Retirado do Cultura e Mercado em 18/03/13 do endereço:
http://www.culturaemercado.com.br/gestao/gestao-cultural-em-analise/
Por Raul Perez
Boa formação, repertório, disciplina, visão estratégica e humildade. Esses são, na opinião de Ilana Goldstein, os principais atributos que um gestor cultural tem que reunir. Mestre em Antropologia pela USP e doutora em Antropologia pela UNICAMP e atualmente docente e coordenadora do MBA Bens Culturais da Fundação Getúlio Vargas, ela transita entre o ambiente acadêmico e a consultoria de gestão cultural.
Ilana acredita que é necessário disponibilizar e integrar as pesquisas que vem sendo feitas nos últimos anos sobre o setor cultural. “Sem dúvida, é um grande avanço que tenhamos começado a buscar indicadores e a mapear preferências e carências no setor cultural”, afirma.
A consultora falou ao Panorama Setorial da Cultura Brasileira sobre o perfil do gestor cultural no Brasil. Agora, em entrevista ao Cultura e Mercado, ela deixa suas impressões, a partir de uma visão macro, sobre ferramentas, modelos e o contexto de trabalho desses profissionais. Confira:
Cultura e Mercado – Em entrevista ao Panorama Setorial da Cultura, você afirma que não há algo como uma articulação entre as diferentes políticas culturais do Brasil. Na sua opinião, qual é o ponto de partida para que ela aconteça?
Ilana Goldstein – Não sei se existe um único ponto de partida. Mas duas medidas que me parecem fundamentais são disponibilizar e integrar as pesquisas que vêm sendo feitas nos últimos anos. Sem dúvida, é um grande avanço que tenhamos começado a buscar indicadores e a mapear preferências e carências no setor cultural. A França pauta suas políticas culturais em pesquisas sobre as práticas culturais dos franceses desde a década de 1970. No Brasil, até dez anos atrás, não havia nada nesse sentido.
Agora, já temos pesquisas sobre a cadeia da moda, sobre o setor audiovisual, sobre museus, sobre livros e leitura, sobre o consumo cultural no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas que foram desenvolvidas e divulgadas de forma isolada. Ora, além de produzir pesquisas e mapeamentos, é preciso torná-los públicos, discuti-los, compará-los e levá-los em consideração na hora de reformar a legislação, criar programas, formular editais, propor linhas de financiamento, definir patrocínios etc. De nada adiantam pesquisas engavetadas. Falo com conhecimento de causa, pois eu mesma trabalhei em uma pesquisa contratada pelo MinC sobre exposições de arte contemporânea no Brasil, em 2010, que não foi publicada até agora e não me parece ter influenciado as políticas para o setor, nem ter sido disponibilizado para equipes que desenvolveram as outras pesquisas.
CeM - Quais ações estratégicas, de instituições públicas e privadas, ajudariam na consolidação de uma cadeia da cultura “saudável”?
IG – Em primeiro lugar, acho importante garantir recursos humanos qualificados e motivados. Observando as vagas que surgem para o Ministério da Cultura e para as Secretarias Estaduais e Municipais de Cultura, nota-se que os salários costumam ser baixos, não há planos de carreira atrativos e a maioria das decisões estratégicas se concentra em cargos comissionados que mudam com as oscilações políticas e partidárias. Isso prejudica a continuidade das ações e o acúmulo de know how nas instituições.
No setor privado, meus alunos do Centro Universitário SENAC e da Fundação Getúlio Vargas também relatam uma certa precarização – carga horária excessiva, remuneração abaixo da média, baixo índice de contratação formal. Nos últimos anos, têm surgido cursos livres, cursos de graduação e, sobretudo, de pós-graduação, voltados ao aprimoramento profissional dos diversos agentes do setor cultural. Isso ainda não se traduziu em melhorias significativas nas condições de trabalho. Talvez um passo adiante seja dado se houver a regulamentação das atividades de produção e gestão cultural. De todo modo, vejo com bons olhos o aumento na procura de formação continuada pelos profissionais da cultura.
