Por Bruno Dorigatti
Foto de Tomás Rangel
Publicado originalmente no Saraiva Conteúdo e retirado em 25/12/2010 do endereço:
http://www.saraivaconteudo.com.br/Artigo.aspx?id=503
Lobão toma a cena novamente neste final de 2010. Com sua caudalosa autobiografia de quase 600 páginas, 50 anos a mil (Nova Fronteira) – escrita em parceria com o jornalista Claudio Tognolli, responsável pela pesquisa sobre o músico na imprensa e nos arquivos judiciais e policiais – o carioca que mora em São Paulo há dois anos repassa sua intensa e acelerada trajetória, desde a tenra infância de classe média na zona Sul do Rio de Janeiro, até esta década que finda em alguns dias, mergulhando fundo em suas descidas ao inferno. Lobão apresenta a sua versão de histórias que ajudam a compor a cenário da música pop brasileira dos anos 1980, passando por bandas como Vímana (esta ainda no final dos anos 1970, onde tocou com Lulu Santos e Ritchie), a Blitz e a carreira solo onde se firmou como um dos mais importantes nomes de sua geração.
Lugares comuns como “metralhadora giratória” e “porra louca” são alguns dos epítetos que vemos associado ao seu nome. Preso em 1987 por conta de um galho de maconha, Lobão lançaria na época Vida bandida, um dos seus grandes álbuns, e chegou a tomar mais 132 processos nas costas, pelo fato de não se deixar ser tutelado pelo Estado, alega ele.
Outra boa nova para quem admira o seu trabalho é a caixa que a Sony Music lança em breve com três CDs com repertório selecionado pelo músico entre os trabalhos lançados entre 1981 e 1991, além do DVD com o Acústico MTV (2007). Acústico esse muito criticado pela mídia nativa na época do seu lançamento pelo fato de Lobão, sempre crítico aos músicos que gravavam no formato, ter se rendido a ele. Com o Grammy de melhor álbum de rock daquele ano debaixo do braço, ele não se cansa de reafirmar que a luta pela numeração dos discos, iniciada em 1999 quando rompe com as gravadoras, era justamente para que, após a sua instituição, ele pudesse gravar por uma grande gravadora.
Neste descontraído e acalorado papo em seu estúdio, que fica nos fundos de sua casa no quieto e sinuoso bairro do Sumarezinho, em São Paulo, Lobão comenta a bundamolice que reina não só na cena musical atual, mas no país como um todo, segundo ele por conta da AIDS. “As pessoas foram ficando bunda moles, viraram religiosas, evangélicas, ficaram caretas, começaram a ouvir bossa nova, tudo por causa da AIDS. É verdade. Porque estava tudo para sermos libertários. Pô, hoje em dia um cara mais ou menos doidão é favor da virgindade no casamento, quer uma mulher virgem, é contra o aborto, fã do Marcelo Rossi. Esse é um cara normal atualmente, o que seria um grande bunda mole em qualquer outra época da vida que não fosse agora.” Além disso, ele senta o pau na bossa nova, em bandas como Restart e critica os independentes que não ambicionam tocar nas rádios, o que ainda seria fundamental para “pontuar, entrar no chart da história”. Recorda da polícia e dos juízes que o perseguiram, proibindo e sabotando seus shows, “pessoas obtusas que têm pulsão de morte”. “Sei que já estou há muitos anos na frente desses babacas. Então, cabe a eles, ó, acelerar, porque gente feliz como eu não dá trabalho. [risos] Eles que me dão um trabalho terrível, porque não entendem as coisas, são inflexíveis, pessoas preconceituosas."
