quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A análise do espetáculo
 

Texto de autoria de  Manoel J. De Souza Neto, originalmente publicado no canal Tribuna do site Cultura e Mercado em 24/11/2008.

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Os olhares lançados sobre a política cultural neste artigo fazem mais sentido sendo abordados no contexto da redução apresentada anteriormente, onde a questão central no papel da política cultural esta no conceito: "A política cultural não é a cultura! Política é manutenção do poder! E cultura, neste contexto é apenas instrumento de poder!"

Para o poder a cultura é pano de fundo, entretenimento para as massas. Público na platéia, marionetes da história? No palco o governo e grande elenco na encenação do Homme de Paille* com seus bastidores, coxia, cortina, palco e alçapões. A ideologia na política cultural é instrumento de intelectuais, provedor de visões de mundo na formação do controle social. Pelo menos é assim que alguns pensadores a serviço do poder estatal insistem em tratar do assunto. A cultura é poder, nas bases, das cidades para o Brasil!

Misturando um pouco as teorias apresentadas por Gramsci, Debord, Bourdieu e Adorno entre outros. A cultura em relação ao poder nos estados totalitários, sejam ditaduras ou em outros modelos de estado, está intrinsecamente relacionada e utilizada invariavelmente como instrumento de dominação, hora no populismo e na valoração de ícones e modelos nacionais, ou, como retórica da transformação social que os condicionada aos valores do poder estabelecido. Em ambos os casos os exemplos como fascismo na Itália, nazismo na Alemanha e o comunismo na Rússia, China e Cuba. Em estado liberais como os EUA e Inglaterra, a mensagem e a intenção do estado são definidas em consonância com os interesses do mercado, sendo este também condicionamento, dominação e imposição igual aos exemplos anteriores. Os principais conceitos e programas governamentais para a cultura em geral são apenas linguagens pelas quais os estados se expressam, elaborado por um conjunto de notáveis e influentes pensadores, intelectuais ou não, construtores de visões de mundo. Constantemente, sendo utilizada como peça pelo estado. A cultura é um instrumento deste teatro.

No atual estágio da política pública para a cultura será que temos aqui mais uma construção espetacular? Que me desculpem nossos amigos das cênicas, mas a metáfora da política com o teatro não é uma invenção muito nova, por isso, me perdoem se o texto deixar revelar uma relação paradoxal entre atuação, ilusão e mentira como relações de seu universo e das relações internas da classe teatral. Se assim parecer é porque a intenção também é esta, se quiserem sintam-se ofendidos, mas poderemos continuar amigos.

Não apenas no teatro, os atores se manifestam com atuações em que encarnam personagens, mas também na política. Logo imaginem no que resulta a fusão entre a política e a cultura onde existe aproximação imediata dos campos criativos, artísticos e políticos?! Esta idéia fica bem mais clara com a magnífica citação que ouvi a alguns anos de uma colega ex-secretária de estado da cultura do Paraná, da qual não preciso revelar o nome: "O problema, é que neste teatro a atuação é muito boa…", referindo-se a política cultural durante uma conversa informal.

O campo que tratamos aqui é o da cultura em seus níveis profundos, porém não é isto o que efetivamente está em cena. A reflexão correta seria através da perspectiva filosófica, porém, esta é menos visível em um universo pragmático. O mais próximo da realidade, pelo menos para a maioria das pessoas, é o visível, o imediato, longe porém daquela observação proposta, não, pelo menos da forma apresentada. Com mais aprofundamento poderíamos compreender o que é chamado de "essência". Mas o máximo que conseguiremos aqui em poucas linhas será observar o superficial, o que revela a "projeção", no espelho. Neste caso, efetivamente estamos observando uma interpretação. O visível é aquilo que interessa as massas, digno de comoção aplauso ou vaia, amor ou ódio. Logo, este é o local onde estão aqueles que detêm a palavra e posições de discurso. Por isso o banquinho sempre esta ocupado. É neste jogo de cena, que vamos focar a luz, no banquinho que esta ao centro do palco, onde as atuações são mais visíveis. Assim poderemos comparar à atuação feita no palco e seu reflexo, diferenciando-as das intenções e significados anteriores às projeções.

Este é o cenário promovido pela política, onde a visão de mundo é a essência, esta fica nos bastidores, a política aplicada e difundida através de programas e eventos revela apenas o espetáculo que ocupa o palco.

