quinta-feira, 2 de maio de 2013

Uma avaliação da gestão Marta Suplicy

Por Carlos Henrique Machado Freitas

Do Trezentos

“Eu sou que nem gato, me enxotam no quintal eu volto pelo telhado. Esse é o truque. Eles não perceberam. Não é o povo! Não e Não! É preciso não trocar. Não confundir o povo. Povo! Não confundir… Nem com público, nem com massa…é importante. A massa é a massa. O público se enfeita todo e vai para as salas de concerto, com cara de quem está entendendo tudo. É preciso notar a diferença. A massa é horizontal, o público é vertical, mas o povo, pelo menos o povo brasileiro é DIAGONAL. É por isso que eu gosto do povo, e é por isso que a minha música é popular. Popular porque eu cuido muito mais do aspecto DIAGONAL do que horizontal ou vertical ( Villa-Lobos)”.

Passado o período de transição e da mediação aberta entre o colapso que foi o MinC de Ana de Hollanda, com os objetivos de Marta Suplicy, o que podemos classificar é que houve uma substituição da estética da barbárie instituída por Ana pela estética de civilidade atordoada de Marta.

Marta, sob o ponto de vista político, ainda vê se agigantar um conjunto claro de ações de renovação e quebra de paradigma do estatuto neoliberal na cidade de São Paulo por Fernando Haddad, o que contrasta com a sua gestão, porque Marta vem vivendo até então num mundo de fluidez virtual.

Daí o bordão vago diante das realidades emergentes, “Cultura como alimento para a alma”. Isso não quer dizer rigorosamente nada e, desse modo, vai tornando o território da cultura, hoje pacificado, em uma impaciente ansiedade em busca de uma outra ordem que não seja um ministério que paralelamente se equilibra num pacto colonial entre Estado, empresas e partidos.

Não há um ponto de vista mais avançado, menos ainda um ritmo divergente do que é estabelecido pela regulação criada por uma tríade de interesses e pactos. Como não consegue modificar o estatuto colonial e, com isso, não consegue colocar o MinC a serviço da democracia social, a ministra Marta se divide em valorizar diferentes vertentes de um mundo sobre o qual literalmente ela não tem um conhecimento concreto. E com essa artificialidade vai perdendo musculatura política, tornando-se mais aristocrática, buscando não correr riscos que ultrapassem a interpretação estabelecida pelo sistema hegemônico que não deixa intervalos para a produção de outros objetivos que não os que já estão petrificados em seu estatuto.

Marta tentou de forma seletiva, sobre o modelo construído por essa hegemonia, particularizar o progresso técnico para a produção material e econômica de quem fundamentalmente estava fora do tratado que são as manifestações de matrizes africanas no Brasil.

Certamente a ministra imaginou que, por intermédio das técnicas, afirmaria uma cidadania que sequer chegou perto da porta estreita que o sistema hegemônico desenvolveu. Porém, a ministra deve ter percebido nesse campo que a ausência de progresso se deu, muito mais porque ela reduziu a própria noção desse universo que se realiza a serviço da cultura brasileira como a principal força motora de nossas manifestações.

Recursos criativos não faltam ao universo da cultura negra no Brasil, mas é justamente a partir do uso pragmático dos equipamentos como leis, editais dessa modernização institucional, que são assegurados aos filhos escolhidos da classe dominante, branca e indiscutivelmente primitiva, do ponto de cultural, os privilégios históricos que definem a própria operação institucional do Estado.

Então o MinC de Marta Suplicy também entrou em colapso, até porque a ministra, assim como o presidente da Funarte, Antônio Grassi, o único das vinculadas que não foi substituído, enxerga a cultura brasileira pelo buraco do guichê e os brasileiros não como cidadãos, mas como público consumidor de arte.

Seria muito mais fácil Marta seguir algo natural, dar um choque de soberania nacional com uma política concreta de valorização dos Pontos de Cultura revelando os movimentos da sociedade que podem ser os únicos protagonistas a subverter o antigo jogo de evolução territorial imposto pelas novas lógicas do tratado colonial entre Estado, empresas e partidos. A ministra ainda não entendeu que o ator mais poderoso para o qual ela deveria reservar os melhores pedaços do território, é o povo brasileiro que se expressa através do programa Cultura Viva.

O credo financeiro visto pelas lentes do sistema econômico é examinado como ideologia do pensamento único que hoje domina o Ministério da Cultura, enquanto aqui fora esse discurso vai perdendo a força.

Marta cedeu para o esquema grosseiro a partir de uma classificação arbitrária dos tecnocratas do MinC que, influenciados pela cultura de massa, buscam homogeneizar e impor sobre a cultura popular uma planilha extraída do reino do mercado. Este mercado que é a expansão paralela das formas de globalização econômica, financeira, técnica e cultural que, diante das manifestações da sociedade jamais encontrará eco.

A subjetividade do discurso de Marta “a gente não quer só comida…” mostra que todas as formas exóticas que incluem novas técnicas como editais, leis, prêmios, têm origem na própria cultura de massa e jamais poderão ser instrumentos da cultura popular que, por sua vez, tem sua própria forma de expressão que associa espontaneidade com ingenuidade, sempre com um discurso universal que acaba empiricamente alimentando uma política de solidariedade.

Na verdade a questão da escassez de inspiração da ministra aparece justamente porque ela quer dispor de meios materiais para tentar fazer com que a cultura popular participe plenamente do universo da cultura moderna de massas. Certamente a ministra não conhece os símbolos e códigos da cultura popular que estão inseridos na imensa maioria do povo brasileiro. Daí o vazio de ideias de cidadania cultural que a ministra tem apresentado diante da mídia.

Tenho certeza de que nessa guerra Marta não tem culpa, mas poderia exercer um papel determinante na busca por uma qualidade interpretativa dos interesses do povo brasileiro, saindo da valorização da forma e investindo na valorização do conteúdo, o que lhe permitiria pensar nos Pontos de Cultura como o verdadeiro universalismo que perdura, mesmo diante de um jogo desigual, como a principal identidade cultural do povo brasileiro. Como disse o gênio Villa Lobos… “O povo, pelo menos o povo brasileiro é DIAGONAL”.

Retirado do Trezentos em 02/05/13 do endereço:

http://www.trezentos.blog.br/?p=7903&cpage=1#comment-11623

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