Mucuryanos cineclubistas ou não:
Como de costume, trazemos um artigo sobre o filme de nossa próxima sessão. Desta vez trazemos um texto do André Bozzeto sobre o Lobisomem de Londres. É sempre boa esta leitura previa, o que nos chama a atenção para aspectos muitas vezes quase imperceptíveis …
Então leiam. Grande abraço e até sábado.
Originalmente publicado no Boca do Inferno e retirado em 19/05/2011 do endereço:
http://siteantigo.bocadoinferno.com/artigos/lobisondres.html
Por André Bozzetto Junior
Um clássico seminal e relegado
Após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, a sociedade norte-americana se viu mergulhada em uma profunda crise que se alastraria ao longo da década seguinte e causaria um grande impacto em praticamente todos os setores de sua economia. Logicamente, a indústria cinematográfica não se manteve imune a essa crise, de forma que todos os grandes estúdios da época passaram a sofrer com toda a ordem de problemas decorrentes do inesperado caos financeiro que se abateu sobre os EUA. Para continuar sobrevivendo, os estúdios teriam que diminuir os custos e aliviar as despesas de produção de todas as maneiras possíveis, de forma que uma das soluções encontradas foi apostar em produções de baixo orçamento, filmes que pudessem ser elaborados sem a necessidade de grandes investimentos e, de preferência, que abordassem temáticas de grande apelo junto ao público, já que agora, em virtude da crise, as pessoas tinham menos dinheiro disponível para gastar em lazer e entretenimento. Essa forma um tanto improvisada de fazer cinema deu origem a todo um estilo que no futuro viria a ser conhecido sob o rótulo de “Filmes B”, uma tendência que, entre outras, segue viva até nos dias atuais.
Nesse sentido, nenhuma empresa conseguiu ser tão bem-sucedida quanto a Universal, que apostou alto na produção de filmes de terror em larga escala e obteve enorme sucesso consolidando obras que abordavam personagens hoje conhecidos como sendo os monstros clássicos do horror, entre eles “Drácula” (1931), “Frankenstein” (1931), “A Múmia” (1932) e “O Homem Invisível” (1933).
Seguindo a tendência natural do sucesso, a Universal decidiu continuar levando outros monstros para as telas, e em 1935 o escolhido foi o lobisomem, personagem mitológico de grande popularidade entre a quase totalidade das nações do planeta. O filme em questão foi “O Lobisomem de Londres”, dirigido por Stuart Walker e roteirizado por John Colton, com base em argumento de Robert Harris.
A história que nos é apresentada começa nas desoladas montanhas do Tibete, onde o botânico inglês Wilfred Glendon (Henry Hull) comanda uma expedição em busca de uma raríssima flor chamada mariphasa lumina lupina, que só nasce no Tibete e tem entre as suas características a interessante propriedade de apenas florescer durante o luar. Em dado momento da viagem, os habitantes locais que haviam sido recrutados para auxiliar na expedição se negam a seguir em frente, dizendo que estão prestes a adentrar em um vale considerado amaldiçoado. De nada adianta a insistência do Dr. Glendon, e toda a sua equipe de carregadores nativos foge, deixando-o só, apenas com a companhia do assistente Hugh Renwick (Clark Williams). Os dois encontram um padre, que os desestimula a seguir viagem dizendo coisas misteriosas e assustadoras como “nunca fui a este vale, e nunca conheci ninguém que tivesse voltado de lá” e “há coisas com as quais é melhor não mexer”. Os cientistas não dão ouvidos às palavras supersticiosas do padre, e seguem em frente.
No alto de uma montanha, iluminada pela lua cheia, Hugh começa a sofrer com os efeitos da altitude e fica para trás, enquanto o Dr. Glendon continua sua busca pela misteriosa flor. Quando finalmente a encontra e inicia os preparativos para transporta-la, o botânico ouve estranhos uivos vindos dos arredores e passa a ter a incomoda sensação de estar sendo observado. De repente, uma monstruosa criatura salta de cima de uma rocha e ataca o Dr. Glendon. Em meio à luta, o cientista é mordido no braço, mas consegue ferir a criatura com uma facada, fazendo com que ela fuja uivando pela montanha.