No livro, o velho Lobo garante ter amaciado muitas das histórias. Por isso a importância de Tognolli, que com sua pesquisa chancela muita coisa que para muitos não passam de lendas e mitos. Já no prólogo, recorda do velório de seu amigo Júlio Barroso, que havia formado a Gang 90, e morreu ao cair de seu apartamento, em 1984, quando Lobão e Cazuza passaram a madrugada cheirando em cima do caixão, no cemitério do Caju, no Rio. E há histórias como de um tiroteio no Buraco Quente, na Mangueira, quando pegou um 38 e saiu dando pipoco, relatos sobre o tempo na cadeia e o que viu por lá, a difícil fase imerso nas drogas, o dia onírico em que Elza Soares improvisou com ele no estúdio um dia depois de perder seu filho com Garrincha, registro que foi perdido pela gravadora, a convivência dura com a mãe que, assim com seu pai, se suicidou.
O músico também soltou o verbo para cima de uma intelligentzia da MPB meio de esquerda, que teria colocado “um tampo cultural na frente de todas as pessoas que querem emergir culturalmente”. E lembra também dos prestimosos colegas jornalistas que tentaram derrubá-lo por muitas vezes.
“Já me enterraram 500 vezes e não vão me enterrar, é evidente. Eu já vi vários jornalistas finalizando a carreira. E vou presenciar muito mais. Porque eu estou aqui não é de brincadeira. As pessoas não entenderam isso. Eu não sou nenhum bufão, porra! O que acho legal é que meus adversários me subestimam. Eu conheço todos eles. Vão se fuder, evidentemente.”
E apesar de certo histrionismo que pode transparecer na conversa, na verdade trata-se apenas de um quesito que anda em falta: honestidade. “Eu sou o cara mais normal do mundo. Sou um homem honesto, falo o que sinto, digo, seja duro ou não, o que eu penso. Isso é ser anormal? Eu não acho, né?”
Eis, Lobão.
Como foi aquele momento em que surgiu o Vímana, nos anos 1970, com você Lulu Santos e Ritchie?
Lobão. Primeiro, este momento não existiu no meu sentido, porque eu não peguei o Vímana em 1974, era muito jovem ainda. Em 1975, eu tinha 16 anos, quando entrei no Vímana, depois do Candinho. Tem uma cena de 1974 do Vímana, que era a banda, mas sem o Ritchie e sem eu. Tinha o Candinho, quando eles tocaram no Hollywood, em 1974. Para mim, não era uma cena, porque eu estava enclausurado dentro de casa, tocava e, quando entrei para a banda, era a época que eu menos estava interessado em rock. Porque foi um cara que levou a bateria para lá. Eu não queria entrar de jeito nenhum, só entrei porque já estava repetido de ano, não tinha mais nada o que fazer. Queria ser maestro, mas não sabia uma nota musical... Síndrome de dignidade intelectual, acho que foi isso. Mas quando eu entrei era um mundo completamente diferente e muito mais evoluído, a cena do underground, do que o que existia na época, por exemplo. Bandas como Veludo Elétrico, Vímana, Mutantes, Som Nosso de Cada Dia tinha um PA enorme, roadies, técnicos de som, uma infra-estrutura que o show businessbrasileiro só veio a ter em meados dos anos 1980. Ainda peguei a Marina tocando e era a roadie da coisa. Com a Maria Bethânia, os músicos carregavam os instrumentos nas costas. Então tinha essa coisa, que era muito mais avançada – eu acredito que era – em termos gerais mesmo. E isso veio a contribuir pro mainstreamgeneralizadamente, apesar de ele não ter absorvido 100%, mas já deu um alô.
E como foi desse momento até chegar na Blitz, participar da banda?
Lobão. Olha, isso tudo está no livro, cara. Se eu for contar pra você aqui, vou estragar totalmente o relato. Pô, se quiser, dá uma olhada no livro, está tudo lá. Eu posso contar sobre como fiz, mas contar a história que está no livro, é melhor a pessoa ver, né?
Nem contextualizar para quem não conhece aquele momento, o teu trabalho?
