quarta-feira, 13 de abril de 2011

O efêmero insustentável

Publicado originalmente por Leonardo Brant no Cultura e Mercado e retirado em 13/04/2011 do endereço:

http://www.culturaemercado.com.br/conversacao/comecodeconversa/o-efemero-insustentavel/

Há tempos venho defendendo a substituição da lógica do projeto para a do empreendimento na avaliação das leis de incentivo à cultura. O Estado deixaria de olhar para uma ação pontual e passaria e concentrar sua atenção no desenvolvimento de negócios culturais, planejados e sustentáveis, e sua relação com toda a cadeia produtiva.

Além de diminuir substancialmente o volume de propostas analisadas, o MinC focaria seus esforços no desenvolvimento da atividade cultural e não nessa insana operação tapa-buracos que se transformou a gestão da Lei Rouanet, um mecanismo que já se tornou motivo de chacota na imprensa e sinônimo de privilégio de poucos, perante a opinião pública.

Penso que somente uma mudança estrutural na Lei Rouanet seria capaz de alterar esse descrédito da sociedade para com o setor cultural.

Com critérios mensuráveis, como tempo de existência do empreendimento, número de pessoas envolvidas, perenidade e força das relações profissionais e trabalhistas, estágio do desenvolvimento do empreendimento e importância para a cadeia produtiva, além daqueles já inseridos no Procultura, como acessibilidade das ações e compromisso público com a atividade cultural realizada, garantiriam o melhor desempenho do mecanismo.

A vantagem desse modelo é que o patrocinador volta-se para uma relação com o empreendedor e não com o projeto, mais facilmente apropriável pelo poder econômico. O empreendedor passa a enxergar suas atividades a partir de um planejamento mais duradouro, focado em sua atividade artística e sua relação com o público, e não no patrocínio e numa relação frágil e pontual.

Para acessar o instrumento seria necessário o desenvolvimento de um plano de negócios. Com esse estímulo, os empreendedores teriam maior capacidade de enxergar sua atividade como uma plataforma de oportunidades: de linguagem, de relação com o público, de gestão e financiamento.

Isso não significa necessariamente uma subordinação da cultura a uma lógica econômica. Pelo contrário, o incentivo estatal funcionaria como um estímulo e uma garantia de sobrevida do empreendimento, mesmo sem se preocupar com o retorno financeiro a curto prazo. A economia a serviço do cultural e não o contrário.

O incentivo teria de ser por tempo limitado (5 anos, por exemplo). Dependendo da natureza do empreendimento (se a finalidade é lucrativa ou não, por exemplo) ele poderia continuar a receber os recursos, estabelecendo uma proposta de ampliação do objeto e do atendimento à população.  O acompanhamento das metas e objetivos seriam mais rígidos com esses proponentes e a ação do MinC mais qualificada, auxiliando a construir ferramentas de gestão contemporâneas, de forma colaborativa.

Disponibilizado em rede e em programas de formação continuada, o setor cultural teria condições de garantir o objetivo maior do programa, que é estruturação do setor, o estímulo à produção e a formação de redes de colaboração e circulação de arte e cultura.

Um fundo autônomo, outro instrumento que defendo há muito, muito tempo, atuaria em ações estruturantes, no investimento em infraestrutura e sobretudo em pesquisa e experimentação, estágio em que a atividade cultural ainda não se configura (nem quer configurar) como negócio.

Não devemos mais falar em área de atuação cultural, ou de fundos setoriais. Isso é coisa do século passado e serve somente para reforçar igrejinhas e sistemas de poder em torno de uma resistência que não é cultural, mas sim política e econômica.

Hoje, a produção cultural é tão sincrética que já não conseguimos definir os limites do cinema, das artes visuais, do teatro, dança, ou da música. O maracatu pra mim é melhor exemplo disso. Impossível classificá-lo, a não ser que criemos uma nova categoria de análise e financiamento. Isso geraria infinitas igrejinhas e sistemas de representação e classes estimuladas pelo Estado, além de estancar a produção cultural, que deixa de evoluir para atender aos interesses de “classes”. A atual disputa de espaço pelo MinC é um claro sintoma disso.

Os editais criados pelo Estado nos últimos anos segue uma lógica inversa aos movimentos da sociedade. Transforma linguagens artísticas em nicho de atuação política, movimentos espontâneos em atividade econômica e direitos culturais em privilégios de classe.

O Procultura está no Congresso e é lá que deve seguir sua trajetória, com debate público qualificado e propostas concretas de alteração do texto da Lei. Um novo começo de conversa.

Leonardo Brant http://www.brant.com.br

Pesquisador independente de políticas culturais, autor do livro "O Poder da Cultura". Diretor do documentário "Ctrl-V | VideoControl, criou e edita o site Cultura e Mercado. É sócio-diretor da Brant Associados, consultoria para desenvolvimento de negócios culturais. Para mais artigos deste autor clique aqui

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