quarta-feira, 21 de março de 2012

O homem-bomba do brega

Retirado do Overblog em 21/03012 do endereço:

http://www.overmundo.com.br/overblog/o-homem-bomba-do-brega

Palestina. Foi neste pequeno município do sertão alagoano, em 2011, que encontrei pessoalmente o Bin Laden do Brega pela primeira vez. Eu estava cobrindo um evento que acontecia na cidade, e entre a correria do trabalho sob o cruel sol sertanejo e o calor desesperador, achei que estava alucinando quando vi aquele sujeito caracterizado de Bin Laden, ou melhor, Bin Laden do Brega, o terrorista do amor.

Claro que sua fama o precedia. Conheci Bin Laden do Brega, o artista, bem antes, de seus vídeos no YouTube. O mais popular deles, da música “O homem bomba”, de Bin Laden do Brega e João Alves, tem mais de 700 mil acessos! Naquela manhã quente em Palestina, não consegui sequer trocar uma ideia com ele. Sempre quis entrevistá-lo.

A oportunidade surgiu em janeiro de 2012. Após alguns contatos telefônicos com Bin Laden do Brega, e depois de rever seus vídeos na internet, tomei o rumo de Jacaré dos Homens, sua cidade natal, no sertão de Alagoas. E foi com este provável hit, “O homem bomba”, na cabeça, que peguei a estrada.

De Maceió, no litoral, até Arapiraca (AL), na região agreste, passei por três estradas agitadas com obras de duplicação, tratores, caminhões, carros e anúncios publicitários. Quando deixei Arapiraca para trás, o mundo mudou de repente.

Road movie

Oeste. Continuei nesta direção, e o agreste virou sertão. Estradas menos movimentadas, quase vazias. A terra em tons laranja e vermelho marciano anunciava mais uma estação de seca no semiárido alagoano. Ao longe, montanhas afegãs completavam uma paisagem semelhante à do Oriente Médio do Bin Laden original. Cores e texturas road movie me enchiam os olhos, enquanto cortava a AL-220 para Jacaré dos Homens. No céu nublado, nuvens carregadas de uma chuva que não cai. Um tipo de malvadeza climática, de tortura meteorológica, que zomba da fé do sertanejo.

A corrida desenvolvimentista do litoral ao agreste atrasou um pouco minha viagem. Já eram quase 11h da manhã, e Bin Laden do Brega me esperava na praça central de Jacaré dos Homens. Encontrei sinal de celular e consegui falar com o entrevistado. Tudo ok. Iria me esperar. Naquele dia, Bin Laden do Brega estava às voltas com as gravações do seu DVD. Disse a ele que chegaria logo, mas que adiantasse seu trabalho. Acompanharia as gravações quando chegasse por lá.

Jacaré dos Homens

Localizada na região da bacia leiteira do estado, Jacaré dos Homens, 5.413 habitantes, é uma típica cidade pequena do sertão. A igreja matriz, a praça central, a curiosidade com os forasteiros como eu, o calor assassino. Tudo ali.

Como previsto, não foi difícil encontrar Bin Laden do Brega. Ele estava na praça, a caráter: roupa camuflada, enormes bombas na cintura, armamento cenográfico em punho, Bin me esperava com a equipe de filmagem, formada por Elias Fotografias. Apresentações e saudações feitas, indaguei o nome do cinegrafista. “Elias Fotografias”, ele disse. Perguntei “Como?”. Ele respondeu com um gesto, apontou para o adesivo em sua moto. “Elias Fotografias”, dizia. Ok.

Apresentei-me. Conversamos rapidamente sobre sua participação, no domingo anterior, no programa do Faustão, na Rede Globo. Disse a ele que ficasse a vontade, e que gostaria de acompanhar as gravações. Dito isto, Bin Laden do Brega e Elias Fotografias começaram a discutir as tomadas do videoclipe que iriam filmar, o brega romântico “Um amor e nada mais”, autoria de Elton Matias, de Olho D’Água das Flores (AL), cidade vizinha.

Pronto. Começaram as filmagens. Um aparelho de som portátil tocava o mp3 enquanto Bin Laden fazia a dublagem. Gostei da canção. Um desses bregas bem clássicos, de rimar amor e dor. Uma beleza. Mais tarde comentei que gostei de como a voz dele soava naquela música, que cantou muito bem. “Bem mal”, respondeu ele sorrindo. “tem gente aqui em Jacaré dos Homens que já pagou para não me ouvir cantando.”

Após as gravações. Conversamos com mais calma. E ele me contou sua história.

De pedreiro a celebridade

“Programa do Jô, Show do Tom, Câmara Record, Ana Hickman, Legendários, Programa da Eliana”, Bin Laden do Brega enumerava os programas de TV que participou como atração musical, com as canções de seu primeiro disco, “Melô do Fusquinha” (2011). Neste momento, já éramos o epicentro das atenções de Jacaré dos Homens. Alguns fãs vieram tirar fotos com o cara que mostrou “Jacaré dos Homens para todo o Brasil”, como diz o texto em seus vídeos no YouTube.

Aos 53 anos de idade, José Almir Martins tinge a barba de branco com creme dental pra encarnar o Bin Laden do Brega. Pedreiro de profissão, é casado há quase 30 anos com Cícera Maria Martins. Foram dez filhos, mas três deles morreram antes de completar um ano de idade. Sua família foi vítima dos altos índices de mortandade infantil que Alagoas amargou durante muitos anos. Felizmente, estes índices foram reduzidos consideravelmente. Segundo informações oficiais, a Unicef vai produzir um livro sobre a experiência de Alagoas na redução da mortalidade infantil, com base em histórias como a que atesta o próprio Bin Laden: “Antigamente, 20 ou 30 anos atrás, sempre tinha três ou quatro caixões de criança subindo esta ladeira. Hoje em dia nem se vê nem se ouve falar disso. Nem aqui na cidade, nem na região.”

