terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O Audiovisual Redescoberto

Retirado do Cultura e Mercado em 17/01/2012 do endereço:

http://www.culturaemercado.com.br/pontos-de-vista/o-audiovisual-redescoberto/

Por Leonardo Brant

A experiência de “filmar” com máquinas fotográficas digitais começou, para mim, no final de 2005. Fui para Dakar, no Senegal, em companhia de Fábio Cesnik e André Martinez. O motivo da viagem foi a Conferência Anual da Rede Internacional pela Diversidade Cultural – RIDC. Eu e Martinez participamos de uma mesa sobre democracia audiovisual.

Resolvemos passar um dia, ainda antes de começar a Conferência, na ilha de Gorée, um conhecido entreposto de comercialização de escravos africanos para toda a América. Eu e Fábio havíamos levado duas máquinas Canon portáteis, do mesmo modelo, de 4 megapixels. Ali descobrimos a função vídeo do equipamento e começamos a gravar, como crianças frente a um novo brinquedo.

Eu já havia trabalhado com vídeo, desde os 21 anos, em algumas produtoras de São Paulo, no Brasil. Cheguei a implementar, sob coordenação de Norma Kyriakos, uma TV interna na Procuradoria Geral do Estado de SP, com participação dos próprios profissionais da carreira. Mas desisti logo do ofício, pelo esquema de trabalho que me submeti naquela época, com noites em claro na ilha de edição, para realizar produtos audiovisuais pouco estimulantes do ponto de vista criativo.

No quarto do hotel descobrimos, também de maneira inadvertidamente tardia, um editor de vídeo que veio com o sistema operacional. Ficamos umas 4 horas experimentando a ilha de edição, caseira e improvisada, e exibimos na mesma noite para alguns amigos, como Joost Smiers, Rafael Segovia e o cineasta brasileiro Joel Zito Araújo, também presente à conferência.

Fizemos uma conexão imediata daquele tipo de expressão com os movimentos pela diversidade cultural. Àquela altura já imaginávamos as possibilidades que as novas tecnologias da informação e comunicação nos ofereceriam num futuro próximo. Sentimos na pele a potência que uma câmera, um editor e um sistema de distribuição poderia dar ao cidadão comum.

O alerta constante que o exercício do ativismo cultural impõe tomou-nos de assalto. As possibilidades de controle aumentam proporcionalmente à capacidade de libertação. Prevíamos uma guerra política e de mercado em torno da informação e da propriedade intelectual. E ela se concretizou. Estamos no meio dessa batalha.

A maior descoberta de todas, e a mais estimulante, foi o YouTube. Retornando ao Brasil, publicamos despretensiosamente o filme Dakar, Gorée (abaixo), uma mistura entre registro de viagem e experimento audiovisual amador. O vídeo obteve um volume impressionante de visualizações no site, chegando a ser pontuado como 3º mais acessado naquele dia, em todo o mundo, em sua categoria.

A partir daí não abandonamos os ciberfilmes, como chamávamos os experimentos audiovisuais com câmeras caseiras, ilhas de edição amadoras e distribuição em plataformas do it yourself, como YouTube ou Vimeo. Fiz, a partir daí, uma série de experimentos e micro-documentários. Alimentei durante um período um tipo de produção em ciberfilmes que exigia gravação, edição e publicação no mesmo dia. Até que fui aos poucos deixando de gravar para me dedicar ao projeto Ctrl-V.

Passei a dedicar-me à pesquisa de novos equipamentos e possibilidades tecnológicas. Adquiri um novo equipamento, uma Canon G10, com uma definição de imagem um pouco melhor, recursos óticos e uma textura mais próxima da imagem cinematográfica, resguardando, no entanto, sua portabilidade e característica de câmera caseira.

Nesse ínterim realizamos o longa-metragem Os Quatro Elementos em Si ou O Guru Selvagem, documentário com Jorge Mautner e Nelson Jacobina, dirigido por Martinez. O primeiro ciberfilme a ocupar a grande tela na Mostra de Cinema de São Paulo, uma das mais importantes do Brasil. Nascia a Deusdará, produtora especializada nesse tipo de produção audiovisual.

Sem ter planejado, havíamos conseguido materializar o processo de convergência, mas de forma oposta às experiências conhecidas até então. Em vez de um filme pirateado nas telas da web, conseguimos desenvolver um produto genuinamente web para as telas de cinema.

Dessas experiências todas veio a inspiração para uma pesquisa-ação que envolvesse o audiovisual como tema e também como linguagem e suporte. Roberta Milward, coordenadora do Divercult no Brasil, havia cuidado conosco da pós-produção do Guru, o que nos colocava num estágio avançado em relação a esse complexo desafio.

Resolvida a questão do equipamento, veio a escolha da plataforma de edição. Por mais que nos identificássemos com os movimentos de software livre e todas as possibilidades de participação e efetivação de comunidades de conhecimento, fiquei com muito receio de nos perdermos nesse processo, já que nenhum de nós é ativista praticante dele. Definimo-nos como meros simpatizantes da causa.

Da todos nós, o Badah é o mais dedicado às pesquisas de softwares e plataformas web. Mesmo com sua ajuda, não conseguimos encontrar nenhum equipamento em plataforma PC, livre ou proprietário, que nos desse a segurança que o equipamento da Apple nos deu. Uma conversa com o amigo cineasta Luciano Cury foi definitiva para migrarmos definitivamente para o Mac.

