segunda-feira, 25 de julho de 2011

O show da vida

Retirado do Cultura e Mercado em 25/07/2011 do endereço: http://www.culturaemercado.com.br/comecodeconversa/o-show-da-vida/

Leonardo Brant

A indústria cultural global foi construída sob o olhar e tutela do poder imperialista norte-americano e tornou-se peça principal de seu plano hegemônico. O american way of life não foi disseminado apenas como mito de cultura suprema, mas também como uma plataforma para o lançamento de indústrias vocacionadas para a escala global: moda, cigarros, bebidas, automóveis, armas de fogo, fast food, eletrodomésticos, equipamentos eletrônicos, alimentados por conteúdos que reforçam os mesmos mitos e objetos de consumo que consagram os EUA como símbolo de poder.

Mas já não podemos conceber a indústria cultural contemporânea como um mero instrumento de poder ianque. Seus domínios, hoje, extrapolam o território local, constituindo-se de forma menos homogênea, mas igualmente concentrada, reforçando interesses e visões de mundo do grande capital global. Um modelo de negócios baseado na ocupação dos mercados locais de distribuição, acordos vantajosos com exibidores, que garantem presença maciça de conteúdos em convivência pacífica com os interesses políticos internos.

O crack do sistema financeiro global coincide com a quebra gradativa de uma dinâmica estabelecida entre emissores e receptores de informação e conteúdo cultural. A comunicação de massa já não é o paradigma reinante para uma grande parcela da população mundial. O público acostumado a receber conteúdos mastigados por interlocutores interessados em audiência (e os ganhos dela decorrentes) sai da condição de expectador para o de protagonista. Ele pode escolher mais, participar da construção de conhecimento, convocar e ativar redes em torno de suas preferências estéticas e ideológicas.

Diante dessa realidade abre-se uma brecha que só pode ser conquistada mediante a produção de conteúdos condizentes com as realidades desses novos protagonistas. Autorrepresentação é a palavra-chave para a cultura participativa. Enquanto essa nova realidade não emerge das ruas, laptops, ipads, facebook e twitter, a mídia analógica expande seus domínios. Ela agora assume a forma de mídia participativa e convoca seus asseclas para um videogame realista, em que a (sensação de) participação é balizada e construída em laboratórios cibernéticos. Todos os movimentos são previsíveis e a sensação de protagonismo reina nos novos meios de comunicação digitais.

“Em vez de sonhar em ser Tom Cruise eu posso ser Tom Cruise”, disse Neil Gabler em sua entrevista para o Ctrl-V, referindo-se a essa nova cultura de videogame, muito bem traduzida nos ambientes de rede social – um second life revisitado. Se o Fantástico se apresentava como o show da vida nos tempos da ditadura, transformando tudo e todos em objeto espetacularizado, o Big Brother de hoje é o coliseu hiper-moderno. As câmeras são os leões, comandados por controles remotos e celulares. A participação não está ligada à conquista da subjetividade.

Outro entrevistado, Gilles Lipovetsky fala da mudança do paradigma do mass media para o self media, que pode ser traduzido tanto pela cultura dos videos caseiros do YouTube, quanto pela proliferação de blogs e redes de mensagens instantâneas.

Mas como alterar a lógica de comando imposta pelos meios de comunicação, com sua estética consagrada, sua pasteurização e seu discurso monocromático: compre!? Precisamos construir um novo modelo de relações entre a produção cultural e o consumo. Os Empreendedores Criativos têm papel fundamental nisso.

Leonardo Brant http://www.brant.com.br

Pesquisador independente de políticas culturais, autor do livro "O Poder da Cultura". Diretor do documentário "Ctrl-V | VideoControl, criou e edita o site Cultura e Mercado. É sócio-diretor da Brant Associados, consultoria para desenvolvimento de negócios culturais. Para mais artigos deste autor clique aqui

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