quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Terceiro Setor em ebulição

Retirado do site do CEMEC em 02/02/12 do endereço:

http://ht.ly/8Oxc5

Por Leonardo Brant

Fernando Quintino é advogado e atua como sócio do escritório Cesnik Quintino e Salinas Advogados, que atende às principais demandas relacionadas à cultura e entretenimento, com forte atuação no Terceiro Setor, tema do curso coordenado por ele junto ao Cemec.

Nessa entrevista concedida por e-mail, Quintino faz um balanço do Terceiro Setor e aborda os principais elementos a serem abordados no curso, da escolha do melhor modelo de gestão às ferramentas de sustentabilidade adotada por associações e fundações, que já somam cerca de 400 mil em todo o país.

Leonardo Brant - Muitos empreendedores sociais e criativos ficam na dúvida ao abrir o seu negócio, entre uma empresa com ou sem fins lucrativos. Existe alguma dica genérica para definir a estrutura jurídica desse negócio ou é preciso analisar caso a caso?

Fernando Quintino - Há duas questões que precisamos analisar e que facilitam bastante a decisão do empreendedor de qual rumo seguir, pela empresa lucrativa ou por uma instituição sem fins lucrativos. A primeira envolve a natureza das atividades que o empreendedor quer desenvolver. O empreendedor que pretender atuar em áreas que são de natureza institucional, a exemplo do produtor audiovisual que quer produzir documentários sobre assuntos relacionados à saúde, gerar programas que fotografem as causas de mortalidade infantil na cidade grande, ou documentar casos em que há abuso sexual em crianças, enfim, tratar de temas que geram interesse coletivo mas que não vão ser traduzidos em produtos geradores de grandes de receitas, tendem a criar uma entidade de terceiro setor, porque terão mais facilidade de captar recursos para a produção, podem se valer de recursos incentivados e, esse conteúdo com baixo valor de venda ao mercado, passa a compor o acervo de uma entidade, pode interessar a universidades, profissionais da área da saúde e a um público específico.

Por outro lado, se o produtor pretende produzir filmes para publicidade ou uma animação para o circuito de cinemas e tem o interesse e a perspectiva de obter considerável volume de receitas com os produtos que vier a desenvolver, provavelmente vai se interessar em criar uma produtora lucrativa.

Nesse sentido, além de checar qual será a natureza das atividades, ou seja, se a alma da atividade se alinha com conceitos do terceiro setor ou do segundo setor, é importante avaliar qual o interesse econômico do empreendedor, se há ou não o interesse em geral lucro. A questão do lucro é a essência da atividade econômica, se há o interesse em obter lucro o caminho será o da empresa, se o objetivo é reinvestir todas as receitas nas atividades institucionais o caminho é pela entidade de terceiro setor, pois no terceiro setor está vedada a distribuição de resultados financeiros a seus associados e dirigentes.

Nos últimos dez anos, no Brasil, tem crescido o interesse de pessoas por desenvolver atividades lucrativas em que parte ou a totalidade desse lucros sejam direcionados a beneficiar grupos sociais ou a atividades de interesse público, o chamado setor dois e meio ou, por outros, chamado de quarto setor. Nesse novo segmento, os resultados obtidos em determinada atividade lucrativa são melhor divididos no curso da cadeia produtiva e geram benefícios sociais mais amplos, o que em tese marca uma nova fase do capitalismo, em que as atividades produtivas são melhor organizadas para que possam gerar benefícios sociais que chegam na forma de melhor renda aos participantes daquela atividade.

Um exemplo interessante desse modelo está em Curitiba, onde um grupo de catadores de produtos recicláveis se organizaram em cooperativa e disponibilizaram um telefone á população. Qualquer cidadão que planeja se desfazer de um bem pode entrar em contato com a cooperativa e eles indicam um catador para recolher o produto a ser descartado. Dessa forma, conseguiram otimizar o tempo e energia dos catadores que seguem a buscar o produto a ser reciclado e ficam com o resultado da venda, o meio ambiente indiretamente é beneficiado por esse programa.

LB - No caso de optar por uma organização do Terceiro Setor, qual a diferença entre associação, fundação, instituto?

FQ - A associação reúne um grupo de pessoas que possuem interesses institucionais comuns e que tem plena liberdade para definir os objetivos da Associação, a Associação se caracteriza por ter autonomia e não está sujeita a controle externo. Já a Fundação é formada pela reunião de um patrimônio que é destacado por seu instituidor para uma determinada finalidade e, pelo tempo em que durar, a Fundação terá seus objetivos preservados para que a vontade do instituidor seja atendida. A Fundação tem controle externo exercido pelo Ministério Público Estadual. O termo "Instituto" é atualmente usado como sinônimo de "Associação".

LB - Há ainda uma série de qualificações atreladas ao Terceiro Setor, como OSCIP, OS, Utilidade Pública. Qual a função dessas qualificações?

