sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Leitura, livro e literatura: vias da qualificação das relações humanas

Enviado por Neusa Narico Arashiro - Coordenadora do PROLER – Campo Grande /MS.

O Brasil tem uma trilha sinuosa quando se fala em políticas públicas específicas para o incentivo à leitura. E por incrível que pareça ainda faz parte do imaginário do povo brasileiro a célebre frase de Monteiro Lobato, que um país se faz com homens e livros. Longe de discutir aqui a questão do gênero e reivindicar a expressão homens e mulheres que realmente lêem livros e/ou demais suportes presentes em nossa realidade atual. Mas são poucos que se lembram de Mário de Andrade que propôs uma enciclopédia brasileira e uma rede de bibliotecas públicas.Tudo isso antes do sonho da construção da capital federal no centro oeste brasileiro. Dando um salto na história sem termos realmente um avanço significativo no âmbito de uma política pública consistente e de continuidade aterrissamos na gestão do renomado cronista Afonso Romano de Sant’Anna a frente da Fundação Biblioteca Nacional de 90 a 96, ocasião onde o tripé livros, leitura e biblioteca se fincou e iniciativas concretas afloraram. A criação do Programa Nacional de Incentivo à Leitura – PROLER em 92(Decreto 519 de 13/05/92) é um marco para o Brasil. Por quê? Pela primeira vez a questão da leitura deixou de ser assunto tratado apenas nos círculos oficiais e agregou todas as iniciativas da sociedade civil num contexto onde as ações nessa área deixou de ser exclusivamente do âmbito do MEC. Atualmente contando com 75 comitês no Brasil, os Comitês Proler sobrevivem graças ao voluntariado de educadores, escritores e pesquisadores compromissados com o idealismo em construir novas gerações de leitores. Nesse percurso histórico de Lobato, Mário de Andrade, Paulo Freire constatamos que até hoje a questão da leitura que ultrapassa os muros escolares ainda encontra-se num estado bem vulnerável. Vejamos alguns fatos, até 2010 o Governo federal tinha como meta ter uma biblioteca em cada município brasileiro, isso não foi possível, não pela falta de apoio do MinC, mas pela resistência de muitos prefeitos não mostrarem interesse nesse tipo de investimento. Investir no arejamento intelectual da população parece nem sempre ser a prioridade de alguns gestores públicos. Socializar e democratizar o ato da leitura é com certeza uma aposta na melhoria da qualificação das relações humanas e consequentemente no amadurecimento da leitura de todo e qualquer contexto sócio-histórico.

No âmbito federal em síntese temos:

Lei nº 10 753 de 30/10/03 – Institui a Política Nacional do Livro;

Declaração de Santa Cruz da la Sierra - 21 países iberoamericanos proclamam 2005 como o Ano Ibero-americano da Leitura e comprometem-se a somar esforços para efetivar o Plano Ibero-americano de Leitura;

Em 06/ 12/05 toma posse a Câmara Setorial do Livro e da Leitura;

Em10/08 /06 Portaria Interministerial nº 1442/06 do MEC e MinC – institui o Plano Nacional do Livro e da Leitura;

Em 1º/09/11 Decreto 7 559 que dispõe sobre o Plano Nacional do Livro, Leitura e Literatura.

Em Mato Grosso do Sul o Decreto nº 12 954 de 07/04/10 institui o Plano Estadual do Livro e da Leitura – PELL-MS, sendo o pioneiro no Brasil.

Quais são os desafios a partir de agora?

Mapear todas as ações desenvolvidas pela multiplicidade de setores públicos, privados, organizações sociais, Ong’s, pontos de culturas e outros comprometidos com a responsabilidade social em democratizar o acesso ao conhecimento tendo como suporte a leitura. O diálogo entre a Cultura e a Educação, infelizmente ainda é delicado quando constatamos que no texto do Plano Nacional de Cultura ao verbete educação é parte essencial em qualquer contexto onde o binômio cultura e educação são inseparáveis. No Plano Nacional de Educação infelizmente não acontece o mesmo, e isso reflete diretamente quando vemos que a maioria das secretarias municipais e estaduais de educação não apresenta um programa consistente de incentivo à leitura. Temos sim, projetos de alguns educadores que desenvolvem ações individuais e não como uma política pública que garanta a sustentabilidade e continuidade dessas práticas leitoras. Ora, senão começarmos pelos pequeninos o caminho com certeza será mais sinuoso. Quando atuei por mais de uma década ministrando aulas em cursos de licenciaturas a constatação é estarrecedora com relação ao baixo índice do hábito de leitura. Hoje, como gestora no âmbito estadual, a realidade não muda muito, infelizmente, pois os “concursados” na sua maioria ainda encontram-se acomodados em conhecimentos que ficaram lá na remota formação acadêmica.

Portanto, me permito a fazer 03 indagações:

Até quando teremos que nos “armar” de decretos, portarias e leis para incentivar algo que deveria ser condição mínima de sobrevivência de cidadania?

Como os gestores públicos podem agir de forma a garantir a sustentabilidade dos programas de incentivo à leitura, livro e literatura em suas pastas?

O aumento de investimentos financeiros do programa federal chegará até aos rincões mais distantes de nosso país e lá teremos mediadores de leitura comprometidos?

Parece-me pertinente emprestar aqui a voz de Antônio Cândido “... o que importa não é que os alvos sejam atingíveis na sua sonhada integridade. O essencial é que nos disponhamos a agir como se pudéssemos alcança-los, porque isso pode impedir ou ao menos atenuar o afloramento do que há de pior em nós e em nossa sociedade”.

E é nessa essencialidade que o Comitê Proler Campo Grande – MS continua a contar com a ação e a generosidade de educadores, gestores públicos e profissionais diversos compromissados com o desenvolvimento de práticas fortalecedoras do tripé leitura, livro e literatura acreditando que estamos contribuindo para a construção de um Mato Grosso do Sul com mais leitores.

Neusa Narico Arashiro

Coordenadora do PROLER – Campo Grande /MS.

 

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