Publicado originalmente por Jefh Cardoso no jefhcardoso e retirado em 02/05/2011 do endereço:
A locadora onde alugo filmes, vez ou outra, faz uma promoção estranha. Eles lhe oferecem um filme do acervo mais antigo a cada vez que você loca três filmes do acervo mais atual. Até aí, nada de incomum. O fato estranho é que, mesmo no dia em que você não loca nenhum filme, não encontra nenhum título interessante disponível, eles te oferecem um filme antigo, de graça. É sério!
_Pegue um filme lá! Disse o rapaz. Achei estranho, argumentei: _Mas eu não vou locar nenhum filme! _Não importa, pode pegar. Essa semana todos os filmes de artes marciais são de graça. Completou o rapaz.
Bem, eu sou brasileiro. Estava me oferecendo um filme em meio a tantos títulos de graça. Já viu brasileiro dispensar algo, de graça?
Muitos filmes eu já havia visto. Quanto mais adentrava ao pequeno corredor com suas prateleiras poeirentas, mais títulos saltavam diante de meus olhos e faziam sinapses em minha memória – adentrar um lugar como este é revisitar o seu passado negro e obscuro. Passei por Chuck Norris, David Carradine, Steve Seagal, Jean Claude Van Damme... Fui ao fundo daquele túnel do tempo. E foi então que deparei-me com ninguém menos que Bruce Lee e sua ‘expressão de ódio para foto’!
Apanhei o filme e fui hipnotizado pela capa. Iniciei um retrocesso de, pelo menos, 27 anos: “Se eu conseguisse falar de Bruce Lee... Se eu conseguisse expressar o Bruce Lee que há em mim... (Há?) (Não sei!) Certamente algum dia existiu... É difícil saber o que resta quando já se passou tanto tempo da morte do ídolo – e não me refiro ao tempo decorrido após a morte do ator, mas, e muito mais, à morte do ídolo.” E continuei pensando: “Vou pegar o filme! Espero que ninguém me veja...”
A caminho de casa, com o filme em mão, comecei a me recordar de como a sociedade infantil é clara em suas distinções. Não há estatutos complicados, protocolos elaborados, imensos conjuntos de leis para garantir direitos e deveres da molecada entre a molecada. Ali é á lei do mais forte ou do filho do mais forte, e o mais fraco que acate.
Ou você é o agredido, ou você é o agressor, ou o amigo do agressor (puxa saco); agredidos não possuem amigos. Simplesmente, possuem cúmplices de um sofrimento. Nunca fui opressor. Nunca tive inclinação para isso. Quando muito, eu revidava com mais energia a uma agressão, uma afronta. Mas era magro, raquítico e, o pior de tudo, educado. Educado não para agredir, mas para o diálogo, para a paz.
O agressor se alimenta do seu medo, reina sobre o seu medo. Ele se deleita, se fortalece quando impõe alguma humilhação, quando afirma seu poderio. Se puder fazer isso diante de várias pessoas, melhor. Se puder fazer diante de meninas então, melhor ainda. Ao fraco e oprimido resta a imaginação:
“Punhos do medo!, O toque da morte!, Punhos de aço! Um descendente de chineses torna-se astro de Hollywood... Torna-se mestre em artes marciais que atravessam milênios. Se um chinês pôde, por quê não eu? O dinheiro para a matrícula e a mensalidade... Lembrei-me! Que o cinema baste ao garoto fraco.”
E quem seria capaz de enfrentar um exercito apenas com os próprios punhos, jogar homens sobre árvores como quem lança caixas de papelão, golpear uma parte do corpo e duas semanas depois, misteriosamente, o golpeado desaparecer do mapa?
Não consigo ver o filme até o final. O mito está morto e sepultado em minha memória. E essa promoção da locadora, francamente, nem se eles me pagassem valeria o meu tempo.
No Twitter @Jefhcardoso74
Pessoal, “Mas este texto é muito bom mesmo!” (com a voz do Silvio Santos)
ResponderExcluirBrincadeira. Amigos, muito obrigado por esta oportunidade a qual considero uma homenagem! Fiquei feliz e honrado ao ser lembrado aqui no Mucury Cultural. Espero que esse gesto se repita por muitas outras vezes. Um grande abraço! Obrigado e Obrigado!
Nós é quem lhe agradecemos, Jefh.
ResponderExcluirE sempre publicaremos textos seus aqui, pois são muito bons!
Parabéns, novamente.
Grande abraço.
Bruno Bento.