Lobão. Imagina, não vou ficar explicando. Se quiser entender o que aconteceu... O livro está num pacote em que, realmente, existe o tom certo, a informação no ritmo certo. E tem coisas que são muito complexas para você ficar destacando deste texto e querer ficar dando uma pincelada quando vai acabar comprometendo a própria mensagem, eu acho.
Então vamos falar do livro. Por que o livro e por que este momento para sentar e relembrar, recontar a tua versão destas histórias?
Lobão. Basta a pessoa ler o livro para entender o por quê. Porque está tão escancarado, e não é um por quê, são vários por quês. E o livro está ali para isso mesmo, esse tipo de coisa as pessoas têm que entender lendo. Se eu disser para você que queria isso, queria aquilo, nada vai ser o suficientemente eloquente para dizer o quanto eu tinha necessidade de escrever esse livro. Está tudo lá, a cada frase transpira esse tipo de necessidade. E essa necessidade transpira em vários poros, diga-se de passagem.
Falando então do processo, como é sentar e escrever? Já havia escrito coisas longas?
Lobão. Sempre escrevi, esboços de romances. Eu sabia exatamente o que queria fazer, quando sentei para escrever. Essas histórias, já contei muitas vezes, era apenas então uma coisa de alinhavá-las, e fiz com o maior prazer. Eu sou uma pessoa que escrevo, foi muito fácil para mim.
E qual o papel do Claudio Tognolli no livro?
Lobão. Foi fundamental, porque ele que fez a parte documental. A parte toda do Lobão na mídia é dele. A hora em que estou na primeira pessoa, sou eu. Na hora em que é o Lobão na mídia é este tremendo trabalho de investigação do Tognolli têm pérolas de documentos judiciais, depoimentos, entrevistas como pessoas como Elza Soares, Maria Juçá, Luiz [Paulo Simas], Ritchie, entre outros. E para poder narrar determinadas histórias, eu tinha que ter um respaldo documental, senão as pessoas iriam achar que era mentira. Então precisei muito e logo tive o melhor jornalista investigativo do Brasil.
Nessa busca, o quanto a tua memória te traía, batendo aquilo que tu recordavas com o material que o Tognolli trouxe?
Lobão. Minha memória é translúcida, imagina, está tudo certo. Inclusive, tem coisas que, por exemplo, me dizem: “Ah, você não cheirou no caixão do Júlio. [Barroso, músico que criou a Gang 90, no começo dos anos 1980 e morreu em 1984, ao cair de seu apartamento, em circunstâncias desconhecidas]” Cheirei, sim. Tem pessoas que criticam o livro, dizendo que é meio exagerado. O problema é que eu diminuí [risos].
Naquela época, essa turma era exagerada, né?
Lobão. Não, a turma não era exagerada, eram normais. As pessoas que se tornaram muito bunda moles. Porque aquilo era viver, né? Pensa bem, você vai viver sendo um virgem existencial? Esperando a vida passar na casa da tua mãe, com 40 anos. A gente não era assim, mas também não éramos exagerados, a gente simplesmente vivia feito homens. Coisa que atualmente é muito raro de você encontrar.
Pois é, hoje a gente vive esse politicamente correto, tudo enquadrado, não pode falar isso, aquilo...
Lobão. E as pessoas vivendo na casa dos pais. O brasileiro vive na casa do pais, isso é um sintoma de bundamolice endêmica. A gente estava ali na chuva para se molhar. Que isso, rapaz? Com 16 anos estava pensando que tinha que se mandar, não pode ficar embaixo da asa. Isso torna o cara bunda mole inevitavelmente. Fora todas as outras aberrações culturais que o cara recebe de vale-brinde, que torna o cara um bunda mole inexorável.
Por exemplo?
Lobão. Sei lá, a poluição cultural que tem no Brasil atualmente. Você ouvir axé, achar que vai ganhar uma gata e chupar uma boca e passa a frequentar micareta. Em uma temporada seu QI já baixou 20 pontos. Ou você vai a um show de sertanejo universitário para ganhar uma gata também, vai abaixar o QI. E depois vai querer ir pro Rock in Rio e neguinho vai dançar quadrilha de São João e não sabe por quê. Porque perdeu o rebolado há muito tempo.
