Por Phyl D. Martins · Belo Horizonte, MG
“Mesmo sendo soldados da paz, temos que estar preparados pra guerra" Hudson
O homem tem sorriso fácil, lábia boa e o corpo marcado por estouros de revólver. Foram três calibres diferentes usados em regiões diversas de seu corpo. Os passos dele são um pouco desalinhados e falta-lhe um dos olhos, fenda sutilmente disfarçada por um olho de vidro. Hudson tem o rap da paz e o da guerra na ponta da língua e tem lastro o suficiente para tocar a segunda maior favela do Brasil com seu testemunho.
Todo o Aglomerado da Serra conhece Hudson Iceband, um dos criadores da Rádio Favela, fomentador da cultura Hip Hop, que, quando jovem, foi um criminoso destinado às celas e à morte. Sua figura era temida por crianças e suas ações causavam pavor ao redor. A mudança veio, e não construiu um herói ou o estereótipo pronto do bandido convertido ao bem, mas um repertório orgânico da evolução racional - um cartão de visitas popular reafirmado por sua trajetória.
Dentro de seu carro, pelas ruelas do morro, a passagem dele gera um impacto mínimo nos passantes, que o olham e lhe abrem um sorriso, talvez sincero, talvez diplomático. Desde 1997 ele desenvolve o projeto “Hip Hop - Educação Para Vida”, mediando conflitos entre alunos das escolas públicas por meio de atividades criativas. Os objetivo são impedir que crianças e adolescentes ingressem no mundo do crime e fazer valer a cultura da favela, considerada marginal.
O convite dele é ele mesmo, apresentando uma história mais comum do que se possa imaginar, guardadas as devidas proporções, e algumas alternativas de expressão artística. Ontem (23/03), por exemplo, seu projeto ocupou o Centro Cultural Vila Marçola, onde o rapper se apresentou para uma gurizada eufórica e faminta por rap. Lá, proporcionou também a primeira apresentação do grupo Garottas Bad, composto por jovens moradoras do Aglomerado e participantes do projeto de Iceband. Teffy Angel (Stéphannye, 17 anos) é uma das vocalistas do grupo e se sentia “suave” por mostrar para o público suas pŕ;;;;oprias composições.
Além de fomentar “a troca das armas por microfones”, o projeto, vencedor do prêmio Bom Exemplo 2012, evidencia a estética crua da comunidade, com todas as suas possíveis distor
ções do padrão social estabelecido pelo senso comum. O quadro era o seguinte: Indi (Indiara, 17 anos), integrante do Garottas, no alto de seu estilo, encarava seu primeiro show. Com uma mão agarrava o microfone, com o ombro mantinha uma fralda de pano e com o outro braço nanava seu filho, o pequeno David, de 8 meses.
Talento não é o ponto central, e sim a participação efetiva da comunidade, num esfoço coletivo de agentes culturais e mobilizadores sociais, que se empenham diariamente em deixar claro aos moradores as possibilidades de não serem tatuados pelas marcas da violência, bem como se agitam nas provocações à efervescência cultural.
Matheus M-Hesh (10, irmão de Teffy Angel) foi um dos que se apresentaram pela primeira vez. Ele performou “Rolex”, um trabalho autoral inspirado no cantor americano Jay Z. Hugo Iceband, logo no princípio desta narrativa, já havia notado que, para que seu convite fosse aceito, teria que conduzir a situação a partir de um viés sagaz: o da realização de desejo. Até mesmo de quem, por conta da pouca idade, pode não saber realmente o que desejar.
Confira as fotos - http://bit.ly/X2KFzq
Retirado do Overblog em 26/03/13 do endereço:
http://www.overmundo.com.br/overblog/rap-percurso-e-cicatriz
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