terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Em sua décima edição, evento reúne movimentos sociais e intelectuais de todo o mundo para discutir os caminhos da transformação social*

Seminário internacional inagura Fórum Social Mundial 2010

 

Por Gabriela Moncau e Júlio Delmanto

O Fórum Social Mundial (FSM) é um fim em si mesmo e já cumpre seu papel por congregar a diversidade da sociedade civil ou deve avançar em suas possibilidades, permitindo aos movimentos socias que articulem ali uma agenda comum de tarefas concretas? Polarizada principalmente entre essas duas concepções, a mesa de abertura do Fórum e do “Seminário Internacional 10 anos depois: desafios e propostas para um outro mundo possível” inaugurou nesta segunda-feira, 25, a décima edição do Fórum Social Mundial, desta vez realizado em Porto Alegre e nas vizinhas Canoas, Novo Hamburgo, Gravataí, Sapiranga, São Leopoldo, Esteio e Sapucaia do Sul.

A mesa de abertura, realizada no auditório lotado da Usina do Gasômetro, contou com a presença de figuras que acompanharam o evento desde sua primeira edição em 2001, e tinha como objetivos tanto traçar um panorama do que já foi debatido e articulado através do Fórum quanto apontar perspectivas para seu futuro. O primeiro a falar foi Francisco Whitaker, da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), e integrante da comissão organizadora do FSM, relembrando um pouco do histórico do movimento, que, segundo ele, tinha como objetivos iniciais se contrapor ao Fórum Econômico de Davos e “reforçar a ação da sociedade civil, derrubando as barreiras que compartimentam a ação. O Fórum tornou-se um instrumento a serviço da reflexão engajada”, apontou o pesquisador.

Resumindo a polarização que iria marcar o restante do debate, Whitaker lembrou que a “angústia por resultados palpáveis” levou ao crescimento de uma posição em defesa de que o evento “tenha a ação como objetivo”, o que teria ganhado peso com a crise econômica mundial de 2008. Por outro lado, haveria uma corrente defensora do FSM como espaço de defesa dos governos progressistas, atrelando as demandas dos movimentos sociais a esta prioridade. No entanto, segundo Whitaker, nenhuma dessas posições prevaleceu, tendo o evento ainda um caráter de “criação de praças públicas”, “espaço de diálogo e articulação para o altermundismo”.

Fortalecimento da sociedade civil

Oded Grajew, fundador da Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania (CIVES), apontou que o objetivo inicial do FSM era criar oportunidades para o “fortalecimento da sociedade civil”, e para isso era necessária a construção de um espaço de articulação que respeitasse a diversidade de pensamentos que compõem esse campo. Para a viabilidade do diálogo era preciso que “ninguém fosse obrigado a abrir mão de suas prioridades”, o que acarreta num espaço que não seja uma entidade e não tenha como função o estabelecimento de ação e calendário comuns: “o Fórum não manda ninguém fazer nada, não é um chefe que orienta seus subordinados, é um processo, ele trata do caminho”, resumiu Grajew.

Para João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, o evento “não conseguiu acumular um programa mais propositivo” estando com uma “dívida programática” em relação a formulação de uma estratégia não só “anti-neoliberal” como também “anti-imperialista”. Ressaltou, no entanto, que o Fórum estaria como a concentração e o vestiário estão para o jogo de futebol, um momento de planejamento da tática antes da partida de fato. Representante da CUT no debate, João Antônio Felício foi além, e defendeu a necessidade da criação de uma agenda consensual de mobilizações a partir do FSM. Em conssonância com a metáfora futebolística de Stedile, Felício salientou que o planejamento dialogado é importante, mas que não quer “morrer sem fazer gol”, “é necessária uma plataforma consensuada”.

“Não foi fácil manter o Fórum Social Mundial”, lembrou o sociólogo Cândido Grzybowski, diretor do Ibase e um dos integrantes do Comitê Internacional do evento. Para ele o espaço “reacendeu a esperança e repôs a História no seu lugar de produção humana”, mas encontra limites exatamente por conta de sua diversidade, o que propicia que ele “anuncie um outro mundo, mas fazê-lo é outra coisa”. A fala foi seguida da do ex-prefeito e governador Olívia Dutra (PT), que focou sua intervenção num debate sobre a relação entre Estado e movimentos sociais, e entre as demandas locais e as gerais. Também levantou a questão de uma agenda, que deveria ser construída a partir de uma “centralidade sem centralismo”, articulada em escala planetária.

Plataforma unitária

A italiana Raffaella Bollini, da Associazione di Promozione Sociale (ARCI), ressaltou a importância da Palestina e do Iraque estarem construindo seus próprios fóruns. Para ela, “o FSM é a maior e mais ampla rede de cidadania democrática do mundo”. Já Nandita Shah, organizadora do FSM da Índia em 2006 e integrante da Rede Nacional Autônoma de grupos de Mulheres (National Network of Autonomous Women's groups), deixou clara a necessidade da construção de uma plataforma comum entre os movimentos sociais. “A pluralidade e a diversidade devem ser impulso, não freio. Não temos necessidade de um consenso absoluto, porém precisamos construir uma plataforma programática unitária”, afirma.

“O FSM está entre o que já não é e o que ainda pode ser”, define a uruguaia Lilian Celiberti, da Articulación Feminista Marcosur. Em fala emocionada, ressaltou que a diversidade nos coloca frente a nossas próprias tensões e contradições. “O diálogo como construção política não é uma coisa banal, é uma disputa e uma conquista diária”, expõe. Lilian pontuou a importância da não-hierarquização das lutas: “Não se trata de uma luta somente antineoliberal ou antiimperialista. Mas também antisexista, antiracista, antipatriarcal”. Ao abordar a atual tragédia do Haiti, frisou que é preciso “passar da compaixão ao ato político”, fazer uma análise profunda da desigualdade, do processo de colonização e da conjuntura social, política e econômica do país.

Terminadas as falas previstas, subiu ao palco uma liderança indígena da tribo Xoklem, a quem se foi concedeu a palavra por cinco minutos. A indígena expôs a situação que a sua etnia vem enfrentando: localizados apenas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, lutam diariamente pelo direito de viver em suas terras e contra barragens. “Quero falar, no pequeno tempo que me foi dado, que é uma vergonha que não tenha nenhum indígena na programação desse seminário. Somos companheiros de luta” criticou, ovacionada pelo público.

O FSM prossegue com atividades na Grande Porto Alegre até sexta-feira, 29. Após a abertura foi realizada uma marcha pela capital gaúcha, que contou com cerca de 30 mil pessoas. Para os próximos dias de Seminário Internacional estão confirmadas as presenças de nomes como Boaventura dos Santos, Eric Toussaint, Bernard Cassen e Jamal Juma, entre outros. O Presidente Lula irá realizar atividade nesta na terça, no ginásio do Gigantinho.

* publicado originalmente no Site da Revista Caros Amigos e retirado em 26/01/2010 do endereço:

 http://carosamigos.terra.com.br/index_site.php?pag=revista&id=&iditens=475

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