Publicado por Leonardo Brant na sexta-feira, 17 dezembro 2010 no Cultura e Mercado, retirado em 19/12/2010 do endereço:
http://www.culturaemercado.com.br/headline/o-cavalo-do-bandido/
Tenho ouvido em alguns debates (sobretudo os promovidos e mediados pelo Ministério da Cultura) que como nunca antes na história deste país “a cultura finalmente ocupa um lugar estratégico”. Teríamos superado o tempos neoliberais, do cerceamento ideológico da ditadura militar, e construído uma política ampla, democrática, participativa, com orçamento e “presença do Estado”? Procuro aqui e acolá, analiso números, programas, estruturas, procedimentos, medologias, gestão, orçamento, e não consigo enxergar o tal grande salto da cultura, o inequívoco e incontestável avanço das políticas culturais.
Vejo sim, isso é incontestável, um novo discurso. Mais amplo, contemporâneo, avançado, mas também retórico, contraditório, incoerente, impreciso e disfuncional em relação às práticas culturais do país, para não dizer do próprio governo. Como deve ser, aliás, já dissemos várias vezes por aqui. O novo se choca sempre com as velhas estruturas.
Observo uma camada articulada da população contentar-se com o discurso, como se ele fosse a própria política (acostumada com pouco, ou quase nada…). Como se não precisasse haver nada além do discurso para resolver os problemas crônicos da política cultural brasileira: de infraestrutura, pesquisa, serviços públicos (direitos culturais), financiamento, mercado.
Basta dizer que o Estado é forte e num passe de mágicas ele se torna forte, mesmo sem dinheiro, sem gestão, sem programas e estrutura. Basta para isso: 1) investimento maciço em comunicação, exaltando os personagens por trás da boa ação, para sustentar o discurso na mídia, em blogs e redes patrocinados; 2) interlocutores de credibilidade, favorecidos por patrocínios diretos do governo, ou convidados para fazer parte deste ou daquele programa revolucionário, para dar o seu aval e garantir verosimilhança às frases de efeito forjadas no gabinete: modernização, democrático, republicano, contemporâneo, descentralizado…; 3) descredibilização (pertence a grupo tal, representa os interesses da elite), assédio moral e perseguição a todos que contrariam aquela verdade absoluta; 4) controle de todas as torneiras e modos de permitem escoamento de recursos ao mercado, garantindo seca aos incautos, loucos, rebeldes e suicidas que insistirem em uma “outra verdade”.
Goebells, o ministro da propaganda nazista, dizia que bastava repetir uma mentira para ela se tornar verdade. A grande mentira que estamos vivendo é de que temos uma política cultural avançada, democrática e participativa. E que deve ser continuada a qualquer custo.
Não penso, nem de longe, em jogar a criança fora, com água e tudo. Muito pelo contrário. O povo brasileiro quis continuar mudando. E para continuar mudando é preciso mudar, no mesmo rumo, com os mesmos propósitos, mas agregando capacidades novas, com novos interlocutores. E, principalmente, com diálogo.
Percebo uma vontade enorme do Partido dos Trabalhadores, eleito democraticamente, de participar desse processo. Vejo o PCdoB, com tantos talentos dedicados à causa, o PSB, o PMDB, grupos mobilizados em torno das artes, cultura digital, diversidade, mercado, gente com sede e vontade Política Cultural, de democracia, de conversa, de contrução coletiva.
E vejo também sede de poder, de querer fazer aquilo que não fez, porque não deu tempo. Não considero ilegítima essa vontade, mas o uso da máquina governamental para patrocinar e articular uma campanha pelo poder é acintoso e fora de propósito. Se houvesse um programa, pontos essenciais, metas, compromissos a cumprir, estaríamos lutando por algo concreto, verdadeiro, que valha a pena lutar. Mas trata-se apenas de uma luta pessoal, pelo poder…
Em entrevista concedida à Folha de S.Paulo, Gilberto Gil declarou que o projeto precisa continuar, mas não necessariamente a pessoa. Isso é fundamental, pois o projeto é bem intencionado, demonstrou avanços importantes e não é personalista. Se ele depende de uma única pessoa para continuar é porque está errado. Devemos confiar em Dilma Rousseff e na sua capacidade de decisão. Ela precisa estar livre para tomar decisões, cumprir seus compromissos políticos com partidos, grupos, pessoas de confiança. E, sobretudo, com a nação brasileira. O que não podemos abandonar é o rumo das coisas. Mas este parecer estar garantido, porque nós, que estamos aqui no dia-a-dia, queremos esse rumo, que nos pertence, pois fomos nós (todos) que fizemos.
A negociação ainda não chegou no Ministério da Cultura, um mero contrapeso nas cotas partidárias, pessoais, no puxa-empurra da composição política. Vemos alguns caciques desdenhando a pasta, considerando-a pequena demais, sem orçamento, cheia de conflitos, sem valor estratégico.
Nessa hora a verdade (não aquela construída, forjada, simulada, mas a real, cotidiana, crua, doída) grita em nossos ouvidos: a cultura é o cavalo do bandido!
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