quinta-feira, 26 de maio de 2011

O ALMOÇO COM O QUAL ARMELAU JAMAIS SONHOU

Publicado originalmente no blog do Jefh Cardoso e retirado em 26/05/2011 do endereço:

http://jefhcardoso.blogspot.com/2011/05/o-almoco-com-o-qual-armelau-jamais.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+Jefhcardoso+%28jefhcardoso%29

Dona Afonsa repousava à mesa uma grande travessa de quiabo cozido com músculo de vaca, quando teve um furioso acesso de tosse. E se não fosse por ter virado o rosto ao lado oposto, o cozido teria sido retemperado com fluidos naturais.

“Coff Coff Coff”: Tossia Dona Afonsa e sugava a coriza numa súbita e ruidosa inspiração.

Dona Afonsa havia preparado também arroz carreteiro, feijão tropeiro e, segundo ela, sua especialidade; um guisado que seria segredo e tradição de família o seu conteúdo, bem como a fórmula utilizada para atingir àquela consistência especialmente viscosa.

Armelau sentia apetite algum. Contudo, fora rigorosamente educado para não desfeitear a ninguém, principalmente em casa onde fosse o convidado – e quem é que nessa vida nunca se sentiu amarrado pó limitado pela educação ou convenções herdadas?

Teria provado somente um pouco do arroz, beliscado a salada e poderia render elogios convincentes aos dotes culinários da sogra de seu colega de trabalho. Mas não... Nada disso fora possibilitado. Dona Afonsa não esperava que o homem terminasse heroicamente uma concha do tal quiabo musculoso e já vinha logo com outra. E Almir, por sua vez, completava o prato do amigo com outra concha transbordante do tal guisado misterioso.

“Coff Coff Coff”: Tossia Dona Afonsa e enxugava a coriza com o dorso da mão que empunhava o garfo.

Resignado, Armelau agradecia com um aceno de cabeça. Timidamente, assinalava com a mão espalmada indicando que já bastava. Olhava para o prato refeito. Olhava e forma furtiva, discretamente para o amigo Almir, que parecia conter um sorriso algo jocoso, e comia mais um pouco.

Lílian brigava com os gêmeos, repreendia-os, beliscava-os. Comia apenas salada e não se referia a Armelau diretamente. Quando queria saber algo, se referia ao marido e usava a terceira pessoa para tratar Armelau: _Ele está gostando da comida, Almir? E Armelau, de boca cheia, via o amigo responder por ele: _Claro que está. Não está, Armelau? Não é boa a comida de Dona Afonsa? E terminava liberando o até então contido sorriso.

Terminada a refeição, o que para Armelau pareceu durar uma eternidade, Dona Afonsa foi até a geladeira e retirou uma tigela repleta de doce de abóbora com coco queimado em pedaços. Com o doce ao centro da mesa, cada qual tomou uma colher e se servia diretamente na tigela. Almir fez questão de servir o amigo, duas vezes. Após a primeira colherada, Armelau não pode deixar de notar que Dona Afonsa gostava muito de doce e comia gulosamente, sem trocar de colher, sem lavar, sem sequer enxaguar o talher...

Após a sobremesa, Lílian ofereceu um cafezinho a todos. Levantou-se e foi preparar a bebida. Armelau sentiu uma espécie de alívio ao perceber que não seria a sogra do colega a preparar o café. Até concordou que um café seria ótimo. Lílian terminou o café. Dona Afonsa se levantou, serviu uma xícara, provou um pequeno gole e criticou o café da filha: _Este café está amargo feito fel. Café amargo é uma bosta! Colocou duas colheres das de chá de açúcar, volveu três vezes a colher, provou novamente e estendeu o restante ao estupefato Armelau: _Agora sim este café está bom, tome Amadeu. Disse Dona Afonsa.

“Coff Coff Coff”: Tossia Dona Afonsa.

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