Quem determina as palavras ditas são aqueles que têm posição de mando em um jogo político, que é descrito como um jogo de soma zero, pois o lado que não tem o poder, não tem nada. É uma idéia que discordo particularmente em grande escala, pois não podemos ignorar os pequenos poderes atribuídos a cada um, na perspectiva apresentada por Foucault em micro-física do poder. Porem existem super-poderes atribuídos a quem manda aparentemente no estado, que é o partido majoritário, a frente da Presidência da República e responsável por acordos, que se bem feitos, garantem a maioria no congresso e o monopólio da chefia de diversos órgãos, empresas publicas e ministérios. Este é o modelo de governo que detêm o poder.

Tratando-se do estado o que não é dito, diz mais do que é dito, de onde é dito, em que lugar, ou  como é, revelando o que pretendem os discursos. Ás vezes, dizem mais as luzes e as flores do que o próprio discurso. Apesar disso, é apenas o evento que importa na maioria dos casos para os envolvidos, por isso o espetáculo é o que efetivamente sacia o espectador e não o conteúdo.

A estrutura do enredo, o roteiro não começa nunca no palco, ela tem inicio em reuniões, acordos, planejamento, logística, projeto, captação, para daí sim, passar para a seleção de elenco, vários ensaios, correções, formação de repertório, trilha sonora, departamento de marketing, assessoria de imprensa, até que possa ser encenada.

A política cultural vigente é fruto de poderes de grupos de interesses na economia e no estado, sendo disfarçados como interesse público graças a um refinamento do discurso sem paralelos em outros setores, comparada unicamente com o que ocorre na comunicação, portanto facilmente iludindo o espectador. Ou seja, uma peça muito bem produzida! Pelo menos no teatro o contexto, a cena e a interpretação demonstram a intenção de se dizer verdade, sem em nenhum momento deixar dúvidas de que se trata de uma grande ilusão. Na política cultural ao contrário do teatro, o posicionamento político salta, condicionando o espectador a observação apenas do palco e não da peça total, com tal crueza de interpretação apresentada em cena, que aproximam a platéia do suposto tema, sem ao menos estes perceberem que estão sendo englobados pela pirotecnia, responsável por esconder o enredo. Esta encenação que hipnotiza, destrói o significado, mitifica e distância o espectador da realidade. Subjetiva a mensagem, reduzindo ao que foi dito e não aquilo que significa, que antes de tudo, é uma encenação que se diz verdadeira, afirmando que não existe ilusão! Parece teatro, mas dizem que não é! Parece ilusão, mas dizem que é real! Parece mentira, mas juram que é a única verdade!

Indo ao centro da cena, se de fato os governos fazem acordos puramente setoriais, que interessem apenas ao momento, alternando as relações em detrimento dos demais. É verdade também que isso ocorre porque aquilo que é chamado de estado é incapaz de atender a todos, naquilo que pretende, por isso programas, administração, leis, decretos e até mesmo a constituição acabam por ser apenas frágeis mentiras, incapazes de serem efetivadas. O estado é no fundo uma estrutura social que existe apenas na documentação oficial, mas é apenas um choque entre suas premissas e a realização ou não destas diante de dinâmicas sociais e interação de poderes. Desta tensão, entre os direitos fundamentais, governabilidade, manutenção do poder, cultura política, é que as intenções se desfazem no ar diante de interesses, apenas efêmeras, passageiras ilusões.

Lidar com esta inconstância esquizofrênica de papéis, exige dos atores sociais presença de palco e poder de mensagem, interagindo em vários níveis, assumindo diversos papéis na produção, sendo ainda diretores, atores, maquiadores, maquinistas, agentes e ao mesmo tempo atuando como platéia diante de quem esta nos camarotes, enquanto agem na surdina na bilheteria. Porém o espetáculo não basta, tem que ser bom e prender as massas, daí a idéia de que o partido, não pode ser apenas partido, para atuar bem, tem que ser também governo. O problema é que para manter a encenação, o governo atua tanto, que acredita que também deve ser estado. Porem ninguém acreditaria no espetáculo, logo este tem que ter o controle das massas, criando o estado a sua imagem como a própria nação. Logo o delírio de um partido, que tem que ser uma nação!

Um governo quando entra em cena, detêm este aparato para a pirotecnia. Fora deste contexto, não é detentor do espetáculo, sendo apenas coadjuvante. E poderia ser diferente? Mais participativo? Democrático? Menos centralizadora a ação de um governo na direção do espetáculo? Um partido pode querer ser o único ao centro, todo poderoso na direção dos atores. Porem nenhum poder consegue ser exercido sem a força, que no caso da política é a base, ou a militância para ser mais claro. Logo o poder não é exercido sozinho, não é o governo que determina a pratica e sim os costumes e a cultura política da base. Um partido antidemocrático manifesta ações equivalentes desde a base em seu teatro amador.