E por que esse bundamolismo foi crescendo?
Lobão. Medo da AIDS. A gente viu e viveu isso. As pessoas foram ficando bunda moles, viraram religiosas, evangélicas, ficaram caretas, começaram a ouvir bossa nova, tudo por causa da AIDS. É verdade. Porque estava tudo para sermos libertários, nos libertarmos de várias amarras. Pô, hoje em dia um cara mais ou menos doidão é favor da virgindade no casamento, quer uma mulher virgem, é contra o aborto, fã do Marcelo Rossi. Esse é um cara normal atualmente, o que seria um grande bunda mole em qualquer outra época da vida que não fosse agora.
E musicalmente? Tu citaste alguns sintomas, como o axé nos anos 1990, o sertanejo universitário nos anos 2000, mas ainda temos focos de resistência. Tu mesmo contribuíste para isso com a Outra Coisa, lançando uma turma boa [a revista era acompanhada de lançamento independentes, como BNegão e Os Seletores de Freqüência e Mombojó]...
Lobão. A turma boa está sempre aí e, o que é pior – ou o que é melhor –, é isso que daqui a 20, 30 anos neguinho vai falar. É o BNegão e Os Seletores de Frequência, não é a Claudia Leitte que vai estar daqui a 50 anos no chart da história. E disso fico muito orgulhoso, contribuí muito. Porque as pessoas não entendem que isso é censura! Por que essas pessoas não estão tocando no rádio? Por que as pessoas são indulgentes, complacentes com isso? Brasileiro é tão sangue de barata! Olha, cara, acho que com esse livro fico pensando assim: “Olha, por que vocês são tão sangue de barata?” Porque não aguento, acho que eu sou o normal, entendeu? Porque o homem não tem sangue de barata, você fala, diz “não, gosto”, “gosto”. Então por que dizem que eu sou o anormal? Eu sou o cara mais normal do mundo. Sou um homem honesto, falo o que sinto, digo, seja duro ou não, o que eu penso. Isso é ser anormal? Eu não acho, né?
Falando do teu trabalho, tem um momento em que tu resolves dar um chute lá em 1999 e seguir o teu caminho. Era um momento em que a indústria já estava degringolando, mas ainda achava que...
Lobão. Não estava, não. Eles estavam vendendo dois milhões de cópias. Na verdade, a única pessoa que estava anunciando a morte era eu. Aí neguinho me dizendo que eu era louco, maluco, o tempo todo. Depois que começou a cair, trocaram maluco para Quixote. Agora, o que eu vejo, através desse livro mesmo, é que sou um mestre de prospecções. Até hoje, não errei nenhuma. Será que as pessoas não veem isso? Desde ganhar o Grammy [em 2007, com o Acústico MTV], sair da Blitz, tudo acertei quando ninguém achava que eu estava certo. Quando estava preso... Pô, estava preso porque disse “Não quero ser tutelado”. Me prenderam por um galho de maconha. As pessoas têm que entender que a única imputação legal que eu tinha era sobre esse galho de maconha, artigo 16. Não houve em, nenhum momento, nenhum tipo de processo que tivesse desacato à autoridade. Era o artigo 16, eu tinha total respaldo da lei para poder responder em liberdade e tive que fugir da polícia. E disso desencadearam mais 132 processos porque eu disse que não queria mais ser tutelado pelo governo. E as pessoas acharam que eu era um mal social, um maluco, faziam exames ginecológicos nas meninas... A polícia cortava, sabotava os shows, o juizado de menores cancelava os shows, era uma loucura.
Por que tu achas que eles ficaram tão putos, querendo dar esse cala boca?
