quinta-feira, 13 de setembro de 2007

MODERNOS E/OU OPRIMIDOS





A participação dos “oprimidos” tem sido constantemente suprimida da história oficial do mundo moderno. Construiu-se uma história oficial que reproduz uma ideologia, uma história do colonizador e desbravador europeu, onde índios e negros estavam relegados a coadjuvantes – oprimidos, mas coadjuvantes. A ausência do oprimido como construtor de história torna inviável qualquer análise da cultura brasileira, da colonização do mundo contemporâneo. Assim, tento chamar atenção no sentido de que, para além de ser mero espectador das peripécias do elemento europeu que aqui aterrisou, índios e negros também participaram da construção da colcha de retalhos que é a cultura brasileira. O que não quer dizer que a relação racial fosse harmônica. Pelo contrário, a construção do país se deu sempre pela assimetria de forças, uma modernidade que se construiu na ponta da baioneta.

Certa vez, Euclides da Cunha enxergou o tamanho da ignorância no Brasil: a Guerra de Canudos tornava ululante o quanto os homens do litoral – os poderosos – não conseguiam enxergar um palmo à frente de seu nariz, querendo a todo custo destruir um arraial no sertão da Bahia porque esse representava, teoricamente, um grande perigo à república que se instalara recentemente na capital. Ignorância essa que não os deixava perceber que tanto fazia, fosse república ou monarquia, o impacto do sistema político adotado era nulo na vida daquelas pessoas. O sertanejo nordestino é, desde então, e desde sempre, um outro marginalizado na construção da história oficial do Brasil. Só aparece como peso morto a ser carregado – e massacrado – pelo sudeste.

A assimetria de relações é então mascarada na forma de termos considerados politicamente corretos. Imagens e palavras sobre o multiculturalismo e diversidade cultural inundam nossas curtas vistas. Esses dois termos-chave, apregoados como próprios do Brasil moderno, todavia, não têm sentido senão enquanto pura retórica, a qual não alcança o âmbito das coisas políticas. O discurso da beleza da diversidade e do multicultural inviabiliza o questionamento político do lugar das culturas negra, indígena, amazônica e nordestina – entre outras possíveis – na construção do Brasil, e, assim, a diferença é reduzida pelo multi, pelo pluri. Diferença cultural é diferença política, e está não se traduz em termos politicamente corretos e conservadores.
Modernos e Oprimidos

As implicações desse tipo de questionamento são amplas, mas me concentrarei num só ponto: necessidade de revisão, sobre outros parâmetros, da forma como o Brasil tem sido percebido por ele mesmo. A predominância de um ponto-de-vista do sudeste, por sua preponderância econômica dentro do país, ofusca todas as possibilidades de outras histórias do Brasil construídas por nordestinos, caboclos, negros e indígenas. E a ciência, que se postulava neutra, tem, no entanto, reproduzido esse ponto-de-vista e adotado a mesma perspectiva unilateral. O questionamento que aqui proponho, se por um lado não oferece bases para nenhuma revolução política, por outro deixa no ar que, aquela mesma ignorância de que já nos tinha advertido Euclides da Cunha, continua por aí e não permite que brasileiros tenham contato com outras histórias que podem também ser contadas.


NETO, Arnaldo Lôpo MontÁlvão. MModernos e/ou Oprimidos. In Revista Mucury. set/2007,ano 1, nº 1. Teófilo Otoni, MG.p.05.

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