Mesmo amadores, nossos atores sabem interpretar a peça, por ensaiarem sua atuação a muito tempo. Mas afinal se a cultura é para todos, porque atuar para tão poucos uma peça de nível como esta? A peça acaba por se dividir entre aquilo que deve ser apresentado a cada publico, fragmentada para que todos tenham boas opções de entretenimento. Por isso os muitos canais, redes e equipamentos culturais ideológicos do estado, fracionados as suas conveniências. Cada público assiste a uma peça, para alguns o apresentado é um monólogo, para outros é drama, comédia, suspense, e ainda para alguns não será nem permitido entrar no teatro. Mas o povão como todos sabem, não vai ao teatro! Por isso não vê o espetáculo, só o da Tv!

Enquanto isso, todos com seus respectivos posicionamentos e interesses, seguem em mais reuniões, câmaras, colegiados e também seminários! O "silencio dos intelectuais" para o governo é melhor do que as palavras proferidas ao vento que revelem algo, ao contrário, preferem os discursos, aqueles que não levem a nada, a não ser a "babação" na gravata. Por exemplo, no centro do que é comumente chamado de "mundo da arte", onde o debate esta estagnado entre cânones estéticos da crítica que define o que é "arte" e "não arte". Ou em ambientes de acadêmicos, onde os trabalhos são no geral voltados apenas a outros acadêmicos, nunca se constituindo em alguma ação real. Estes discursos ideológicos sempre serviram apenas para auto-afirmação de grupos detentores de poder simbólico, que habitam estes campos. Por isso os eternos debates entre as classes, coordenadas pelo governo entre artistas, acadêmicos e poder econômico. Os debates nestes casos são excelentes distrações para ocupar os espectadores e a crítica. Nos bastidores esta a verdadeira atuação política.

Se realmente tratamos de uma atuação, também resta uma dúvida, será que todos não estão atuando seus respectivos papéis esperando a apoteose final, glórias, lagrimas, êxtase e aplausos? Para após o espetáculo continuar a encenação levando o desfecho para a coxia? Será que alem do governo, outros também estão atuando? Mais um melodrama? Por isso pergunto, aplausos para quem? Para a esperança? Para o financiamento? Para a reforma da lei? Para o Plano Nacional? Para o Sistema? Para o Conselho? Para tudo o que é visível!? Ou ao elenco? Ao diretor? Ao Autor? Ou quem sabe apenas aos atores coadjuvantes? Será que os aplausos devem ir para o faxineiro? Quem sabe a performance ao varrer o cenário para o alçapão lhe renda de algum companheiro um Pronac na mão? Não tem palco pra ninguém! Só para quem é da trupe! O resto que vire artista mambembe! Retirante!

Todos já estão convencidos que a política cultural ao seu tempo, é algo, mais ou menos escancarado, que apenas instrumento de dominação partidária e manutenção do poder? Quem defende o estado do estado? Por isso a pergunta, quem representa o verdadeiro interesse público? Não me parece ser o público e muito menos o estado. É cada um por si! Infelizmente, cada qual com seus problemas e com suas solicitações setoriais.

Mas no roteiro, a última cena é uma história com final feliz! Acaba com os aplausos e  elogios. Na critica no dia seguinte os comentários dizem que cultura esta em primeiro plano, o povo foi atendido, a diversidade cultural esta sendo valorizada, o povo esta no comando das ações, ocupando o centro da cena! (?) Mas o espetáculo que se diz verdade é no fundo apenas um teatro, onde na verdade todos os atores estão atuando para si mesmos e para seus aliados, em um estado dentro do estado composto pela direção de um partido. Todos os atores são trabalhadores da mesma companhia de teatro! Assim opera a política cultural em um estado, na base do, "companheiro unido jamais será vencido!".

Vamos reduzir mais uma em conceito:

Quem determina a política cultural é o partido do governo vigente e suas lideranças. Logo um partido que pretende estar no poder, quer estar no centro do palco. A cultura política dos atores envolvidos determina a política cultural a ser aplicada. A visão de mundo dos mesmos é a visão de estado que será aplicada como a cultura para todos. Cultura Política reflete na Política Cultural.

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* Homme de Paille (Fantoche). Em Marx, 18 Brumário, nota rodapé pág 64. No teatro apresentado por Marx, os atores são impelidos aos próprios desejos, os representantes desta sociedade esqueceram de suas prerrogativas, compromissos, credos, ideologias, tudo, em nome dos próprios interesses, acreditando fazer o certo, porem não passam de fantoches nas mãos de Napoleão III. Mesmo assim existe uma clara distinção entre cena e bastidores, algo ignorado pela maioria dos atores envolvidos no contexto descrito por este artigo.

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