Utilizamos o software I-movie, que vem instalado com o Mac, para as edições mais ligeiras, que alimentam o canal do YouTube e as publicações do videolog. E o FinalCut para a edição do webdoc.

A essa altura, o nosso processo já exigia um manejo mais profissional da ilha de edição. Por isso, convidamos Aion de Britto para nos auxiliar nessa tarefa. Aion colaborou de forma intensa e definitiva para a edição e finalização da primeira parte. A segunda foi realizada por Valdir Afonso e a edição final foi toda coordenada por Ivan 13P, que nos ajudou a realizar algumas ideias, como a cena da bicicleta na Av. Paulista.

Durante o processo, soltamos algumas versões, experimentando o encadeamento temático e discursivo, além da linguagem, textura da imagem, cortes e vinhetagens. A RAIA – Rede Audiovisual Ibero-americana foi o ambiente ideal para trocas e construção colaborativa da primeira parte de Ctrl-V, já que o próprio projeto do documentário nasceu ali.

A participação da Fernanda Martins, de Barcelona, nas decisões conceituais e de linguagem, por exemplo, só foi possível a partir dessa metodologia. Além do ambiente web, realizamos duas exibições com pessoas mais ligadas aos processos de construção do Ctrl-V, como Badah, Cleiton Paixão, Julio Cesar Pereira e Piatã Stoklos Kignel.

Enquanto investíamos energia na edição da segunda parte, demo-nos com o maior dos desafios. Como publicar na web? Em quais plataformas e sites? Como lidar com as censuras e restrições impostas pelo formato e, sobretudo, pela utilização de imagens de grandes estúdios? Como difundir, dialogar, ativar as redes? Como viralizar uma pesquisa tão densa e cheia de elementos?

Tínhamos de estar preparados para uma batalha jurídica e ao mesmo tempo uma luta por ocupar espaços e dialogar dentro de regras já estabelecidas pelo uso e pelos padrões impostos pela grande mídia. A rede se contamina a cada dia com simulacros de processos de participativos, mascarados e forçados pelas majors.

Consideramos o Vimeo o melhor serviço de difusão para materiais como o nosso. Por isso, fizemos questão de divulgá-lo prioritariamente. Mas não deixamos de utilizar outros serviços similares, como o próprio YouTube.

Também apanhamos um pouco para fazer o torrent funcionar, com sementes espalhadas por alguns lugares ao redor do mundo. Algo que vai se consolidando aos poucos. Assim como as redes sociais. Facebook, Twitter, MySpace e meus blogs pessoais foram laboratório para divulgação de trechos de entrevistas e pílulas de discussões, publicadas para ampliar a percepção da pesquisa e dialogar com as novas linguagens.

Abrimos contas específicas do Ctrl-V nessas redes. A partir daí começam a funcionar como espaços emanadores de discussões, em sintonia com fóruns e mostras presenciais. O principal objetivo da pesquisa, que é provocar discussões sobre o tema, pode se efetivar nesses territórios de conversação.

O processo de construção do Ctrl-V passou pela experiência de construção da RAIA, que consolidou um intercâmbio de ideias e conteúdos, além de funcionar como uma plataforma de crowdsourcing, onde o documentário foi pautado e desenvolvido colaborativamente.

No final de 2009 promovemos o primeiro encontro presencial da RAIA no Ars Santa Mónica, em Barcelona, para apresentar a primeira parte do documentário e debater sobre o aprendizado. O evento contou com a ilustre presença de Edward Jay Epstein, além de Jaron Rowan, Humberto Mancilla, Piatã Kignel, Carlos Toro e muitos outros que contribuíram para a formação da rede e a edição colaborativa da primeira parte do Ctrl-V.

Conseguimos transferir para o ambiente presencial o clima e o sentido de união até então muito presente na Rede, que ainda estava fechada com seus membros fundadores.

Em 2010 voltamos a fazer a Jornada em Barcelona. Ctrl-V+ Convergencia foi o nome do evento, que apresentou a segunda parte do documentário, além de ampliar a discussão para as tendências e efeitos das mídias digitais sobre a produção audiovisual, analisando os movimentos da indústria na Era da Convergência.

Neutralidade da rede, modelos de negócios inovadores, video on demand, redes sociais audiovisuais, storytelling e do it yourself media foram alguns dos temas abordados no encontro.

2011 é o ano de fechamento desse processo, que culmina com o lançamento simultâneo do documentário em todas as mídas: Tv aberta, sala de cinema, Internet e celular, tudo ao mesmo tempo, explorando e chamando a atenção para o caráter transmídia do projeto. A participação da TV Cultura e do Sesc nesse processo foi fundamental.

2012 será o ponto de partida para um novo processo de discussão, voltado para as novas possibilidades do audiovisual brasileiro.

Assista o Ctrl-V clicando abaixo:

CTRL-V from Ctrl-V on Vimeo.

Leonardo Brant http://www.brant.com.br

Pesquisador cultural, autor do livro "O Poder da Cultura", diretor do documentário Ctrl-V, criou e edita este Cultura e Mercado. É sócio da Brant Associados e do Cemec. Idealizou e coordena o programa Empreendedores Criativos. Para mais artigos deste autor clique aqui

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