segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Nove desafios culturais

 

por Leonardo Brant, retirado do Cultura e Mercado em 08/11/2010 do endereço:

Ninguém contesta os avanços da política cultural brasileira. A sociedade brasileira finalmente se viu reconhecida nos discursos entusiasmados, ideias inovadoras e programas ousados, sintetizados e apresentados à socieade por Gilberto Gil. Visualisamos pela primeira vez cultura ocupando um lugar estratégico na política, no plano de governo e no projeto de desevolvimento do país. Mas ainda estamos muito longe de ver isto virar realidade.

Dilma Rousseff eleita, precisamos pensar nos novos desafios culturais de seu governo, já que a campanha se configurou como um ambiente de debate infértil. Lanço aqui algumas questões que considero prioridade para o novo governo, sonhando com um/a novo/a ministro/a com visão ampliada, capacidade gestora, humildade e, principalmente, diálogo.

1. EDUCAÇÃO: todas as pesquisas de opinião colocam a educação como o principal desafio do Brasil. A pergunta que devemos reponder é: o que a cultura pode fazer pela educação? Como transformar as nossas escolas (atrasadas, sem qualquer perspectiva de encantar, atrair e reter crianças e jovens) em centro culturais, de convivência, de troca e de livre expressão?

2. COMUNICAÇÃO: vivemos um debate intenso sobre regulação e democratização dos meios de comunicação. Qual a contribuição das políticas culturais para promover a participação crescente da população no processo de mediação e difusão de conteúdos? Como contribuir para a garantia da ampla liberdade de expressão, sem coibir os meios existentes, mas garantindo a inserção de novos agentes comunicadores na sociedade?

3. INFRAESTRUTURA: o presidente Lula prometeu construi 1 mil novos centros culturais, sobretudo nas cidades com baixo IDH. O projeto das BACs foi abandonado antes de ser implementado e o único edital para este fim saiu no último ano de mandato. Ou seja, a maior parte da população brasileira é privada dos serviços culturais, tão essenciais quanto os de educação, saúde e segurança. Isso impede que os agentes culturais de todo o país façam suas obras criativas circular, inibindo o mercado e as possibilidades de diálogo da nossa rica diversidade. Isso não é culpa da Lei Rouanet nem da iniciativa privada. É responsabilidade do Estado. Qual a política do Brasil para a infraestrutura de cultura?

4. FINANCIAMENTO: o maior vício da relação entre governos e agentes culturais é o clientelismo, a política de balcão, a lógica de projetos e abordagem setorial (que além de privilegiar o corporativismo e o já falado clientelismo, reforça a abordagem meramente econômica, além de fechar as portas para as novas linguagens e possibilidades artísticas que não se encaixam em nenhum setor organizado). Precisamos repensar o modelo de financiamento público, abarcando as várias nuances e necessidades culturais da nação, desde a INFRAESTRUTURA, passando por investimentos ESTRUTURAIS, como corpos estáveis e ações locais, a exemplo dos Pontos de Cultura. Além disso, é preciso incentivar o MERCADO e o empreendedorismo, pois há uma série de atividades culturais que poderiam sair da tutela do Estado, dando espaço para a crescente e infindável produção cultural de todo o país. Por último, precisamos de um política de financiamento à INDÚSTRIA CULTURAL brasileira, com empréstimos subsidiados e redução de impostos. A solução proposta pelo atual governo, o Procultura, em vez de atacar o problema, que é complexo e difícil, cria um arremedo estatal grotesco de um sistema que já se mostrou ineficiente e insuficiente.

5. GESTÃO: o maior problema do Ministério da Cultura não é saber o que fazer, mas como fazer. A falta de prioridades e metas factíveis, a ciência da falta de estrutura. O abismo entre o que se propõe a fazer e o consegue realizar torna-se o maior calcanhar-de-Aquiles da cultura, não somente desta atual gestão. As saídas são improvisadas, sem metodologias e planejamento. Programas são criados e abandonados no meio do caminho. Mais tarde são retomados do zero, reinventados como se nada tivesse sido realizado.

6. CULTURA VIVA: o programa Cultura Viva merece um destaque especial. Uma excelente ideia e uma proposta inovadora que se tornou um problema incontornável para inúmeros agentes culturais. Por má gestão governamental, muitas organizações culturais (avalio de 80% dos atuais Pontos) sofrem algum tipo de pendência administrativa, de falta de recebimento, contas vetadas, inadimplência. Até as mais estruturadas sofrem com a burocracia estatal. As menos estruturadas tornam-se inoperantes. O primeiro desafio é sanar esses problemas. Depois, precisamos retomar a força dos Pontos de Cultura, com mais inteligência, colaboração e reinvenção da relação do Estado com as organizações culturais. Em primeiro lugar devemos reconhecer os milhares de Pontos de Cultura existentes no país, não só aqueles que recebem dinheiro do governo. Minha conta é que existem cerca de 150 mil (e não os atuais 2 mil). Depois, precisamos redimensionar o programa para atuar com esses 150 mil, senão a relação do governo cai no mais baixo nível de clientelismo existente. A própria Dilma disse em campanha que não é favor de projeto-piloto, mas de políticas abrangentes e direitos universais, não direcionados a poucos (que se tornam privilegiados).

7. BANDA LARGA: a nova presidenta foi visionária ao apontar que o seu governo será reconhecido pela universalização da banda larga, com caráter público e acesso irrestrito aos cidadãos. Considero esta a mais importante ação governamental para reduzir o abismo do acesso à cultura, garantia mínima dos direitos culturais previstos na Consituição Brasileira. O desafio da cultura é como introduzir os cidadãos ao mundo da Internet, oferecendo oportunidades além dos estímulos das grandes corporações de mídia e entretenimento, que afugentam o cidadão numa lógica do consumo e do espetáculo.

8. MEMÓRIA: mais do que nunca precisamos dar ouvidos a intelectuais como Marilena Chauí, Darcy Ribeiro, entre vários outros, criando condições de recriarmos nosso mito fundador, a partir do protagonismo das nossas diversas matrizes culturais, do índio, negro e novos imigrantes, que transformam o Brasil numa das mais diversas e complexas sociedades da atualidade. Reconhecer, valorizar e aprimorar as políticas para a memória é fator fundamental para o desenvolvimento da nação brasileira.

9. DIREITOS CULTURAIS: garantir a todos o acesso à cultura e a livre expressão é condição básica para o desenvolvimento humano. Isso se dá na escola, mas também nos centros culturais, bibliotecas, lan houses, espaços de convivência, terreiros, igrejas, praças públicas. O Estado não pode se furtar a cumprir este dever constitucional, que é primordial para o projeto de futuro do país. O mais antigo direito cultural, garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, é o direito autoral, que precisa encontrar seu equilíbrio entre a garantia de acesso e a subsistência dos artistas e empresas culturais.

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