sábado, 22 de dezembro de 2007

Cultura e Tristeza no Brasil

“Numa terra radiosa vive um povo triste [...] legaram-lhe essa melancolia os descobridores que a revelaram ao mundo e a povoaram”. Esse é o Retrato do Brasil desenhado por Paulo Prado (1928), para quem toda essa tristeza do povo brasileiro vem da intensidade de apetites sem ideais durante a formação do Brasil, onde luxúria e cobiça sobrepuseram-se a quaisquer parâmetros éticos e morais. Ao lado do excesso do sexo, a fascinação pelo ouro teria provocado o enfraquecimento da energia física e diminuição da atividade mental dos frutos da mistura de raças.

Aventura sexual, cobiça e aversão ao trabalho: teriam sido essas, segundo Prado, as maiores barreiras a uma visão positiva do trabalho, principalmente entre setores dominantes, que delegavam, na ponta da espada, essa arriscosa tarefa aos índios, negros e toda sorte de mestiços. A cobiça foi o motor insaciável da expansão do Brasil, adentro de si mesmo, e a luxúria foi o motor insaciável da miscigenação. Segundo Prado, mais do que isso não poderia se esperar de um país que é inicialmente colonizado pela escória européia – degredados, náufragos e outros aventureiros em busca da fortuna –, uma amálgama de “linajes obscuros y bajos”.

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Bem, que povo é esse descrito por um filho dileto da elite cafeeira paulista? Que imagem contrastaria mais com aquela compartilhada por muitos de nós de um país alegre e paradisíaco? Para essas questões, poucos anos depois de Prado, Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil (1936), propõe ao Brasil uma identidade que não é apenas algo ainda em aberto, mas uma sociedade nova, portadora de ambigüidade, fruto da colonização européia, mas que não se amolda bem a sua herança. E, em Visão do Paraíso (1977), Holanda mostra que a imagem de um país paradisíaco nunca foi muito difundida entre os portugueses – apesar de ser uma imagem corrente da América para os vizinhos espanhóis. Assim, a colonização portuguesa nunca teve o caráter civilizatório que pregava Gilberto Freyre em sua vasta obra, predominando sempre o caráter exploratório – não havia paraíso na terra.

Todos os “excessos” descritos por Prado, e o projeto exploratório para Holanda, culminaram na impossibilidade de desenvolvimento de instituições políticas e sociais condizentes com as características culturais do Brasil. Tentou-se sempre copiar as que deram certo em outros países: o sistema político, a organização do Estado e sistema jurídico, entre outros. Todas essas instituições, quando aqui integradas às relações sociais, ou aprofundaram e reificaram a desigualdade das relações sociais, favorecendo determinados setores, ou serviram como mera fachada que apenas encobria outros tipos de ações duvidosas.

Como não existir uma parcela significativa do povo que viva constantemente triste e melancólica nesse país? Não devido aos excessos libidinosos dos nossos colonizadores centenários, mas à cobiça histórica e descarada do que comumente se chama “elites”. Travestidos hoje em figurões de terno e gravata – traje, aliás, não muito coerente com o clima local –, muitos dos degredados, náufragos e aventureiros do passado circulam por aí defendendo seus próprios interesses e “trabalhando” pra si mesmos, mas sempre em nome do povo.


NETO, Arnaldo Lôpo Mont'Alvão (*). Cultura e Tristeza no Brasil. In Revista Mucury. out/2007,ano 1, nº 2. Teófilo Otoni, MG.p.05.


(*) Cientista Social, Mestrando em Sociologia pela UFMG.

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