Lobão. Porque eles queriam que eu me submetesse, queriam que eu me ajoelhasse e dissesse “Não, realmente eu sou um porra louca, sou um roqueiro, sou um merda, toco dois acordes e vocês são o máximo”. Não sou! Sou uma outra coisa, estou na estratosfera e vocês estão ainda roendo beira de pinico, são minhocas no asfalto. E sei que é isso. Sei que já estou há muitos anos na frente desses babacas. Então, cabe a eles, ó, acelerar, porque gente feliz como eu não dá trabalho. [risos] Eles que me dão um trabalho terrível, porque não entendem as coisas, são inflexíveis, pessoas preconceituosas, obtusas que têm pulsão de morte. Porque isso não pode acontecer, inclusive é uma poluição social haver pessoas andando por aí impunemente com esse nível de humanidade baixíssima. Isso depõe contra o rock’ n’ roll e a sociedade.
E o rock ’n’ roll hoje, o que tem te chamado a atenção? Onde estão as coisas que valem a pena, que interessam?
Lobão. O rock ’n’ roll, pensa bem... Se tirar o rock ’n’ roll do mundo atual, não existe nada. O que que existe de mais legal no mundo? É o rock ’n’ roll. Você tem o Radiohead, Paul McCartney. Tem o Them Crooked Vultures [banda formada por John Paul Jones (Led Zeppelin), Josh Homme (Queens of the Stone Age) e Dave Grohl (Foo Fighters e Nirvana)], o Queens of the Stone Age, The Wombats, uma banda de Liverpool [Inglaterra], Arcade Fire, está tudo tomado. No trip hop, o Massive Attack está lançando disco novo, no ano retrasado, teve o Third, do Portishead reafirmando o gênero nos grandes festivais. Todo mundo fazendo coisas legais, menos aqui no Brasil. Aqui tem gente fazendo coisas legais, mas não tocam na rádio, não pontuam. O rádio só tem coisa comprometida com o jabá, cara.
Ainda hoje, né? Impressionante, mesmo com o fim da indústria...
Lobão. Mas as pessoas aqui estão erradas por isso. Falei pro pessoal da música independente: “Vocês parem, a gente tem que lutar pelo rádio”. “Ah não, deixa o rádio pra lá”. Não é possível, a gente tem que entrar no Faustão, tem que entrar no rádio, senão a gente não pontua como fundo musical de uma época. E as pessoas acham que é legal ficar carregando amplificador e neguinho daqui a dois anos não sabem quem você é. Então fica uma cizânia muito grande: ou o cara que dá a bunda por qualquer merda e vira um Restart da vida, ou o cara que vira super atração independente, o melhor do quarteirão. Você precisa invadir o mainstream, porque ele está muito ruim. A gente precisa de um mainstream melhor. Sempre tivemos um mainstream mais ou menos legal. Pensa bem. Como hoje em dia, nunca esteve tão ruim assim. Você tem sertanejo agrobrega, você tem aquele Luan Santtana, aquilo depõe contra nossa inteligência, é muito ruim. Não pode acontecer. O pessoal independente tem que tomar esse espaço, como fizemos nos anos 1980. A gente se propôs a sair do undergroundpara entrar no rádio. E se não fosse isso não existiria os anos 1980. E se não existisse isso, estaríamos tocando Elis Regina até hoje. Bom, a gente continua até hoje. Porque a intelligentziabrasileira, para ser inteligente, acha que tem que fazer “papauêra”, tem que ser um barroco cheio de circunvoluções inúteis, cheio palavras difíceis. Aquilo é uma chatice! Edu Lobo é ruim, pode dizer que é ruim, porque não vale nada, aquela pose circunspecta e falando de coisas que ele nunca viveu. Vai falar dos jangadeiros, vai pescar um peixe, porra! Pior é que temos uma intelligentzia da MPB toda de esquerda, então o chassi está errado. As pessoas se