quarta-feira, 16 de maio de 2012

As regras da cultura

Retirado dO Tempo em 16/05/12 do endereço:

http://www.otempo.com.br/entretenimento/ultimas/?IdNoticia=203394%2COTE

Por DANIEL TOLEDO

Foram muitas as críticas e questionamentos surgidos quando, há pouco mais de um ano, a cantora Maria Bethânia recebeu autorização do Ministério da Cultura (MinC) para criar, com recursos de renúncia fiscal da iniciativa privada, um blog dedicado à disseminação da poesia entre a população brasileira. Tais críticas e questionamentos, é bom lembrar, nada tinham a ver com as qualidades artísticas da cantora ou do projeto, mas, sim, com o valor solicitado ao MinC (R$ 1,3 milhão) e a própria pertinên-cia da solicitação, dada a notoriedade da artista e o seu forte apelo comercial.

Mesmo que o episódio envolvendo a cantora baiana tenha se tornado uma espécie de ícone da crítica aos procedimentos da Lei Rouanet, não são raros nem difíceis de encontrar exemplos de projetos que se desviem, por um ou outro motivo, dos valores democráticos que, pelo menos na teoria, deveriam orientar a gestão pública da cultura no Brasil (veja alguns exemplos no quadro ao lado).

É justamente com a intenção de criar critérios mais claros e democráticos para o financiamento público-privado da cultura em nosso país que, há pelo menos três anos, a Lei Rouanet vem sendo alvo de amplas discussões que devem culminar, em breve, na sua revogação e na transformação dos modos de se produzir e financiar cultura em território brasileiro.

Ainda ocultos para boa parte dos produtores e consumidores de cultura no país, os detalhes sobre o novo modelo de financiamento cultural no país serão apresentados e debatidos no seminário #Procultura (redecemec.com/curso/seminario-procultura), marcado para o próximo sábado, em São Paulo. Além de contar com a presença do relator do projeto, o deputado Pedro Eugênio (PT), o evento trará especialistas do cacife de Teixeira Coelho, atual curador do MASP.

primeira mão. Responsável pela coordenação do evento, no qual será divulgado em primeira mão o texto do Projeto de Lei que revoga a Lei Rouanet e cria o Procultura, o pesquisador cultural Leonardo Brant adiantou ao Magazine algumas das mais prováveis modificações nas práticas do Ministério da Cultura, a partir da aprovação das novas regras de financiamento cultural.

"Na minha visão, o grande avanço do texto do relator Pedro Eugênio é o reforço do Fundo Nacional de Cultura, que regula o investimento direto do Estado, sem precisar do incentivo fiscal e das empresas. O Procultura, agora, criou uma fonte nova de recursos e dá à sociedade civil mais poderes para decidir sobre a política cultural. Isso deve corrigir muitas das distorções que normalmente atribuímos ao mecenato, mas que na verdade são efeitos do pouco investimento do Estado em cultura", explica Brant, apontando para os ganhos quantitativos trazidos pelo novo modelo.

"O novo Procultura também traz mudanças relevantes no tratamento ao pequeno produtor e ao independente, oferecendo vantagens competitivas em relação aos grandes agentes da indústria cultural", completa o pesquisador. Atualmente, é bom ressaltar, 50% do dinheiro levantado pela Lei Rouanet destina-se a apenas 3% dos proponentes, reproduzindo no setor cultural a desigualdade que marca a sociedade brasileira.

"Outro avanço", acrescenta o pesquisador, "são os benefícios que o Estado dará a territórios que necessitam de maior atenção em relação à infraestrutura e acesso à cultura", conta, em referência a Estados como Roraima e Tocantins, raramente contemplados por projetos realizados via Lei Rouanet.

Em linhas gerais, sintetiza Brant, a nova legislação representa um maior domínio do Estado em relação à gestão e aos destinos da cultura no país, até então delegada aos departamentos de marketing de grandes empresas, sempre atentos às demandas de visibilidade dos seus produtos. "Precisamos construir um projeto nacional, com o objetivo de enfrentar o enorme déficit de direitos culturais, não só relacionado ao acesso, mas também à produção cultural. E gerar um incentivo para o consumo cultural das classes emergentes. Isso daria à produção cultural uma nova perspectiva", analisa o pesquisador, confiante nos tempos que estão a caminho.


PROCULTURA

Lei Rouanet vigorou por mais de duas décadas

Por Daniel toledo

Instituída em 1991, durante o governo do então presidente Fernando Collor, a Lei Rouanet surgiu como uma medida interessada em educar empresas e cidadãos a investirem em cultura, isentando-os de determinados percentuais de seus impostos de renda. Com o tempo, entretanto, o que se viu foi a popularização de um uso mais "sofisticado" da lei, convertida, então, em eficiente instrumento de propaganda gratuita.

Mais de 20 anos após a sua criação, a lei que carrega o nome do então ministro da Cultura Sérgio Paulo Rouanet parece estar em vias de extinção e, na visão do pesquisador Leonardo Brant, sobretudo quando considerados os últimos anos, não deve deixar muitas saudades.

"A Lei Rouanet decretou a ditadura do projeto. O resultado disso é que gestores e empreendedores acabam desviando a atenção de seus planos e estratégias para cuidar de algo que é pontual, tático; no fim das contas, é o rabo que balança o cão", compara o pesquisador, em referência ao grande volume de tempo e energia gastos pelos agentes culturais na elaboração e posterior captação de recursos para seus projetos artísticos.

Enquanto grandes produtores tiram de letra as burocracias e negociações envolvidas nesse tipo de processo, empreendedores independentes acabam, muitas vezes, desistindo de seus projetos no meio do caminho, muitas vezes atravessado pelo desinteresse de possíveis patrocinadores.

"De fato, um grande problema da Lei de Incentivo é que ela trata de maneira igual necessidades diferentes de financiamento. Nesse sentido, um grupo de pesquisa de teatro precisa ir à mesma fonte que um grande musical, o que acaba prejudicando a diversidade", analisa Brant, antes de esclarecer o lugar do seminário #Procultura em relação ao iminente Projeto de Lei.

"O seminário quer apenas discutir, ajudar a revelar as grandes questões que envolvem o financiamento à cultura no país, para além das necessidades dos produtores e os embates políticos, setoriais, regionais e ideológicos. Ele não tem uma pretensão política, no sentido de buscar a alteração ou o apoio do projeto de lei. Mas é claro que ele reúne especialistas, profissionais e movimentos culturais que podem e devem trazer luz ao processo de discussão do Procultura", aposta.

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