Sobre sua ascensão a celebridade regional através da música, e das suas mais de 700 mil visualizações no YouTube, Bin Laden do Brega conta que tudo começou depois dos atentados de 2001. “Alguns amigos falaram que eu era parecido com o Bin Laden e incentivaram a criação do personagem. Eu nem trabalhava com música nesta época. Passado algum tempo, o pessoal da produção do Programa do Jô e da TV Gazeta (afiliada da Rede Globo em Alagoas) passaram pela região para falar sobre cidades e lugares com nomes exóticos, como Coité do Nóia e Jacaré dos Homens. Aí eles conheceram meu trabalho, filmaram, e os vídeos foram parar na internet. Agora faço meus próprios vídeos.” Ele também contou que os amigos o ajudam a postar o material na rede, principalmente seu filho, Romário Martins, de 25 anos, que vive em São Paulo, onde trabalha em uma empresa ferroviária.

Pelo que conversei com Bin Laden e com os moradores de Jacaré, a cidade tem um bom acesso à internet e muitos moradores frequentam as lan-houses locais. Segundo o pessoal que passava na praça, parando para conversar um pouco comigo e Bin, todos na cidade já acessaram os vídeos do conterrâneo famoso. Percebi também, que Bin Laden do Brega inspira respeito, admiração e simpatia nos cidadãos de bem de Jacaré dos Homens. Escutei muitos depoimentos dos transeuntes, “Ele é muito esforçado. Muito sério”, ou “Uma pessoa muito boa!”, entre outras demonstrações de carinho e consideração com este patrimônio jacareense.

Ao vivo, Bin Laden do Brega apresenta-se com duas formações diferentes. Dependendo da ocasião, canta acompanhado apenas do tecladista Pedrão, ou da Banda Raio de Luz, de Neilton dos Teclados, que fez os arranjos do primeiro CD, gravado em Santana do Ipanema (AL), no Silvério Estúdio, e em Olho D’Água das Flores, no Ailton Estúdio. “Os meninos me ajudam”, diz o artista.

Seja qual for a formação, Bin Laden já se apresentou em quase todo o sertão alagoano, em festas municipais e eventos em Delmiro Gouveia, Palestina, Pão de Açúcar, Olho D’Água das Flores, Craíbas, São José da Tapera, Batalha e Monteirópolis (AL). “Ah! Também me apresentei em Juazeiro (CE), na TV Vale Verde do Cariri”, lembrou.

Apesar do aparente sucesso local e na rede, Bin Laden do Brega afirma que as 738.941 exibições de seu vídeo no YouTube não pagam suas contas, e que ele e a família lutam para conseguir reformar a casa onde vivem. O negócio da música e espetáculo ainda está longe de gerar a renda que eles sonham para suas vidas.

Making off

Seguimos para o segundo set de filmagens, próximo à casa de um amigo que emprestaria, mais uma vez, seu elegante fusca dourado para as produções do artista. Seguiram as gravações, aproveitei para fazer algumas fotos. Entre uma tomada e outra, sob o sol excruciante do começo da tarde, Bin Laden do Brega dizia “É difícil embaixo deste sol, com esta roupa e as bombas. Você pensa que ser artista é fácil?”, sorria e enxugava o suor da testa.

Realmente, as coisas nunca foram fáceis para o terrorista do amor. “Sou teimoso. Por isso, insisto. Aqui na cidade muitos diziam que isso não ia dar certo, mangavam de mim com gozação. Mas levei a sério, e estou tendo resposta, como os convites de várias TVs. Muitos me ajudaram – como o prefeito, ou o Galego do Seguro lá de Delmiro Gouveia. Tem muita gente que torce por mim. Outros não. Mas vou mostrar que vou vencer.”

Bin Laden do Brega contou seus próximos planos: terminar de gravar o DVD, com cenas nas serras e paisagens do sertão que lembram o Oriente Médio – “Muito criativo”, segundo o artista –, e seguir em frente, incansavelmente dedicado na divulgação de seu trabalho. Seu maior objetivo no momento é conseguir um produtor ou empresário, alguém que invista em sua carreira, ou algum patrocinador. “Nos finais de semana, tenho ido vender meus discos na Praia do Francês (em Marechal Deodoro, AL) e em Maceió. Nas praias, eu paro o trânsito, todos querem tirar fotos e conversar. É muito gratificante isso para mim.”

Antes de deixar Jacaré dos Homens, coloquei Bin Laden do Brega em contato com Caíque Guimarães, da Banquinha Popfuzz (assunto naedição nº 1 da Revista Overmundo), loja itinerante de discos independentes, um dos projetos mais exitosos do Coletivo Popfuzz. O grupo trabalha em uma perspectiva de economia solidária da cultura, para inserir artistas e produtores independentes na cadeia produtiva da música em Alagoas. Após o contato, me preparei para dar carona ao primeiro lote de “Melô do Fusquinha” para o catálogo da Banquinha Popfuzz.

De repente me dei conta de uma coisa! Onde andavam as binladinhas? Elas são as dançarinas dos vídeos na internet que acompanham Bin Laden do Brega, e que receberam elogios apaixonados de internautas do Oiapoque ao Chuí nos comentários do YouTube. Onde é que estavam? Ele me informou que em breve deve selecionar a quarta geração de binladinhas! “Pois é rapaz, as primeiras binladinhas já casaram e seguiram suas vidas. É assim, elas ficam famosas, arrumam namorados, casam, e eu sigo solo. O Bin Laden do amor, como dizem.”

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Esta reportagem integra a Revista Overmundo nº 5. Saiba mais noblog da Revista.

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