enaltecem por serem sensitivas ao outro. Aí ficam se sentindo sexy, acham que vão comer deus e o mundo porque são benevolentes para com a humanidade. Vai tomar no cu! Isso é pobre, é uma pulsão de menos-valia de espírito, sabe? E as pessoas não entendem isso. E isso que me deixa com repulsa. Por isso que tudo que é sofisticado se transforma em muzak na MPB. A bossa nova é toda sofisticada, mas você vai ouvir numa loja de departamentos, comprando uma meia. Por quê? Pergunte à bossa nova, mas você não vai ouvi-la em um concerto. Porque aquilo ali é bunda mole, as pessoas se contentam com aquela representação anódina de ser e acham que é bonitinho. Mas o cool americano não era anódino, era zen de sofrimento. E o brasileiro emula o cool sendo cold. E as pessoas não sacam isso. Estou falando sério. Isso é uma característica que denigre a gente. Porque é falta de energia vital. Então não adianta você ter um corolário de harmonias se não tem energia vital, a paudurescência mínima para stand up and fight. E não ficar lá paparara...[imitando a sonoridade bossa nova] E as pessoas enaltecerem e sacralizarem um segmento que torna-se uma coisa hegemônica na nossa cultura. E é isso que quero dizer: Saiam daí! Vocês passaram estes anos todos, essa intelligentzia, com um tampo cultural na frente de todas as pessoas que querem emergir culturalmente. E hoje em dia, mais do que nunca, qualquer débil mental que dá uma maçã para o professor, tem que se vestir meio Los Hermanos, meio Luiz Gonzaga Junior [Gonzaguinha] e ficar pedindo a bênção para o professor de ciências humanas, história, de esquerda para ser alguma coisa. O cara entra gostando de Led Zeppelin e saiu gostando de Edu Lobo, no maior prejuízo, evidentemente. As pessoas não entendem que isso é um prejuízo, porque você está com 10 pontos a menos no QI, e pensando com uma síndrome de dignidade intelectual à flor da pele, achando-se muito mais inteligente. Você está mais pernóstico e menos inteligente, próximo do Edu Lobo.
E sobre a reação na época que tu gravaste o Acústico MTV, em 2007, depois de meia década lutando pela numeração dos discos...
Lobão. Mas peraí, eu não admito esse tipo de coisa, porque, recentemente, a campanha da numeração – é uma coisa que não faz nem cinco anos –, falei o tempo todo, declarei o tempo todo que queria numeração pra quê? Pra quê? Para assinar um contrato com uma gravadora grande. Então qual é a contradição se eu bati, bati, bati, consegui a numeração e qual é a contradição? Por que jornalistas, que estão trabalhando já há 10, 20 anos, num espaço de quatro, cinco anos não conseguem detectar esse tipo de coisa? Porque estou falando mal, não só falei mal, como eu encolhi a indústria, ela sabe disso. Não deixei de falar um momento sequer sobre isso. Então isso foi maldoso, escroto, covarde, [feito] por uma mídia ainda com sobreviventes de uma época de jornalistas que estavam locupletados com uma porrada de jabá, inclusive o livro fala muito bem sobre esse assunto. E são jornalistas que estão em uma facção que querem por querem me derrubar de qualquer jeito. Já me enterraram 500 vezes e não vão me enterrar, é evidente. Eu já vi vários jornalistas finalizando a carreira. E vou presenciar muito mais. Porque eu estou aqui não é de brincadeira. As pessoas não entenderam isso. Eu não sou nenhum bufão, porra! O que acho legal é que meus adversários me subestimam. Eu conheço todos eles. Vão se fuder, evidentemente.
E como surgiu a oportunidade para trabalhar na televisão?
