quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

15 DE FEVEREIRO DE 1922: OS MODERNISTAS DE TOPETE EXACERBADO

Um movimento começa como movimento? O que é um movimento?
Como não sabemos a resposta, leiamos nós.

Retirado do obvious em 16/02/12 do endereço:

http://lounge.obviousmag.org/nao_vale_o_sopro/2012/02/queremos-luz-ar-ventiladores-aeroplanos.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+OBVIOUS+%28obvious+magazine%29

em literatura por Lucas Reis Gonçalves

semana22.jpg"Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos, motores, chaminé de fábricas, sangue, velocidade, sonho, na nossa Arte!", abria o segundo dia da tão famosa Semana de Arte Moderna o (logicamente) paulista Menotti del Picchia. Não porque esse último fosse poeta ou por qualquer outra mera fatalidade, o dia 15 de fevereiro foi O dia da poesia do repercutido festival.

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Em meio a uma apresentação sem grandes sustos do piano de Guiomar Novaes, a real atração: a conferência de del Picchia e as leituras de Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Plínio Salgado. Sustentados por um coro respeitável de vaias, miados e latidos, os poetas mantiveram-se firmes e não afrouxaram pé sob tamanhos insultos.

Mais tarde, Mário comentou sobre tal episódio:

"Mas como tive coragem pra dizer versos diante duma vaia tão barulhenta que eu não escutava no palco o que Paulo Prado me gritava da primeira fila das poltronas?... Como pude fazer uma conferência sobre artes plásticas, na escadaria do Teatro, cercado de anônimos que me caçoavam e ofendiam a valer?..."

Mário não estava só. Junto com ele nesse rio de afiadas pedras, em proporção semelhante, estava Ronald Carvalho. O poeta ousou ler o clássico - mas nem tão clássico assim na época - poema Os Sapos, de Manuel Bandeira. Por entre ironias do público sobre o refrão poético "Foi! - Não foi", Ronald leu por completo o (agora) aclamado texto:

Os Sapos

Enfunando os papos,

Saem da penumbra,

Aos pulos, os sapos.

A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,

Berra o sapo-boi:

- "Meu pai foi à guerra!"

- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,

Parnasiano aguado,

Diz: - "Meu cancioneiro

É bem martelado.

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Vede como primo

Em comer os hiatos!

Que arte! E nunca rimo

Os termos cognatos.

O meu verso é bom

Frumento sem joio.

Faço rimas com

Consoantes de apoio.

Vai por cinquüenta anos

Que lhes dei a norma:

Reduzi sem danos

A fôrmas a forma.

Clame a saparia

Em críticas céticas:

Não há mais poesia,

Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:

- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"

- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo

O sapo-tanoeiro:

- A grande arte é como

Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.

Tudo quanto é belo,

Tudo quanto é vário,

Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas

(Um mal em si cabe),

Falam pelas tripas,

- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,

Lá onde mais densa

A noite infinita

Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,

Sem glória, sem fé,

No perau profundo

E solitário, é

Que soluças tu,

Transido de frio,

Sapo-cururu

Da beira do rio...

Repercussão do dia

Mono 12.jpg

O resultado na época, contrapondo-se à visão histórica da literatura agora em voga, não foi o dos melhores:

"Foi, como se esperava, um notável fracasso a récita de ontem da pomposa Semana de Arte Moderna, que melhor e mais acertadamente deveria chamar-se Semana de Mal - às artes. O futurismo tão decantado não é positivamente de futuro... No presente, diante da ignorância de tal semana por parte da sonolenta sociedade, ainda é possível que dê alguma coisa; depois, porém, de conhecer a droga, ninguém penetrará a botica em que foi transformado o Municipal [...] A sonolenta sociedade paulista foi sacudida duas vezes do seu torpor de atraso: uma, para vibrar com Guiomar Novaes, e outra, com mais intensidade ainda, quando soube repelir o cabotinismo. De tudo quanto vimos e observamos do tal futurismo, metidos sempre no nosso atraso mental, deduzimos que os modernistas possuem uma coisa: topete, muito topete, e tanto assim que já se anuncia pra amanhã uma exibição teratologista." (Folha da Noite, 16/02/1922)

Assim mesmo, enquanto Guiomar calava o público e esse tentava (e tentava e tentava) calar os poetas modernistas, um sopro insólito já era dirigido para as próximas gerações: a Semana de Arte Moderna de 1922 ainda iria vingar.

Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/nao_vale_o_sopro/2012/02/queremos-luz-ar-ventiladores-aeroplanos.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+OBVIOUS+%28obvious+magazine%29#ixzz1mXySV8Ie

lucasgoncalves

Artigo da autoria de Lucas Reis Gonçalves.

Lucas Reis Gonçalves é poeta e articulador cultural. Novamburguense frequentador da capital gaúcha, formou-se em eletrônica e com ela trabalhou por mais de um ano - até descobrir, por inteiro, a literatura. Depois de três anos esboçando versos, publicou seu primeiro livro, Se soubesse o que dizer, diria em prosa (Paco Editorial, 2011), e, através dele, descobriu e criou por acaso, juntamente com o músico Dado Vargas, um novo projeto de declamação poética: Eletropoeteria. Lucas nasceu em 1990 e atualmente escreve para sites de literatura (públicos e independentes)..

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