Publicado originalmente no site do Ministério da Cultura e retirado em 03/05/2011 do endereço:
http://www.cultura.gov.br/site/2011/05/02/xica-da-silva-4/
Restauração da obra será lançada nesta terça-feira, em São Paulo
“Xica da Silva”, filme de Cacá Diegues que conta a história de uma escrava que tornou-se a primeira dama negra de nossa história, está totalmente restaurado. O lançamento será nesta terça-feira, 3 de maio, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo e contará com presença da secretária do Audiovisual do Ministério da Cultura, Ana Paula Santana. O longa, de 1976, fez parte do Programa de Restauro da Cinemateca Brasileira, do MinC.
Segundo a diretora da Cinemateca e coordenadora técnica do Programa, Patrícia de Filippi, devido ao sucesso do filme, muitas cópias foram feitas. “Naquela época, infelizmente não existia o hábito de se fazer materiais intermediários para reproduzir obras sem sacrificar o negativo original. Com a confecção de muitas cópias diretamente a partir do negativo, esse material estava muito riscado, apresentando rasgos e mutilações em alguns trechos”.
O filme foi restaurado inteiramente usando tecnologia digital 2k (que significa 2 mil pixels por linha horizontal de cada fotograma), sem compressão. Ao digitalizar o filme em película em 2k, cada fotograma passa a equivaler a uma imagem de aproximadamente 12 MB. Para se ter uma ideia da quantidade de informação gerada, um filme de 117 minutos de duração, como Xica da Silva, contém mais de 160 mil fotogramas (o que equivale a aproximadamente 2 TB).
Programa de Restauro
O programa promove, graças ao patrocínio da Petrobras e por meio de convocação pública, a restauração de filmes produzidos nas bitolas de 35mm ou 16mm, em preto e branco ou em cores. Nesta segunda edição foram contemplados 12 proponentes, com um total de 15 títulos (oito curtas e sete longas-metragens), tendo o trabalho de restauração começado em seguida à divulgação dos resultados, em junho de 2010. Xica da Silva, projeto convidado pela Cinemateca a participar do Programa, é o primeiro resultado deste trabalho.
Quando todas as restaurações forem concluídas, será lançada uma caixa de DVDs, e o público poderá consulta-los no Centro de Documentação e Pesquisa da Cinemateca Brasileira. Além disso, o filme poderá ser visto em digital ou 35mm, sob demanda, respeitados os direitos autorais e as condições técnicas de projeção, procedimento padrão da Cinemateca Brasileira.
Depoimentos
“Xica da Silva foi um de meus filmes que mais me deu alegria. Primeiro, durante as filmagens, pela química entre equipe e elenco que tornou o trabalho de quase cinco meses, em Diamantina (MG), um prazer inesquecível. Depois, no lançamento do filme, pelo enorme sucesso que ele fez no Brasil e, em seguida, no exterior. Foi o primeiro filme da distribuidora da Embrafilme a obter uma bilheteria consagradora, que garantiu a boa partida da empresa na área da distribuição.
Mas o mais importante é que este foi o filme que marcou a “abertura democrática” no âmbito do cinema brasileiro. Em 1976, ano de seu lançamento, o presidente Geisel já tinha anunciado o projeto de uma abertura democrática “lenta, segura e gradual”, e o país começava a sair da longa noite escura da ditadura militar. Um “Xica da Silva” alegre e otimista, um filme que “dava a volta por cima”, ajudava o cinema brasileiro a liderar esse novo clima cultural no país.
Acho que aquela foi a primeira vez em que um filme brasileiro tinha, encabeçando seu elenco, uma atriz negra – e, até aquele momento, desconhecida. Lembro-me, inclusive, que um importante exibidor da época se negava a exibir o filme em seus cinemas porque, segundo ele, filme com negros não era comercial. O produtor Jarbas Barbosa insistiu com o grande lançamento que sonhara e acabou provando ao exibidor que ele estava errado. Só num cinema lançador, o Roxy – então, uma só sala com cerca de dois mil assentos –, “Xica” ficou em cartaz por 11 semanas. Para esse sucesso, muito contribuiu a luz brilhante e mágica de Zezé Motta, sem a qual o filme não existiria, assim como seu personagem principal não seria lembrado como até hoje o é.