Lobão. Muito jóia. Comecei no Saca Rolha [programa no Canal 21, com Marcelo Tas e Mariana Weickert] e fui me reinventando. Fui amaldiçoado pelo acústico, foi recorde negativo de venda, eu estava morto artisticamente, todos estavam certos da minha extinção em massa naquele exato momento. E o Cazé Peçanha falou: “Você não queria fazer um programa de debates?” “Me dá isso aqui!” Se eu não fizesse, estava morto, mais uma vez morto. Mas o problema é que ainda não inventaram dinheiro que eu não pudesse ganhar. As pessoas não entenderam isso ainda. Então é isso, ganhei o Grammy de melhor disco de rock de 2007 com um disco que foi massacrado. Passei três anos na MTV, rejuvenesci meu público. Hoje em dia vou fazer show, tem quatro gerações, tem 12, tem de 16, tem de 22, tem de 35, tem de 40 e tem de 50. Então estou com um público altamente renovado e ampliado, é isso que aconteceu comigo. E agora com o livro, que vai ser um best-seller, evidentemente. E ainda vai sair a minha caixa, que estava presa há mais de 25 anos na minha gravadora – porque foi uma conquista de 25 anos também. As pessoas vão acabar tendo um pacote meu bastante profícuo de informações lobônicas.
Legal isso da caixa. Foi remasterizado?
Lobão. Foi remasterizado pelo Roy Cicala, grande Roy Cicala, inventor da voz de John Lennon. AC/DC, Tom Jobim, Elvis Presley, Jimi Hendrix, ele fez praticamente a história do rock nos Estados Unidos, está aqui em São Paulo morando há cinco anos e remasterizou todo o meu trabalho [A caixa reúne três CDs e leva o nome Lobão 81/91(Sony Music)].
E tem algo inédito, da época das gravações?
Lobão. Não, porque foi tudo... Foi procurar os meus outtakes, mas eles apagaram para gravar pagode nos anos 1990. Inclusive, uma improvisação da Elza Soares no dia em que ela perdeu o filho. Aquela coisa histórica, que eu estava procurando. E isso era uma coisa que, por contrato, a gravadora não poderia apagar, é crime. Poderia até fechar a gravadora por causa disso.
E tu conseguiste tirar estes discos da gravadora?
Lobão. Não tirei, não. Eles têm por obrigação lançar os treze discos que são deles. Mas achei que não deveria lançar estes 13 discos agora porque acho que economicamente seria um chute no saco do consumidor. Então eu fiz uma seleção, com três CDs mais o DVD Acústico MTV. Selecionei as músicas que achava mais representativas. E depois vão sair os vinis, isso da minha fase de 1981 a 1991 [na Sony Music]. Porque eu vou querer sair com Nostalgia, que está na EMI, Noite, que está na Universal, e mais os três meus, que vão sair em vinil. Porque agora só vou querer lançar tudo em vinil, evidentemente.
Como tu vês essa volta do vinil?
Lobão. Estou moderno, as pessoas no Brasil têm que entender que o vinil é o material moderno. Você vai pra Londres, 98% das lojas só de vinil. CD às vezes virgem, não existe mais CD para vender. Agora, a indústria brasileira fomenta o CD porque é muito mais barato, mas quando o CD foi lançado eles dobraram o preço. Aí estão todos embananados. Aqui no Brasil ainda falam “ah, é uma coisa de nostalgia”. Mas você tem todos os discos do Radiohead, Them Crooked Vultures, duplo. Eles vêm todos em um bolachão de 180 gramas. Aí você tem um papelzinho para baixar aquilo tudo na internet. Tem outro procedimento que o Brasil ainda não está acostumado. Cabe a nós divulgarmos, porque a gente vai ter que vender vinil. É a única coisa que dá para se vender, que distingue um produto “pan” de um produto “panranpanpan”.
Isso aí, Lobão. Obrigado
Lobão. É isso aí? [risos]
Foi bom o papo.
Lobão. Mas, você sabe, eu tenho que marcar às vezes sob pressão certos argumentos porque eles já são estereotipados.
> Assista à entrevista exclusiva de Lobão ao SaraivaConteúdo
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