A ação corta para Londres, onde algumas semanas depois do incidente nas montanhas do Tibete, o Dr. Glendon se dedica a estudar a mariphasa, fazendo uso de uma máquina que gera uma luz artificial de intensidade similar à luz da lua, sem, contudo, conseguir faze-la florescer.
Em certa ocasião, durante uma festa promovida pela sua esposa Lisa (Valerie Hobson), o Dr. Glendon acaba conhecendo uma série de figuras indesejáveis. O primeiro é Paul Ames (Lester Matthews), um piloto de avião erradicado nos EUA, e que no passado fora um amigo e pretendente de sua esposa. De cara o Dr. Glendon percebe que Paul está disposto a se insinuar para o lado da sua esposa, e fica devidamente irritado. Em seguida, ele ainda é apresentado ao misterioso Dr. Yogami (Warner Oland) que se diz um botânico asiático. Yogami afirmar ter conhecido o Dr. Glendon no Tibete, onde ambos estavam à procura da mariphasa, embora o último alegue não se lembrar de tal encontro. Yogami diz ainda que a sue espécime da mariphasa morreu, e implora para que o Dr. Glendon lhe mostre a sua. Como o último se negou a mostrar o avanço de suas pesquisas, Yogami se despede dizendo em tom ameaçador que a flor tibetana é muito cobiçada por servir como antídoto para a licantrofobia (licantropia), e que ele tem plena convicção de que existem dois lobisomens habitando Londres naquele momento. Logicamente, o Dr. Glendon não acredita nas palavras do outro cientista, nem mesmo quando este lhe explica que a licantrofobia é transmitida através da mordida de um lobisomem, o que lhe faz lembrar do estranho incidente no Tibete.
De qualquer maneira, os dias passam e o Dr. Glendon começa a obter sensíveis progressos na sua iniciativa de fazer a mariphasa florescer artificialmente, inclusive obtendo assustadores indícios de que Yogami poderia estar certo em suas teorias. Porém, de tão obstinado com suas pesquisas, o cientista passa a ficar cada vez mais isolado no seu laboratório, praticamente se abstendo do convívio social e se mantendo distante até da própria esposa, o que deixa o caminho livre para as investidas do almofadinha Paul, que insiste em avançar com galanteios sobre Lisa.
Certa noite, depois que Lisa vai para uma festa em companhia de Paul, o Dr. Glendon fica sozinho em casa, e quando a lua cheia surge ele descobre da pior maneira que tudo que Yogami dissera sobre lobisomens era verdade, pois ele próprio acabara de se transformar em um. A partir desse momento, a vida do cientista se transforma em um terrível pesadelo, pois durante a noite ele sai para as ruas em sua forma monstruosa, espalhando medo e morte, e durante o dia ele precisa lidar com as investidas de Paul sobre sua esposa, com a insistência do Dr. Yogami que continua lhe perseguindo e rondando seu laboratório, e com a desconfiança da Scotland Yard, além de tentar encontrar a cura para a sua maldição.
Apesar das limitações decorrentes da época e das circunstâncias em que foi produzido, “O Lobisomem de Londres” se revela um ótimo filme, com um enredo que, apesar da simplicidade, se sustenta com diálogos bem-elaborados, doses surpreendentes de humor negro e sarcasmo, e algumas cenas de suspense que realmente prendem a atenção do espectador, como o início, no alto das montanhas do Tibete, cujo belo trabalho cenográfico realça a aura de mistério do local, o tenso momento em que o lobisomem passa a rondar a casa onde ocorre uma festa da elite londrina, e o final, que faz com que o filme se conclua de forma melancólica e até meio inusitada.
O visual do lobisomem neste filme é algo que divide opiniões. Alguns acham engraçada a caracterização do monstro, ainda mais por vê-lo usando um antiquado sobretudo e as vezes até terno e gravata. Outros, entre os quais eu me incluo, acreditam que para a época o lobisomem até deve ter sido assustador, uma vez que não havia uma referência anterior, e todos os monstros abordados na tela do cinema naquele período seguiam características até certo ponto semelhantes, mesmo porque a maquiagem das criaturas da Universal ficava sempre a cargo do cultuado Jack Pierce, responsável também pela clássica caracterização de outros personagens monstruosos, como “A Múmia”, “Drácula” e “O Monstro de Frankenstein”.