A restauração desse filme, exatamente 35 anos depois de seu lançamento, é um presente que recebo como uma homenagem a todos que nele trabalharam, sobretudo a Jarbas Barbosa, que não está mais entre nós. Um país que preza sua cultura e seu passado tem que ter uma memória viva do que seus artistas fizeram de mais relevante. A restauração de “Xica da Silva”, realizada pela Cinemateca Brasileira, com a supervisão técnica de Carlos Magalhães, Patricia di Fillippi e do fotógrafo Lauro Escorel, só pode honrar o serviço prestado ao Brasil pelo Ministério da Cultura e pela Petrobras, os patronos dela”.
Cacá Diegues, cineasta, diretor de “Xica da Silva”.
“Protagonizar o filme, na época, foi um grande desafio. Eu tinha pouca experiência em cinema, foi o meu terceiro filme. Um pouco antes, atuei em “Vai trabalhar, vagabundo”, de Hugo Carvana, mas não era um papel tão importante como o de protagonista de “Xica da Silva”. O personagem era muito complexo, pois além de ser um tema polêmico para a época – uma negra passar de escrava para rainha –, era uma protagonista negra, fato novo para o momento, e, nessa época, já havia certa preocupação com os papéis destinados aos negros. Em relação ao restauro da obra, é importante que o Ministério da Cultura cuide da preservação do cinema brasileiro, que já é reconhecido no mundo inteiro, e isso nos anima para produzir cada vez mais, e com mais qualidade”.
Zezé Motta, atriz, protagonista de “Xica da Silva”.
O restauro de “Xica da Silva” significa o reconhecimento, pelo Estado, da importância da preservação audiovisual.
Creio que a maior inovação audiovisual é a percepção, tanto do Estado quanto do setor, que a preservação da memória nacional deve ser concebida ainda no desenho de produção do filme. Isso valoriza a ação estratégica do Estado.
As novas gerações agora poderão conhecer e reconhecer o trabalho de Cacá Diegues e toda a sua contribuição ao cinema nacional.
Ana Paula Santana, secretária do Audiovisual do Ministério da Cultura (SAv/MinC).
“Xica da Silva” foi lançado num momento em que eu dirigia a distribuidora da Embrafilme, logo depois do lançamento de “Dona Flor e seus Dois Maridos”, e a referência era um desafio. O milagre de “Xica” é a relação com o público de um filme, ao mesmo tempo, espetacular e autoral.
Não conheço ninguém que não goste de “Xica”. Na época de seu lançamento, Cacá viu o filme em Madureira, no Rio, e teve a sensação de ver uma festa bárbara. Ao mesmo tempo, foi um sucesso de crítica. Isso é raro, não há tantos exemplos no cinema do Brasil.
É um filme de intervenção comportamental libertária na relação de Cacá com o universo africano (que gerou a trilogia “Ganga Zumba”, “Xica da Silva” e “Quilombo”), que resultou numa mistura de deboche com lirismo, um filme de época com o tom contemporâneo, e que ainda despertou o interesse da rede de exibição, rompendo com o estereótipo de rejeição do exibidor brasileiro para com a produção nacional.
Um filme que está vivo até hoje, por vários motivos. É um milagre bárbaro, que também provocou o lançamento de um slogan que, à época, era atrevido: “Mercado é Cultura”.
Veja aqui um trecho da restauração:
Gustavo Dahl, diretor do CTAv/MinC .
Solicitação de inscrição via e-mail: xicadasilva@cinemateca.org.br
Leia também a matéria em inglês e espanhol.
(Texto: Narla Aguiar e Débora Palmeira, Ascom/SAv)
(Edição de imagem: Marina Ofugi, Ascom/MinC)
(Fotos: Acervo Cacá Diegues e Divulgação Cinemateca)
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