumas dessas obras da cidade, incluindo ainda sinopses detalhadas e comentários de especialistas. “O conteúdo jornalístico de pesquisa e a análise de cada item desse projeto compõem um material de apoio à visita”, observa Deak. “Como identificar o autor de um grafite somente pelos traços do artista? Sem um conhecimento prévio, fica difícil”, acrescenta.
O Arte Fora do Museu começou a ganhar corpo, efetivamente, em 2010, após ter sido selecionado em primeiro lugar no edital Bolsa Funarte de Reflexão Crítica e Produção Cultural para Internet. Os autores tinham, então, seis meses para fazer o levantamento de cem obras de arte em áreas públicas. Escolheram um sistema de georreferenciamento que funcionasse a partir de celulares, por meio de um aplicativo para Iphone, uma estratégia chamada de mobile first – que permite desenvolvimento para celulares, mas que funciona também na web. Ajudaram na tarefa de seleção das obras os consultores Fabio Cypriano, crítico de arte do jornal Folha de S. Paulo, e Diogo de Oliveira, que trabalha com turismo voltado para arte. A segunda etapa era organizar o acervo. Segundo Deak, na hora de peneirar o que incluiriam, ou não, no site, optaram por dar prioridade às obras com relevância reconhecida por especialistas, consideradas modernas ou contemporâneas, que ficassem em localidades próximas ao centro da cidade e às quais o acesso fosse fácil e gratuito.
Depois disso, foi a hora de sair para a rua e fotografar. Também conversaram sobre cada obra com especialistas como o grafiteiro Pato, os arquitetos Ricardo Ohtake e Valter Caldana, a educadora Rosana de Paula Prado e a mosaicista Isabel Ruas. As entrevistas resultaram em cem vídeos, produzidos com equipamentos simples como uma pequena câmera Flip HD, um microfone de lapela com fio ligado em um gravador digital e um tripé comprado na rua Santa Ifigênia. As fotos, que estão no Flickr, e as entrevistas, disponíveis no YouTube, estão liberados com licença Creative Commons. “Se foi feita com dinheiro público, toda a produção resultante deve ser pública. Mas também nos interessa que nosso trabalho circule, e que mais pessoas tenham acesso ao que fizemos”, justifica Deak.
Escola a céu aberto. “Foi um aprendizado incrível”, conta Lavignatti. As “aulas” aconteciam durante viagens de metrô, passeios a pé, de carro e bicicleta, por cerca de sete dias. Enquanto o mapeamento das obras era feito com auxílio do Google Street View, que dava o local exato de cada uma, o site começava a ser desenhado pelo programador Paulo Geyer, outro parceiro do projeto. Apesar de trabalhar quase sem recursos e sem ganhar nenhum centavo, a dupla de criadores do Arte Fora do Museu não pretende parar por aí: “Esperamos que a ideia floresça e que alguém resolva patrocinar uma continuação, aprimoramentos e uma versão para Android”, diz Deak.
Os dois pretendem investir em maior interação com redes sociais, inserção de comentários e espaço para que os internautas possam mandar suas sugestões de obras. Ventos parecem soprar a favor do projeto. Lavignatti conta que um grupo de Montevidéu os procurou para propor o desenvolvimento de um projeto similar na capital uruguaia, a ser lançado em breve. E o projeto também deve ir em breve para o Rio de Janeiro. Se as negociações avançarem e a ideia sair do papel, 200 obras de arte devem ser mapeadas na cidade maravilhosa. Fora do Brasil existem algumas experiências semelhantes, mas quase todas baseadas em catalogação colaborativa, ou seja, demandam um sistema complexo de checagem da produção coletiva. Por isso, a opção pelo caminho jornalístico mais tradicional: apuração com especialistas, produção de conteúdo, edição e apresentação multimídia. “Nosso objetivo é construir um grande portal integrado, com o maior número de cidades possível”, explica Lavignatti.
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