Enviado ppor João Evangelista Rodrigues
por joão evangelista rodrigues
Todos sabemos, via Guimarães Rosa, e isto já virou refrão: Minas são muitas. Mas o que as pessoas não explicitam é de que Minas estão falando, quando se referem a um de nossos maiores escritores.
Realmente, se Minas são multivárias, multivastas são as formações e manifestações culturais deste Estado. Porque Minas mesmo, às vezes, parece permanecer em seu estado mineral, inerte, empedernido, como a fazer jus, à origem de seu nome. Outras, a essencial, é intocada como convém a um mapa sagrado. Minas é o que se vê e ouve. O que se sente com o coração e a mente abertos.
Parece, ainda bem, porque dentro e fora das burocráticas estruturas criadas, durante mais de trezentos anos de história, para “administrar a cultura de Minas”, pulsa uma infinidade de vozes, populares ou nem tanto, mas todas em busca de espaço e de expressão em suas comunidades. Claro, hoje, graças à Internet, nas imponderáveis geografias do mundo.
Veja-se; por exemplo, as eleições para a escolha dos membros que irão compor o Conselho Estadual de Cultura cuja votação, claro, ocorreu lá longe, na suntuosa e escura Cidade Administrativa uma semana antes das comemorações da Inconfidência Mineira. Não vou entrar no mérito do processo, pelo simples fato de que, por questões de somenos, não o acompanhei de perto. Não posso afirmar com certeza se este processo foi democrático ou burocrático. Legítimo ou ilegitimado por lutas de puder, por ser apenas mais uma forma de manter a cultura de Minas onde sempre esteve. Debaixo das asas, nas mãos de poucos, os mesmos. Dos que, não sei por que cargas d´água, se auto elogiam e se elegem como donos de tudo o que se refere às coisas de Minas.
E por falar em água, Minas pode ser considerada o sertão das águas, maior riqueza, juntamente com sua cultura, que todo o minério já minerado e amontoado do outro lado do mundo. Minério já negociado e comprometido, através de contratos que duram cerca de duzentos anos a frente. Na verdade, Mina já nasceu vendida, ultrajada, escavada, apesar do orgulho mineiro e das opiniões em contrário.
Não sou pessimista, sou até sonhador demais. Conheço bem as infinitas geografias de Minas. Suas entranhas e estranhas minerações. Seu jeitinho e sua falta de jeito para com os interesses do povo. Por dentro e pro fora da máquina gestora. Mas às vezes um espírito sombrio, desses que chegam na penumbra das salas de espera e dos gabinetes, tomam conta de mim e me ponho a cismar. Será que a profecia de Drummond está se cumprindo á risca? Minas não há mais? Pelo menos o Pico do Caué não há mais. A Serra do Curral não há mais. As montanhas de Conceição do Mato Dentro, em futuro próximo, não existirão mais. O Rio São Francisco, na parte que corre pelas veias de Minas, como todos seus afluentes, está franciscanamente enfraquecido e pobre. Corre o risco de não haver mais. Até mesmo as pedreiras de reservas calcárias de Arcos são sistematicamente contrabandeadas no lombo do trem de ferro. Daí, pergunto-me: Há liberdade democrática em Minas? Ou apenas democracia formal? Liberdade só para motivo de desfiles e discursos em Ouro preto, no dia 21 de abril?
Com relação ao Conselho, que se fosse bom ninguém daria, só espero que as pessoas eleitas procurem conhecer, com o coração e com a sensibilidade, com olhos livres de vaidade, de ganância, de preconceitos e sem competição toda riqueza cultural deste território. Espero que vejam além da Praça da Liberdade, dos jogos de poder da Cidade Administrativa, do Palácio da Liberdade, do Palácio das Artes, dos ares da moda, das academias e de outros palacetes da cultura “mineira”. É no sertão da voz, da palavra não domesticada, da música natural das águas, nas pequenas cidades e comunidades rurais que floresce a maior riqueza.
Apesar da labuta e da vida singela que levam. Não estou descartando nem desvalorizando, com isso, o que se faz e se produz com autenticidade e qualidade aqui na capital, em nenhuma das áreas da arte e da cultura. A questão é que existe muito mais em Minas do que isso e com igual força e importância. E não me venha dizer que, pelo fato de ser rural, de ser do interior, de ser artesanal, é conservadora ou desintegrada do que antigamente se chamava de vanguarda, coisa que nem existe mais e que muitos ainda teimam em defender. Da mesma forma que defendem, em vorazes campanhas eleitorais, sua fatia fatal no já desgastado latifúndio (cultural) mineiro, via Leis de Incentivo. Diga-se de passagem, depois da criação das Leis de Incentivo e do famigerado Marketing Cultural, descoberto pelas grandes empresas, os artistas, a sua maioria, viraram produtores e se tornaram inimigos comuns. Hoje, raramente se vê colaboração entre grupos de artistas, a não ser que esteja mediada por um bom cachê, via incentivo. Nem me refiro aos lobbies e as inevitáveis negociatas para garantir a captação dos projetos aprovados.
O pior é depois desse expediente legal, as obras produzidas já nascem estigmatizadas e condicionadas pela política cultural, criada pelo departamento de marketing da empesa apoiadora. Ou seja, quem não concordar ou não adequar a esta política, estará, automaticamente fora do processo. Com raríssimas exceções são produções de entretenimento, desideologisadas, descomprometidas com a vida mesma da sociedade, com seus sonhos e contradições.
Bem, quem dera Minas valorizasse e defendesse, de fato, suas águas e suas culturas. Nem precisaria destruir suas montanhas para angariar recursos. No futuro e, praticamente já e uma realidade, água e cultura valerão mais do que ouro em pó. Vejam só, oh! Quem diria. Minas sem mineiro. Mineiro sem montanhas. Quem não se lembra do belo poema Tristes Horizontes, publicado no maior jornal dos mineiros na década de 80. Minas sem água e sem cultura.
Minas sem alma. Sem futuro. Minas sem aura. Sem glória, sem Glaura. Adeus Minas de tantas andarílias Marílias sem Dirceu. Minas a Deus da dará.
E os Gerias. Ah! OS Gerais? Mire e veja; O Senhor sabe de saber mais fundo. Imagine. Os Gerais descansam, descambam, decantam, desparecem, cantam em campos e cerrados muito mais além de Minas. Muito mais que muitos. Da parte dos homens de sangue nos olhos. Dos que gosto de tanto mais saber de olhar no rosto. Ora se não. Pois seja.
“Mas, da parte do poente, algum vento suspendia e levava rabos-de-galo, como que com eles fossem fazer um seu branco ninho, muito longe, ermo dos Gerais, nas beiras matas escuras e águas todas do Urucúia, e nesse céu sertanejo azul-verde, que mais daí a pouco principiava a tomar rajas feito de ferro quente e sangues. Digo, porque até hoje tenho isso tudo do momento riscado em mim, como a mente vigia atrás dos olhos.”
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