Infelizmente, esse belo filme foi um grande fracasso de bilheterias na época em que foi lançado, causando um baque nos executivos da Universal, que até então vinham sendo extremamente bem-sucedidos na produção de seus filmes de monstros. Grande parte da culpa pelo insucesso da produção é atribuída ao casal de atores protagonistas, Henry Hull e Valerie Hobson, cujas atuações burocráticas e de fato limitadas deixaram a desejar. Mas a verdade é que a própria falta de carisma dos personagens prejudicou os atores, pois a mocinha, Lisa Glendon, nada faz o filme inteiro além de andar de um lado para o outro com cara de entediada enquanto é seguida e bajulada pelo chato Paul. O próprio Dr. Glendon, por sua vez, é um personagem com o qual é difícil simpatizar, uma vez que durante o filme inteiro ele mantém uma postura arrogante e egocêntrica, tratando todos que o cercam com grande prepotência. Dessa forma, ficava difícil para a platéia se sensibilizar com o drama dos personagens, que não despertavam nenhuma empatia, ainda mais na conservadora década de 1930, onde um homem-de-bem era idealizado como alguém austero e movido por belos sentimentos e ideais.
Em virtude desse fracasso, a Universal só se sentiu motivada a investir novamente em um filme do gênero em 1941, quando foi lançado “O Lobisomem”, produzido e dirigido por George Waggner e tendo no elenco nomes de peso como Bela Lugosi, Claude Rains, Maria Ouspenskaya, e Lon Chaney Jr no papel do personagem-título. Nessa nova investida, o resultado foi um sucesso estrondoso, que incluiu de vez o lobisomem na galeria dos grandes monstros da Universal, fazendo com que ele voltasse a aparecer em vários outros filmes, além de elevar Lon Chaney Jr ao patamar dos grandes astros do cinema de horror. Dessa forma “O Lobisomem” atingiu quase que instantaneamente o status de clássico referencial, sendo cultuado e lembrado por muitos como o primeiro grande filme de lobisomem produzido, fazendo com que “O Lobisomem de Londres” ficasse relegado a um patamar inferior, recebendo pouca ou nenhuma atenção, parecendo fadado ao esquecimento. Felizmente, com o passar do tempo, “O Lobisomem de Londres” foi sendo redescoberto e sua importância reconsiderada, de forma que hoje não seria exagero dizer que o filme tem assegurado o seu lugar no hall dos filmes cult daquela época.
É claro que, visto atualmente, “O Lobisomem de Londres” pode parecer ingênuo em vários momentos, e por vezes até irregular, algo que se aplica à grande maioria dos filmes de monstros da Universal das décadas de 1930 e 1940. Porém, nada tira o mérito desses filmes de serem extremamente interessantes e divertidos, além de que, essas produções tiveram uma importância fundamental para consolidar o horror como uma das vertentes mais prolíferas, admiradas e cultuadas do gênero cinematográfico.
O LOBISOMEM DE LONDRES
(Werewolf of London, EUA, 1935) - 75 minutos
Direção: Stuart Walker
Roteiro: John Colton; Harvey Gates; Robert Harris e Edmund Pearson, a partir de uma história de Robert Harris
Produção Executiva: Stanley Bergerman
Música: Karl Hajos
Fotografia: Charles J. Stumar
Direção de Arte: Albert S. D'Agostino
Efeitos Especiais: Roger George; Kevin Brennan; Doug Beswick
Edição: Russell F. Schoengarth; Milton Carruth
Maquiagem: Mary Dolor; Jack P. Pierce; Armand Triller
Elenco: Henry Hull (Dr. Glendon); Warner Oland (Dr. Yogami); Valerie Hobson (Lisa Glendon); Lester Matthews (Paul Ames); Lawrence Grant (Sir Thomas Forsythe); Spring Byington (Ettie Coombes); Clark Williams (Hugh Renwick); J.M. Kerrigan (Hawkins); Charlotte Gra
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