FQ - As titulações ou qualificações são "certificados de qualidade" outorgados pelo Poder Público (municipal, estadual e federal) que tem a função de reconhecer que determinada entidade atua pelo interesse público ou apresenta finalidade assistencial de relevância para a sociedade. A origem das certificações públicas está no interesse do Estado de promover determinadas atividades desenvolvidas por entidades de terceiro setor, de forma a destacá-las das demais e ampliar a capacidade de ação, facilitar o estabelecimento de parcerias com o próprio Estado e possibilitar que suas atividades tenham maior reconhecimento da sociedade.

Algumas certificações conferem às entidades benefícios fiscais ou institucionais importantes. No caso da OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, OS - Organização Social e UPF - Utilidade Pública Federal, a empresa que doar recursos a entidades que tenham uma dessas qualificações, poderá deduzir o valor doado como despesa, limitada a 2% do lucro operacional. No caso do CEBAS, a entidade poderá vir a ter a isenção da quota patronal do INSS. Em alguns casos, entidades qualificadas como de UPM - Utilidade Pública Municipal, a depender das leis municipais, podem vir a ter isenção do IPTU e do ISS. Esse é o resumo dos principais benefícios disponíveis às entidades.

LB - Como você enxerga o Terceiro Setor hoje? Quais as perspectivas para o futuro?

FQ - O Terceiro Setor é uma importante área da economia que deve reunir em torno de 400 mil entidades sem fins lucrativos por todo país, com as mais variadas características e finalidades, que deve movimentar algumas dezenas de bilhões de reais. Assim como nos demais segmentos da economia, como o setor público onde as cidades e estados com maior orçamento tem melhor estrutura e poder de desenvolvimento (primeiro setor), como no setor lucrativo em que as maiores empresas concentram os principais meios de produção e recursos (segundo setor), o terceiro setor também espelha a forma de reprodução social brasileira, concentrando a maior parte dos recursos em algumas centenas de instituições, que cresceram por diversas razões e todas já sabidas.

Boa parte dessas instituições mais abonadas cresceram por desenvolver programas e ações relevantes e que, em geral por mérito, contam com apoio financeiro de instituições privadas e do poder público, outra parte relevante é formada por instituições ligadas ou apoiadas por grandes empresas, mas na maior parte dos casos, as entidades do terceiro setor subsistem com parcos recursos financeiros, em geral com recursos humanos dedicados mas pouco profissionalizados e, em geral, subsistem com poucas informações necessárias ao seu desenvolvimento.

Do ponto de vista de participação e governança, o Brasil é formado por entidades que possuem baixo grau de desenvolvimento associativo, são poucas pessoas que participam efetivamente, a maior ingressa para compor os quadros mas não tem nenhuma participação efetiva, o que demonstra que o brasileiro se dedica pouco a ações institucionais e os que se dedicam carregam a entidade como podem, sem dinheiro, sem planejamento, sem perspectiva, o que demonstra que há pouco interesse do cidadão brasileiro em participar de projetos de interesse coletivo, efetivamente.

De qualquer forma, embora o cenário seja difícil e por isso não menos desafiador, a escolha de trabalhar no terceiro setor deve estar alinhada com os valores pessoais, com a forma de ver o mundo, de acreditar nas pessoas, de valorizar o que elas podem agregar de melhor, de ser otimista em relação ao papel de cada um neste planeta, de saber que as mudanças começam sempre pelo nosso entorno, de saber que a cada gesto positivo corresponderá uma resposta boa, generosa, realista e aberta.

E vale então contar um causo. Ano passado, fui convidado para dar uma aula em uma das maiores faculdades do país, conhecida pelas mensalidades caríssimas e pelos alunos abonados. Sem cachê, topei. Foi sábado de manhã, dia em que as salas de aula estão livres. A plateia era formada por ONGs convidadas pela faculdade, na maior parte ONGs da periferia e que tem pouco acesso a informação. Sala lotada com mais de cem alunos. Foram quatro horas de aula em que abordei o panorama amplo do terceiro setor e das leis e direitos e, para minha surpresa, as pessoas aproveitaram tanto quanto qualquer curso pago que já dei, as perguntas foram muito boas, o que me leva a crer que a experiência prática é insuperável, falei para pessoas que vivenciam dia a dia as dificuldades de manter uma ONG ativa e que são os verdadeiros formadores do nosso terceiro setor, a cada aprendizado as conexões e raciocínios borbulhavam de prazer, porque aprender é necessidade do ser humano, ter a informação é ter riqueza, a nossa gente consegue crescer nas condições mais inférteis e saíram todos com a certeza de quem quer realmente chega, eu fui naquele dia o aluno que mais aprendeu!

* Fernando Quintino coordena o curso Terceiro Setor, no Cemec.

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