Dois outros elementos que contribuiriam para o que você chamou de “cadeia da cultura saudável”, na minha opinião, são: desburocratizar/simplificar os processos (penso, por exemplo, nas exigências documentais das leis de incentivo fiscal, na prestação de contas que os Pontos de Cultura têm dificuldade em fazer, e no fato de que empresas culturais pagam os mesmos tributos que uma outra empresa qualquer); e não deixar de incentivar a pluralidade e a diversidade (para que todas as manifestações encontrem espaço e meios de se realizar, da música de concerto ao funk, da Mostra Internacional de Cinema à literatura de cordel, das indústrias culturais às cooperativas de artesãos).
CeM - Existe uniformidade nos modelos e ferramentas de gestão para o setor cultural, ou a maior parte ainda é criada de acordo com as adversidades?
IG – Pelo que tenho visto em minha experiência, não existe qualquer consenso ou uniformidade nesse campo. Há quem utilize apenas o formulário do edital ou da lei de incentivo como norte, deixando de fora tudo o que não é exigido ali, e criando um documento que serve mais para conseguir a aprovação de sua iniciativa do que para pensar com cuidado sobre seu planejamento. Há quem desenvolva projetos interessantes com base em anos de experiência prática acumulada, sem utilizar formas sistemáticas de planejamento e gestão. Também já vi quem tentou aplicar ao terceiro setor modelos de gerenciamento de projetos nascidos na engenharia, como aquele do Project Management Institute, mas desistiu em virtude da complexidade do método e de sua inadequação ao setor cultural.
Um dos problemas é que a bibliografia sobre ferramentas de gestão cultural ainda é escassa. Outro complicador é que os profissionais das artes e da cultura muitas vezes têm alergias a planilhas, números e indicadores de resultados. Eu, pessoalmente, nos projetos que gerenciei e nos cursos em que dou aula, incentivo a utilização de algumas ferramentas adaptadas de outras áreas, como o diagnóstico participativo, a análise SWOT, a árvore de problemas, a árvore de objetivos, a matriz de avaliação, o cronograma da Gantt e o Marco Lógico. Estou convencida de que é melhor pecar pelo excesso de planejamento do que pela falta. É de que é melhor demorar um pouco a iniciar o projeto ou programa, mas ter clareza de seus objetivos, de seus riscos, de suas etapas metodológicas e das formas pelas quais os resultados serão avaliados no final. Sim, porque a avaliação, embora seja uma ferramenta crucial de aprendizagem para a equipe, muitas vezes é improvisada, lembrada apenas no final do projeto – quando já é tarde demais para produzir registros do processo.
CeM – Na sua opinião, quais qualidades um bom gestor tem que reunir?
IG – Algumas das competências são variáveis, já que o gestor cultural pode atuar numa miríade de frentes, do mercado editorial a uma unidade do SESC, da direção de uma companhia de dança à coordenação de uma O.S. Em cada um desses lugares, o gestor buscará desenvolver habilidades específicas. Agora, dentre as qualidades básicas e gerais, eu destacaria: 1. uma formação acadêmica sólida, que permita sustentar conceitual e metodologicamente o seu trabalho, e que garanta a capacidade de tecer relações entre os fenômenos culturais e seus contextos; 2. um repertório amplo e em constante atualização, por meio da leitura de livros, blogs, jornais e revistas, da frequência regular a espetáculos, seminários e exposições; 3. organização, persistência e disciplina (isso se traduz, por exemplo, na construção gradual de uma rede de contatos diversificada e confiável, na habilidade de priorizar as tarefas e administrar o tempo e no controle permanente dos orçamentos); 4. visão estratégica (que compreende pensar a curto, médio e longo prazo, detectar oportunidades e ameaças, buscar possibilidades de sinergia e parcerias); 5. abertura e humildade para aprender com os erros e para aceitar sugestões da equipe ou de outros stakeholders. Alguns desses atributos são fortalecidos por cursos e oficinas, mas outros dependem do acúmulo de experiências e de auto-análise ao longo de nossa trajetória pessoal e profissional.
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